15 Janeiro 2011
Gerard Lyons, chefe economista do Standard Chartered, sintetiza assim: "A última década foi definida pelo `made in China`. O próximo será o do `owned by China`". De "fábrica do mundo", a China se transforma em "acionista majoritário do planeta", e o objetivo não está mais limitado a se tornar o primeiro "banqueiro global". Das dívidas do Ocidente, Pequim diversifica os investimentos às empresas símbolos do capitalismo dos EUA e da Europa, sem se esquecer de assegurar as matérias-primas da África, da América do Sul e da Ásia central.
A reportagem é de Giampaolo Visetti, publicada no portal do jornal La Repubblica, 14-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A última compra da China que "compra o mundo" é desta quinta-feira em Portugal. Depois que todos os títulos da dívida pública de Lisboa haviam sido entregues, com vencimento em dois anos e um rendimento de 3,97%, Pequim adquiriu mais um bilhão de bônus de colocação privada, com vencimento em18 meses e uma taxa de juros de 4,74%. Os chineses, que já possuem na Península Ibérica 13% da dívida espanhola, se comprometeram também a comprar, até o final do ano, obrigações portuguesas de cerca de 5 bilhões de euros, assumindo de fato o controle econômico da área.
A estratégia, sintetizada pelo próximo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ao longo da viagem europeia recém-concluída, é clara: diminuir progressivamente os bens em dólares para aumentar os bens em euros, ajudando o primeiro importador de Pequim a sair da crise. A dissolução da moeda única, segundo os analistas chineses, não faria só com que as exportações para a Europa (16% do total), espinha dorsal do crescimento da China, caíssem. Faria ruir também o valor dos bônus europeus de Pequim, iguais a 630 bilhões de euros, ameaçando o projeto a médio prazo dos líderes chineses. Redefinir o equilíbrio monetário mundo, organizando-o sobre três valores de câmbio: yuan, dólar e euro.
A ajuda chinesa à eurozona, por meio do resgate das caixas da Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal, desloca pela primeira vez no Oriente o destino valutário da União Europeia, cruzando-o com o déficit norte-americano. O Japão, que possui 1,096 trilhão de títulos norte-americanos, também anunciou a aquisição de 1 bilhão de euros para ajudar o financiamento da crise irlandesa. No último trimestre de 2010, porém, ainda é a China que registrou um balanço recorde das reservas em moeda estrangeira.
Pequim investiu outros 199 bilhões de dólares, levando o total dos seus próprios fundos em moeda estrangeira ao primado de 2,850 trilhões, dos quais 907 em dólares. No ano passado, as reservas estrangeiras da China aumentaram 18,7% com relação a 2009, alimentando as críticas dos EUA e da UE, que exigem uma valorização mais rápida do yuan. Livre de flutuações desde julho, o renminbi ganhou só 3,4% sobre o dólar, menos da metade do que o desejado pelos mercados ocidentais. O Banco Central de Pequim não deixa de comprar as dívidas dos seus clientes para manter baixo o valor da moeda interna e alimentar a competitividade da produção nacional. O "shopping global" do governo chinês, forte de um fundo soberano recorde com 850 bilhões de dólares a serem investidos, visa, ao contrário, a conquistar os nós vitais da economia e da política mundiais. Há 10 anos, fora da China, nada era chinês. Hoje, além das dívidas das grandes potências, Pequim possui participações nos seus principais bancos, é o terceiro investidor nas suas Bolsas, é o primeiro realizador de infraestruturas e monopolizou o coração dos recursos naturais mundiais.
Transformar a Europa no último "centro comercial chinês" serve para redimensionar os EUA, preparando a ultrapassam econômica até 2020, mas principalmente para entrar no histórico salão VIP das finanças e da produção. Pequim não conquista de fato só "países tóxicos" e estabelecimentos em crise, da Grécia à Bulgária, mas assegura o melhor das multinacionais alemãs, britânicas e francesas, que absorvem 62% dos investimentos chineses na UE, prometendo o acesso ao maior mercado do século.
Não faltam as grandes marcas salvas da decadência, como a Volvo ou os computadores IBM que se tornaram agora Lenovo. O fato de que uma potência autoritária esteja comprando o mundo democrático representa, porém, o primeiro problema contemporâneo, e esse tema, na próxima semana, será o centro da visita oficial de Hu Jintao aos EUA. Oficialmente, ele irá falar de yuan, protecionismo e propriedade intelectual, mas o confronto real será sobre o equilíbrio do poder sobre o planeta. As medidas extremas da China tendem só a acalmar as águas. O yan ontem foi reavaliado até chegar ao máximo de 6,59 de dólar, enquanto Pequim previu uma freada do PIB: de uma crescimento em 2010 de 10%, irá cair para 8,7% em 2011 e para 8,4% em 2012. Alguém se consolará, mas não é mais uma boa notícia.
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E a China compra o mundo democrático - Instituto Humanitas Unisinos - IHU