Não há condições éticas de Temer seguir no cargo, diz secretário-geral da CNBB

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25 Mai 2017


Secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Ulrich Steiner avalia não ver condições éticas para a permanência do presidente Michel Temer no cargo após a revelação de detalhes de seu encontro com o empresário Joesley Batista, do grupo JBS, em março.

Mas ele também acredita que o país não superaria o atual "momento de tensão" com uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devido à "resistência de uma parcela da sociedade à pessoa dele, dadas as contínuas notícias de que estaria implicado na Lava Jato".

A entrevista é de João Fellet, publicada por BBC Brasil, 24-05-2017.

Para Steiner, Temer deveria ter denunciado Batista quando, no encontro que os dois tiveram no Palácio do Jaburu, o empresário lhe disse que havia corrompido autoridades para ser favorecido em investigações sobre sua empresa.

No dia 18, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou a conversa, gravada por Joesley como parte de seu acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República. O presidente diz que o áudio foi editado e não tem validade jurídica.

"Se alguém vem e diz que está subornando juiz e o Ministério Público, não é possível que quem está à frente do Estado não se mexa", afirma Steiner, enfatizando se tratar de opinião pessoal sua, e não uma posição oficial da CNBB.

Mas Steiner diz que a nota emitida pela presidência da CNBB no dia 19 de maio, um dia após a divulgação da conversa de Joesley com Temer, com o título "Pela Ética na Política" (dizendo estar acompanhando "com espanto e indignação as graves denúncias de corrupção política acolhidas pelo STF"), foi uma resposta da entidade "para dizer que, para alguém que exerce um cargo público, a idoneidade é tudo".

Principal organização ligada à Igreja Católica no Brasil, a CNBB foi fundada em 1952 e desenvolveu uma forte atuação política. O grupo se tornou uma das principais vozes contrárias à ditadura militar (1964-1985), embora tivesse apoiado o golpe no início. Paralelamente, aproximou-se de movimentos de esquerda e teve influência na fundação do PT.

A CNBB tem mantido postura crítica ao governo Temer e se pronunciado contra algumas das principais propostas do presidente, como o projeto de reforma da Previdência.

Em entrevista à BBC Brasil na sede do órgão, na terça-feira, Steiner diz preferir a realização de eleições diretas numa eventual saída de Temer. Porém, se houver eleição indireta, afirma que a escolha deve ser debatida com a sociedade e não pode ser imposta pelo Congresso ou por grupos "ligados ao mercado", sob o risco de haver uma convulsão social.

Bispo auxiliar de Brasília, Steiner é secretário-geral da CNBB desde 2011, posto que assumiu após atuar na prelazia de São Félix, em Mato Grosso. Catarinense de Forquilha e franciscano da Ordem dos Frades Menores, foi ordenado padre pelo ex-arcebispo de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), seu primo.

Eis a entrevista.

Como o senhor recebeu a notícia sobre a delação da JBS envolvendo o presidente Michel Temer?

Quase atônito. Nós pensávamos que o pior já tivesse passado. Claro que, de alguém que está há tanto tempo na política e num partido que também vinha sendo acusado na Lava Jato, se podia esperar alguma coisa, mas não nesse montante. Por isso a presidência [da CNBB] tomou a iniciativa de emitir uma nota para dizer que, para alguém que exerce um cargo público, a idoneidade é tudo.

Não estávamos nos referindo apenas ao presidente da República, mas também ao deputado [Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR)] e ao senador [Aécio Neves (PSDB-MG)] envolvidos, e também a outros que agora começam a aparecer com mais nitidez. Talvez seja a continuidade de uma crise que estamos vendo já há um bom tempo no Brasil, que não é uma crise econômica-política, mas uma crise ética.

A coisa pública é tratada como vantagem pessoal, ou como vantagem do partido, de determinados grupos. O que espanta é que falem de bilhões como se fossem mil reais.

