“O mundo precisa fazer a transição energética para que haja um futuro viável”. Entrevista especial com Roberto Kishinami

A crise hidrológica que afeta o setor elétrico não é um fato isolado. "É parte dos impactos da mudança global do clima, reforçada por fatores locais como o desmatamento em larga escala da Amazônia e em escala local, de matas ciliares", afirma o físico e coordenador do Instituto Clima e Sociedade

Foto: Chico Batata - Amazônia Real

Por: Patricia Fachin | 20 Julho 2021

 

A crise hidrológica, que afeta algumas regiões do Brasil e suscita novas discussões sobre a matriz energética brasileira, “confirma e, em certos aspectos, antecipa cenários climáticos globais elaborados por centenas de instituições especializadas” sobre “a redução das precipitações nas microrregiões onde estão os formadores das grandes bacias hidrográficas do Sudeste e do Sul do Brasil”, diz Roberto Kishinami.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, ele explica a importância de reduzir o desmatamento na Amazônia para enfrentar tanto os efeitos da crise hidrológica quanto os da mudança climática, gerados pela emissão de gás carbônico em função do desmatamento, e destaca a centralidade da transição energética para viabilizar o futuro. “A transição energética pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, por um conjunto de políticas públicas que aproveite os melhores recursos naturais de cada região e adote mecanismos distributivos ou, ao menos, não regressivos, na distribuição dos custos do sistema elétrico entre os consumidores”, reitera. Para o Brasil, assegura, “a melhor matriz do futuro combina preços baixos com emissão líquida nula de gases de efeito estufa. Isso é possível, de um lado, pela capacidade de armazenamento de água nos reservatórios existentes. De outro, o barateamento da eólica e da solar fotovoltaica faz com que elas sejam as ideais para a expansão do sistema elétrico”.

 

Roberto Isao Kishinami (Foto: Instituto Clima e Sociedade)

Roberto Isao Kishinami é mestre em Física pela Universidade de São Paulo - USP, especializado nos últimos quinze anos em Energia e Mudanças Climáticas. É membro do conselho internacional da Action Aid e foi diretor do Greenpeace no Brasil de 1994 a 2001. Atualmente é coordenador de Portfólio de Energia Elétrica do Instituto Clima e Sociedade.

 

Confira a entrevista.

 

IHU - Quais são as razões da crise hidrológica no Brasil?

Roberto Kishinami - A atual crise hidrológica nas regiões Sudeste e Centro-Oeste é parte de uma escassez hídrica observada pela última década no Brasil. Temos vivido crises hidrológicas que “mudam de lugar”. Basta lembrar que há pouco a Bacia do Rio São Francisco estava em nível crítico e que o Pantanal teve no ano passado um período seco severo com incêndios descontrolados, que pode se repetir este ano. Como toda crise, esse é o resultado de vários fatores concorrentes. Em primeiro lugar, essa escassez confirma e, em certos aspectos, antecipa cenários climáticos globais elaborados por centenas de instituições especializadas, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe, no Brasil, o Met Office, no Reino Unido, e a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional - NOAA, nos Estados Unidos.

Em todos esses cenários, um resultado comum é a redução das precipitações nas microrregiões onde estão os formadores das grandes bacias hidrográficas do Sudeste e Sul do Brasil. Na região do semiárido as previsões são piores, com risco de desertificação na sua porção nordeste. Esse quadro, identificado em cenários com aumentos da temperatura média na superfície do planeta acima de 2ºC, já se manifesta com o atual aumento da temperatura média de 1,2ºC.

A mudança global do clima é, portanto, uma realidade já presente que se manifesta por longos períodos de chuvas escassas, curtos períodos de chuvas torrenciais, ondas de calor, invernos rigorosos e outros fenômenos atmosféricos extremos. Além desse fator global, movido pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que não para de crescer, há fatores regionais a considerar.

 

 

IHU - Que correlações há entre o desmatamento da Amazônia e a crise hidrológica?

Roberto Kishinami - O desmatamento da Amazônia tem dois efeitos. O primeiro é a emissão de gases de efeito estufa, de quase 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente ao ano nas taxas atuais de destruição da cobertura florestal. É uma contribuição significativa ao aquecimento e à mudança do clima global.

O segundo efeito é o enfraquecimento do transporte atmosférico de água do Oceano Atlântico, por chuvas e evapotranspiração, desde a bacia amazônica às regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, o fenômeno conhecido por rios voadores. A redução da cobertura florestal diminui esse transporte de água da zona subequatorial para a zona temperada. O resultado são estações chuvosas mais intensas ao Norte e menor volume de chuvas na porção Sul. Como o desmatamento continua e não para de crescer, o futuro previsível é bastante preocupante.

Na atual crise hidrológica há, ainda, a ocorrência de uma La Niña mais fraca, a ponto de meteorologistas classificarem a atual como uma “La Niña Fake”. Normalmente, esse fenômeno é desencadeado por um esfriamento das águas superficiais do Oceano Pacífico nas latitudes entre Chile e Peru, com chuvas no Sudeste e porção sul do Nordeste por águas trazidas do Oceano Atlântico.

Todos esses processos de interação atmosfera–oceanos–florestas, em que a chuva é a manifestação mais visível, estão sendo afetados pelo aquecimento global e mudança global do clima. A periodicidade e a intensidade dos eventos anuais estão mudando, trazendo impactos significativos para as atividades humanas, da agricultura à produção de energia, passando por moradia e mobilidade.

 

 

IHU - Como a crise hidrológica impacta os reservatórios das hidrelétricas e, consequentemente, o setor elétrico?

