“Minha caminhada com os povos da Amazônia foi uma escola de formação”, afirma Ir. Yolanda Bimos

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15 Junho 2020

Uma boa maneira de conhecer a Amazônia é chegar às comunidades mais distantes, aquelas que, às margens dos rios, continuam a viver uma vida baseada no cuidado do outro e da natureza. Para entender como ser Igreja na Amazônia, uma boa maneira de fazê-lo é contemplar a vida das missionárias da Madre Laura, das lauritas, que é como o povo as conhece.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

(Foto: Luis Miguel Modino)

Uma delas é Yolanda Bimos, missionária há 5 anos no Vicariato de Sucumbíos, na Amazônia equatoriana. De lá, ela afirma que "minha caminhada com os povos da Amazônia foi uma escola de formação para mim". Esse acompanhamento aos povos originários, afrodescendentes e camponeses" foi animado pelo carisma da fundadora da minha congregação, que iniciou seu trabalho missionário na selva", diz a religiosa equatoriana.

Estes são “povos que estão insertos na natureza ainda exuberante, povos que realmente se sentem terra, amam a criação de Deus, porque é a sua vida, sua comida, seu prazer. Eles cuidam e a defendem de todos aqueles que querem prejudicá-la, bem como do governo e das empresas depredadoras", insiste a religiosa Laurita. Ela se lembra de sua fundadora, Madre Laura Montoya, que disse às jovens que se uniram ao seu trabalho: “como não havia sacerdotes ali, eles não têm sacrario, mas têm natureza; Deus está presente em ambas as partes, de maneira diferente, você só precisa saber como procurar”.

(Foto: Luis Miguel Modino)

As palavras de Madre Laura podem ser consideradas uma antecipação de algo que agora entrou totalmente na vida da Igreja, especialmente após a publicação de Laudato Si'. A fundadora das lauritas escreveu um livro, "Vozes místicas da natureza", onde mostra que "cada parte da natureza fala de Deus", diz a irmã Yolanda, que afirma que "as missionárias lauritas sentem Deus na criação”. Como boas missionárias, elas estão na selva para aprender, para descobrir como “os povos originários nos ensinam a amar a natureza porque se sentem parte dela, são guardiões da nossa casa comum. Todos se unem e exigem que seus pedidos ao governo sejam escutados, embora muitas vezes sejam ignorados”.

A religiosa relata cenas comuns da Amazônia, onde "crianças indígenas desfrutam da água do rio, procuram animais para brincar e compartilhar com eles", algo que significa que "quando forem mais velhos, conhecerão os animais que os servirão como alimento. Eles protegem, cuidam da terra que é mãe deles porque os fortalece com seu alimento”. São povos que "andam pelas trilhas repetidamente, conhecem seus caminhos polegada a polegada".

(Foto: Luis Miguel Modino)

A missionária destaca o Sumak Kawsay, o bem viver, como um dos grandes valores dos povos indígenas, que vivem on presente e estão felizes com o que têm, deixando de lado a cultura da acumulação. É aí que a religiosa descobre as palavras do Evangelho: "Olhe para os pássaros do céu: eles não semeiam nem colhem, nem se reúnem em celeiros e seu Pai celestial os alimenta". Eles não se preocupam com o futuro, "uma grande lição para todos nós que somos fruto do sistema capitalista, onde a acumulação é sua meta e não há partilha", enfatiza a irmã Yolanda.

Um dos desafios da humanidade hoje, algo que a pandemia destacou, é pensar "que tudo o que temos nos dará um futuro feliz, quando o material é efêmero", insiste a religiosa, que propõe como alternativa "uma ecologia integral, com saúde e paz no coração". Junto com isso, aprendendo com os povos indígenas o seu saber partilhar, em suas comunidades, “ninguém passa fome porque tudo é partilhado. A dor de um é a dor de todos ”.

(Foto: Luis Miguel Modino)

São povos contemplativos, que “sentem Deus e conversam com ele na luz do sol, no canto dos rios, no chilrear dos pássaros, nas flores, nas árvores, nas plantas, encaram a natureza como um Templo onde Deus, seus antepassados e cada um deles vivem com suas famílias”, diz a religiosa. Eles veem que "a terra é sua mãe que os alimenta e cuida de sua saúde", mas é uma terra "destruída, saqueada, explorada por empresas de petróleo e mineração que cavam e roubam sua riqueza".

Entre os povos indígenas, "os anciãos têm um lugar privilegiado na tomada de decisões", são escutados, porque "eles são o poço de sabedoria que ilumina e guia o caminho das novas gerações", enfatiza a missionária. São comunidades que clamam por uma Igreja com "Rosto Próprio", inculturada, marcada pelos valores da Amazônia. A irmã Yolanda também relata as difíceis condições da mulher indígena, ela é inteligente, mas dada a pouca oportunidade de educação formal, aprende com a experiência, sua maternidade não é valorizada, denunciando a esterilização forçada.