Qual o melhor desfecho para o impasse em relação à permanência do presidente no cargo?

A CNBB está discutindo essa questão internamente. Não temos ainda uma posição. Estamos nos encontrando com muitas pessoas e vendo qual seria a melhor saída. Várias pessoas têm sugerido eleições diretas para presidente e vice. A questão é: é necessário mexer na Constituição? Como a questão não foi regulamentada ainda, vê-se alguma possibilidade de haver eleições diretas para presidente e vice sem mexer na Constituição.

A outra saída em que se fala mais é do próprio Congresso eleger um novo presidente e um novo vice, no caso de renúncia ou de cassação do atual presidente. Mas penso que é sempre importante passar pelo voto, é sempre importante ouvir a sociedade.

O senhor não vislumbra a permanência de Temer no cargo?

Por aquilo que ele mesmo tem falado nas entrevistas, não vejo condições éticas de ele continuar. Não se trata apenas do áudio, trata-se de uma questão ética. Se alguém vem e diz que está subornando juiz e o Ministério Público, não é possível que quem está à frente do Estado não se mexa, não denuncie. Isso é gravíssimo.

Temer diz que não acreditava que o empresário Joesley Batista estivesse falando a verdade, que as afirmações eram uma "fanfarronice" dele.

Pode ser que sejam, mas mesmo assim ele tem de ser investigado. Não se pode ficar quieto. A ética está acima de qualquer outra coisa para o exercício do próprio mandato. Estou falando isso como uma opinião pessoal - a CNBB não discutiu internamente essas questões. Mas o próprio presidente, ao se defender, está dizendo que a situação ficou extremamente frágil para continuar a exercer o seu mandato.

É desejável que Temer renuncie?

Não tenho como dizer, porque isso é algo que depende da pessoa.

Há clima para o avanço das reformas que o governo vinha defendendo?

Penso que não. Como podem pessoas que estão tão envolvidas na Lava Jato decidir os destinos da população brasileira? Depois, há a necessidade de maior diálogo com a sociedade em relação, por exemplo, à [reforma da] legislação trabalhista. Sobre a terceirização, não houve diálogo. Sobre a reforma da Previdência, até agora não se mostraram os dados reais. Fala-se em deficit, mas como funciona a Previdência brasileira? É preciso debater muito mais.

Em todas essas questões, sempre se fala num ponto: que é preciso sinalizar ao mercado, que é preciso colocar a economia em ordem. Não se fala em pessoas, não se fala em Brasil. Isso é grave. É uma mentalidade de mercado.

É preciso que o Congresso, diante de uma crise dessas, comece a rever as próprias ações e atitudes para o bem do povo brasileiro, e não para o bem de um determinado grupo. Veja o que está sendo feito em relação à [diminuição das áreas protegidas na] Amazônia. Não é uma questão apenas sobre a preservação da natureza, mas uma questão ética em relação à casa comum, para usar uma expressão do Santo Padre.

Uma das principais saídas discutidas seria uma eleição indireta em que o ex-presidente FHC, o ministro Henrique Meirelles ou ex-ministro Nelson Jobim assumiriam a Presidência até próxima eleição. Como enxerga essas hipóteses?

Não citaria nomes, mas, se houver uma eleição indireta, é preciso um debate para chegar num consenso de um nome que não esteja ligado a falcatruas, que não esteja ligado a essa questão toda da Lava Jato, que tenha dignidade do cargo e também consiga dialogar e levar o país adiante.

Um partido não vai poder impor um nome, o Congresso Nacional não vai poder impor um nome à sociedade, um pequeno grupo que esteja interessado no mercado não pode impor ao Brasil um presidente. Senão corremos o risco de ter uma convulsão social.

Na oposição ao governo, há uma aglutinação em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a expectativa de que ele volte à Presidência numa eventual eleição direta. Como o senhor vê essa movimentação?

