O "enfant terrible" da teologia

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12 Março 2011

"O Deus da mensagem cristã não é um Deus a quem pertencemos desde o nascimento, como no judaísmo, nem uma divindade com quem fazemos transações, como os deuses curandeiros dos santuários muito frequentados. Ele é um Deus em quem cada um é livre para acreditar".

A afirmação é do teólogo luterano suíço Daniel Marguerat (foto), que estará presente na Páscoa IHU 2011 com o curso Ler Paulo hoje. Um estudo em diálogo com filósofos contemporâneos, que irá ocorrer entre os dias 11 a 13 de abril, na Sala Inácio Ellacuría e Companheiros - IHU, na Unisinos, sempre das 8h45min às 11h45min e das 14h às 17h.

A proposta do evento é analisar alguns escritos e a teologia de Paulo de Tarso, revisitando seu pensamento em diálogo com questões filosóficas e existenciais contemporâneas e promovendo um estudo da teologia paulina e de suas contribuições para a cultura moderna e pós-moderna.

Marguerat é professor emérito de Novo Testamento da Universidade de Lausanne, na Suíça, tendo lecionado nessa instituição entre 1984 a 2008. Após ter servido como pastor em algumas paróquias luteranas da Suíça nas décadas de 70 e 80, foi coordenador da Faculdade de Teologia da mesma universidade (1990-1992) e presidente da Studiorum Novi Testamenti Societas (2007-2008) e da Federação das Faculdades de Teologia de Genebra-Lausanne-Neuchâtel (2004-2005).

Sua experiência como pastor e como professor lhe forneceram duas convicções que continuam sendo as fontes do seu trabalho exegético bíblico. "A universidade – afirma – me ajudou a desenvolver uma ética do conhecimento, principalmente de que a exegese dos textos bíblicos é uma disciplina científica. Ao invés de impor os resultados da exegese bíblica, eles precisam ser provados. Esses resultados permanecem em aberto para a discussão e o debate, já que  nenhuma leitura do texto pode fingir ser o único comentário de confiança sobre um texto".

Por outro lado, sua experiência como pastor lhe "convenceu de que a exegese não precisa só explicar  um  texto, mas também deve levar à sua total compreensão e apropriação". Ou seja, deve ajudar, afirma Marguerat, "a perceber qual compreensão de Deus e da condição humana o texto expressa".

Para ele, apenas um tipo leitura de um texto bíblico não é suficiente. Por isso, seu método atual é o de somar as forças de várias leituras, como a crítico-histórica, a crítico-narrativa e a análise retórica. Sua obra inclui uma profunda análise do livro dos Atos dos Apóstolos, publicada em português como A Primeira História do Cristianismo: Os Atos dos Apóstolos (Paulus/Loyola, 2003), a questão do Jesus histórico e a construção da teologia paulina. Outros livros publicados em português são Novo Testamento: História, Escritura e Teologia (Loyola, 2009) e Para Ler as Narrativas Bíblicas: Iniciação à Análise Narrativa (Loyola, 2009), juntamente com Yvan Bourquin.

"Enfant terrible"

Em um de seus últimos artigos publicados, intitulado Paul ou la faillite de la Loi (Paulo ou a falência da Lei, disponível aqui, em francês), Marguerat analisa os discursos de Paulo sobre a Lei judaica. Para ele, o próprio protestantismo é marcado geneticamente pela análise paulina do estatuto da Lei, já que Martinho Lutero, segundo Marguerat, foi profundamente marcado pela leitura da carta de Paulo aos romanos.

Por isso, afirma, Paulo é o "enfant terrible" da teologia, pois adotou uma posição de extrema radicalidade perante a Torá. A Lei entra em falência, pois "já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim" (Gálatas 2, 20). "Isso não significa em nada que a personalidade do crente se dissolva – continua Marguerat –, mas sim que o seu modo de entender é radicalmente alterado, abandonando uma lógica do desempenho para entrar em uma lógica do dom". Assim, diante de Deus, o crente se torna filho ou filha de Deus, assim como Jesus: "Deus o adota independentemente do seu status, das suas origens, das suas filiações e das suas lealdades", como indicava a Lei.

"O Deus da mensagem cristã não é um Deus a quem pertencemos desde o nascimento, como no judaísmo, nem uma divindade com quem fazemos transações, como os deuses curandeiros dos santuários muito frequentados. Ele é um Deus em quem cada um é livre para acreditar", explica. E essa liberdade se insere em uma comunidade, a Igreja, "que funciona como uma microssociedade em que cada um e cada uma se reconhece uma igual dignidade e um igual valor".

O "drama da cruz"

Para Marguerat, essa mensagem só ganha força devido ao significado da cruz. "A teologia paulina da cruz não trata a Lei como a instância reguladora do espaço social, mas sim como norma de relação com Deus. Paulo reage a um judaísmo que colocou a Lei no centro da sua relação com Deus e a usa para definir a identidade do crente individual": ou seja, uma Lei que, em função do grau de impureza, dos grupos sociais (mulheres, doentes, funcionários do poder romano) e dos numerosos grupos profissionais (pecuaristas, agricultores, artesãos do couro etc.), marginalizava-os religiosamente.

Porém, explica o teólogo suíço, Paulo não se torna um "antijudeu". A argumentação do apóstolo não se volta contra a fé de Israel: ele se serve das categorias que lhe são fornecidas por esse ambiente religioso "para configurar a relação com Deus tal como ele a entende a partir da ruptura que é o drama da cruz".

"Os conflitos teológicos em que o apóstolo havia se engajado – comenta Marguerat –, especialmente com os cristãos da Galácia e de Filipos, mostram que, a seu ver, como a Lei ameaça a absoluta gratuidade da graça, como ela obscurece a aceitação incondicional de todo ser humano por Deus, ela deve ser denunciada". É por isso que Paulo lhe nega toda a capacidade de construção do indivíduo perante Deus: "é só a partir do momento em que o indivíduo se despoja da pretensão de existir diante de Deus em nome da sua fidelidade, que a Lei reencontra sua utilidade inata de orientar a atividade do crente no seio do mundo e para o mundo".

(Por Moisés Sbardelotto)

 

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