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06 Outubro 2016

“Essas conquistas da humanidade são pisoteadas por quem deveria defendê-las. O Estado se transforma num aparato administrativo desgovernado e despótico, numa caricatura de si mesmo, num butim a ser dilapidado por ocupantes eventuais”, escreve Luiz Gonzaga Belluzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 06-10-2016.

Eis o artigo

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 17 de dezembro de 1948)

Em 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos vai completar 70 anos. A quase septuagenária insiste em sobreviver em um mundo estilhaçado pela reemergência das mesmas forças que levaram as sociedades às desgraças dos anos 20 e 30 do século passado. Os mais velhos sabem que aqueles tempos testemunharam o massacre humano generalizado e a tragédia do Holocausto.

A trágica experiência do inumano não deixou outro caminho aos sobreviventes senão o da reafirmação e atualização da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada em 1789. Os princípios exarados nas declarações estão em franco declínio, a despeito da retórica democrática, como bem observou o filósofo Luciano Cânfora.

Selecionei para uma exposição livre os artigos XI, XII, XIX, XXV, XXVI da Declaração de 1948. Lá vai: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Ninguém poderá ser inculpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

É considerada intolerável a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, (e atenção!) nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. 

O cidadão (note o leitor, o cidadão) tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de ter, sem interferência, opiniões e de procurar, receber e transmitir informações por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Todos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistências especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. A instrução é um direito e de todos e ela será gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais”.

Termino com o artigo XVII, especialmente dedicado a Hillary Clinton e Donald Trump: “Toda a pessoa terá direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.”

Transcorridos quase 70 anos da promulgação desse cardápio de boas intenções, a sociedade de massas contemporânea ressuscita o menosprezo às formalidades da lei. Exige uma solução mais rápida e drástica para a realização da Justiça, ainda que à custa de tropelias ilegais.

Vou me valer de um texto de Paul Veyne sobre Michel Foucault, um dos estudiosos das formas históricas assumidas pelas instituições encarregadas de vigiar e punir. As metamorfoses do direito penal ao longo da história, diz Michel Foucault, revelam que não é suficiente dizer que sob o Antigo Regime as punições atrozes refletiam a “rudeza dos costumes”.

Nos suplícios terríveis dessa época, a soberania real se abatia com toda a sua força sobre o indivíduo rebelde. As cerimônias cruéis tinham o propósito de mostrar a todos a desproporção de forças entre o rebelde e o rei.

Agora, as cerimônias cruéis são exibidas no palco das promiscuidades entre as autoridades e a mídia. As garantias da publicidade do procedimento legal são, na verdade, uma defesa do cidadão acusado – e ainda inocente – contra os arcanos do poder.

Essas conquistas da humanidade são pisoteadas por quem deveria defendê-las. O Estado se transforma num aparato administrativo desgovernado e despótico, numa caricatura de si mesmo, num butim a ser dilapidado por ocupantes eventuais.

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