Quanto ao Lula ser candidato, ele tem esse direito, assim como tem o Fernando Henrique (Cardoso), o (Geraldo) Alckmin, o (Jair) Bolsonaro e outros que estão se propondo a ser candidatos. A dificuldade pessoal que eu vejo é a resistência de uma parcela da sociedade à pessoa dele, dadas as contínuas notícias de que estaria implicado na Lava Jato. E nós não superaríamos esse momento de tanta tensão no Brasil.

Existe uma tensão muito grande, e essa tensão talvez poderia até crescer [se Lula for eleito]. Precisaria haver gestos muito significativos dele para ajudar numa reconciliação da sociedade brasileira.

Do ponto de vista ético, Lula teria condições de assumir esse papel?

Ele precisaria primeiro mostrar para a Justiça a inocência.

Como o senhor avalia a Operação Lava Jato?

Ela tem sido muito importante para o Brasil. Ela tem mostrado onde estamos, esse envolvimento das empresas na política, esse beneficiamento mútuo, um Congresso eleito pelo poder das empresas. Creio que a sociedade brasileira está tomando consciência de que isso não pode continuar assim.

Mas também a Lava Jato veio demonstrar algumas incoerências. Por que esse alarde no momento de prender pessoas? Quando vão prender, os jornalistas já estão lá. O Ministério Público não precisa disso pra exercer seu trabalho. E a Lava Jato não tomou cuidado em relação às nossas empresas. As nossas empresas envolvidas estão numa situação muito difícil, ao passo que as pessoas envolvidas estão livres e soltas. Então existem algumas dificuldades que precisariam ser discutidas para que a Lava Jato realmente ajudasse, como alguns querem, numa expressão que não é muito feliz, a passar o Brasil a limpo.

Como o senhor vê o crescimento de figuras que tentam se projetar como alheias à política tradicional, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ)?

Com uma dificuldade muito grande. Você certamente acompanhou as eleições nos EUA e deve estar acompanhando o momento crítico que vive o país. Normalmente os salvadores da pátria não dão certo. Diante do descrédito da política e dos políticos, existe essa tentação de buscar alguém de fora da política para salvar a pátria. Não é o melhor caminho.

Há cada vez mais a necessidade de esclarecer às pessoas a importância da política, mas também a importância de termos no meio político pessoas que tenham condições de governar o país. Normalmente os salvadores da pátria têm um espiritozinho um pouco ditatorial.

Tem se falado no prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), e até no apresentador Luciano Huck como figuras que poderiam tentar voos mais altos na política, promover alguma renovação. Que acha dos dois?

Não os conheço. Não sei se seriam a solução. Deseja-se que a velha política desapareça, isso é verdade, a gente sente. Mas creio que encontraremos políticos, que possam exercer seu mandato com dignidade e integridade.

Recentemente o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à CNBB, foi alvo da CPI da Funai, que investigou processos de demarcações de terras indígenas. Deputados ruralistas acusaram o Cimi de estimular "demarcações fraudulentas". Como o senhor encarou o processo?

A instalação dessa CPI tinha apenas o interesse de encostar na parede diversas entidades que assumiram a causa indígena. Não havia nenhum interesse nessa CPI de realmente defender os povos indígenas. Por que, ao apresentar o relatório, eles não incriminaram nenhum grande fazendeiro?

O Cimi tem feito um trabalho extraordinário. Vivi numa região do Mato Grosso onde tínhamos vários povos indígenas e um trabalho muito importante na área educacional, de saúde, no resgate das tradições, dos rituais. Quando um povo se sente inteiro na sua identidade, ele começa a exigir mais. Ele também cria autoconsciência de que precisa de espaço para viver. A terra para eles não é uma propriedade, a terra é uma casa. E isso incomoda muita gente.

Acho que no futuro [os deputados da CPI] vão se envergonhar do que fizeram, porque não se faz com irmãos o que eles estão fazendo com os índios. E eles não estão por dentro da questão indígena, estão somente interessados na questão das terras. É preciso dizer isso.

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