(Foto: Luis Miguel Modino)

Em sua missão na Amazônia, a religiosa conta que acompanhou os povos "nas lutas para defender seus territórios e cuidar da casa comum". Junto com isso, acompanhe-os em sua experiência religiosa, em uma Igreja ministerial. Como coordenadora da Pastoral Social do Vicariato de Sucumbíos, ela tem visto este trabalho, que segundo ela "é a ação organizada da Igreja baseada no Evangelho e na Doutrina Social", como um instrumento "para promover as pessoas mais vulneráveis, lutar pela vida, justiça e paz, contribuindo para a transformação da realidade social”.

Foi um trabalho focado em sete linhas pastorais: Direitos Humanos, Ecologia e Cultura, Economia Popular e Solidária, Educação, Organizações Populares, Comunicação e Saúde. O objetivo tem sido "construir e acompanhar processos que contribuam para o desenvolvimento integral sustentável das pessoas menos favorecidas", reconhece a missionária Laurita. Um elemento importante tem sido a perspectiva ambiental, onde reconhece o papel da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM e a importância do processo sinodal, que deve levar à realização de um dos sonhos do Papa Francisco em Querida Amazônia: “Sonho com uma Amazônia que luta pelos direitos dos mais pobres, dos povos indígenas, dos últimos, onde sua voz é escutada e sua dignidade promovida”.

(Foto: Luis Miguel Modino)

Tudo isso em uma região, na província de Sucumbíos, marcada pela atividade de mineração e petróleo, onde "as empresas ignoram o direito de consulta prévia, conforme solicitado pela Constituição da República", denuncia a religiosa. "A poluição do solo, do ar e da água devido aos efeitos da exploração de petróleo e mineração se torna um ato que afeta diretamente a saúde dos indivíduos e, portanto, os direitos individuais e coletivos dos povos e nacionalidades", segundo irmã Yolanda Bimos. Tudo isso causou, insiste a missionária Laurita, que "não há riquezas em seu solo, elas foram levadas pelas empresas, deixando para trás a pobreza, a perda de cultura, os valores e principalmente as doenças".

É feita uma tentativa de responder a essa situação a partir de um tecido social muito rico, resultado de "uma longa história de luta, resistência e participação, existe uma cultura organizacional no povo", diz a religiosa, que cita as muitas organizações de mulheres, indígenas, de jovens, ambientalistas e vários tipos, presentes em uma das províncias mais pobres do Equador, que sofre os efeitos de uma poluição grave, da qual os isqueiros são um exemplo triste, produzindo efeitos nocivos para as cidades e o meio ambiente. Esta é uma realidade enfrentada há anos pela Igreja e pelas numerosas organizações populares, muitas delas com forte participação eclesial.

A base dessa luta, de acordo com a irmã Yolanda Bimos, está na Doutrina Social da Igreja, materializada em diferentes escolas de formação, socio-organizacionais, comunicadores comunitários, ecologia e cultura, economia popular e solidariedade, direitos humanos e direitos dos migrantes, saúde e educação. Todo esse trabalho foi promovido e coordenado pela Rede da Zona Oriental da Pastoral Social Caritas Equador, que abrange os seis Vicariados da Amazônia Equatoriana. A religiosa também destaca o papel da REPAM, que, segundo ela, "é uma iniciativa que brota da ação do Espírito Santo que guia a Igreja no processo de incorporar o Evangelho na Pan-Amazônia".

(Foto: Luis Miguel Modino)

Um elemento importante que marcou a vida da Igreja de Sucumbíos foi o Sínodo para a Amazônia. A missionária laurita insiste em que "os servidores devem entender a cultura de dentro e vivê-la", para tornar realidade uma Igreja com rosto amazônico, o que leva a "escutar a voz dos amazônicos, que desejam que a liturgia comece a partir de sua cultura, de seus costumes, de seus valores, de seus ritos e mitos”. Para isso, insiste a religiosa, devem ser superados os tempos em que se dizia que "não podemos ir contra a liturgia romana, é o que o Papa ordena e que a Igreja deseja, isso é o que nós estudamos no seminário e temos que colocá-lo em prática".

(Foto: Luis Miguel Modino)

No processo sinodal, destacam-se os trabalhos de consulta, que ajudaram a "compartilhar o significado do Sínodo, que era a análise de sua realidade, seus problemas e priorizá-lo para chegar a um consenso na Assembléia do Vicariato". Trabalho que ajudou a elaborar o Instrumento de Trabalho, devolvido às comunidades, como ferramenta de reflexão e aprofundamento. A religiosa destaca a presença na Assembleia do Sínodo dos Bispos do Vicariato, o brasileiro dom Celmo Lazzaris e o catequista César Licuy, um indígena Kichwa, da comunidade Pachakutik, que afirma que "foi uma alegria porque tivemos um representante dos povos originários".

Agora é a hora de fazer realidade os novos caminhos que o Documento Final do Sínodo indica, aqueles sonhos que o Papa Francisco aponta na Querida Amazônia. Tudo isso junto aos povos amazônicos, a razão de ser das missionárias lauritas, como a irmã Yolanda Bimos nos mostra muito bem com seu testemunho.

 

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