Roberto Kishinami - A exposição anterior de fatos mostra que a crise hidrológica não é um fato isolado. É parte dos impactos da mudança global do clima, reforçada por fatores locais como o desmatamento em larga escala da Amazônia e em escala local, de matas ciliares, que elimina as nascentes e assoreia rios. A crise é percebida no momento da escassez de água, mas ela está presente muito antes para o setor elétrico.

O problema começa com a perda de previsibilidade. Para um sistema elétrico com forte presença de hidrelétricas como o nosso, em que quase dois terços da eletricidade consumida têm origem hidráulica, o planejamento da operação do sistema elétrico depende da previsão de quanta água estará armazenada nos reservatórios nos próximos três a cinco anos. É a energia controlável, ou despachável no jargão do setor, que é a mais barata.

Eletricidade é o insumo da vida contemporânea. Nenhuma atividade econômica pode prescindir dela e tem de estar disponível a preços módicos. A mudança do clima global exige que repensemos a matriz de geração, conferindo um novo papel para as hidrelétricas com reservatório. Esse é o principal impacto da incerteza hídrica, um resultado da mudança global do clima.

 

 

IHU - Qual é o peso dos estudos sobre as mudanças climáticas nas análises do setor energético brasileiro hoje? Eles são considerados? Sim, não e por quê?

Roberto Kishinami - A mudança global do clima ainda não foi avaliada devidamente no Brasil, não só pelos impactos no setor energético, mas sobre toda a economia. A geração de energia tem alternativas sustentáveis e baratas, desde que equacionadas corretamente. Mas é preciso ver como aumentar a segurança alimentar, o abastecimento de água nas cidades, o funcionamento de indústrias altamente dependentes de água como insumo, o desenvolvimento de novas atividades cuja disponibilidade de água é essencial.

Para além da água, é preciso identificar os impactos de outros aspectos da mudança global do clima, como a elevação do nível do mar – em milímetros por ano –, o aumento da frequência e intensidade de eventos atmosféricos extremos como tempestades, ondas de calor e frio, ciclones e outros. O setor energético está só acordando para esses impactos, e a verdade é que toda economia e, portanto, toda sociedade vai ter que se preparar para essas mudanças que, repito, já estão presentes.

Mais importante, é levar a sério a necessidade de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. O desmatamento da Amazônia é a principal fonte de emissão no Brasil. Mas o setor de combustíveis e eletricidade é também significativo. Somam da ordem de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente no Brasil, hoje. E estão subindo. Aqui vale a máxima de enfrentamento de crises: “quando estiver preso num buraco, não cave”.

 

IHU - Levando em conta as mudanças climáticas, em que tipo de matriz energética o Brasil deveria investir a médio e longo prazo?

Roberto Kishinami - O Brasil tem fontes naturais em abundância, e isso tem confundido os tomadores de decisão, tanto nos governos como no setor privado. A melhor matriz do futuro combina preços baixos com emissão líquida nula de gases de efeito estufa. Isso é possível, de um lado, pela capacidade de armazenamento de água nos reservatórios existentes. De outro, o barateamento da eólica e da solar fotovoltaica faz com que elas sejam as ideais para a expansão do sistema elétrico.

Ao contrário do que se propaga, não é necessário acrescentar térmicas fósseis, como carvão e gás natural, para que o sistema elétrico tenha a flexibilidade necessária para atender a demanda dos consumidores. As melhores fornecedoras de potência ao sistema elétrico, para compensar a variabilidade das usinas eólicas e solares, são as hidrelétricas com reservatório. É a solução mais segura e barata. Eólicas e solares entregam energia em torno de US$ 20/MWh, enquanto as hidrelétricas estão na faixa de US$ 35/MWh a US$ 50/MWh, dependendo de porte e regularidade da vazão. As térmicas fósseis, somando seus custos fixos e variáveis, entregam energia acima de US$ 60/MWh. Isso, sem incluir uma eventual taxa pela emissão dos gases de efeito estufa e um preço minimamente razoável pela água que consomem para resfriamento.

 

 

Matriz energética do futuro

A matriz energética nacional, em 2030, deveria ter usinas eólicas, solares fotovoltaicas, de biomassa e hidrelétricas sem reservatório, todas complementadas por hidrelétricas com reservatório. Para isso, o modo de operação dos reservatórios terá de ser modificado. Ao invés de fornecedoras de energia, deverão ser contratadas para fornecimento de potência. Isso é possível porque temos uma capacidade de armazenamento em reservatórios, já construída, de 230 milhões de MWh. A demanda total de eletricidade, incluídas as perdas, soma 600 milhões de MWh (2019).

Essa é uma visão em escala nacional. Se olharmos os detalhes desse sistema, em escala de distribuidoras de energia, algumas unidades térmicas de pequeno porte podem ser necessárias. Essas térmicas são usadas em todo mundo para atender picos de demanda e, normalmente, funcionam com gás natural em turbinas de ciclo aberto, como as de avião a jato, e podem ser acionadas e desligadas rapidamente.

A existência e a operação dessas térmicas, locais e de pequeno porte, são definidas no que é chamado desenho de mercado de energia elétrica. Esse desenho precisa ser refeito agora, porque o modelo existente é uma colcha de retalhos que vem sendo costurada desde 1996, com a privatização parcial do setor promovida no governo FHC. Desde então, a legislação e regulação do setor vem recebendo “remendos” e, hoje, já não é funcional. É fácil perceber isso porque a energia gerada pode ser muito barata – os US$ 20/MWh de eólicas e solares –, mas o preço ao consumidor é dos mais altos do mundo e vai chegar aos US$ 200/MWh ao final deste ano.

 

 

IHU - O senhor já declarou que "o que nos falta é uma visão integradora da energia dentro da sociedade". Como pensa essa integração em todo o território nacional, com suas particularidades climáticas e ambientais, e as mudanças climáticas em curso?

Roberto Kishinami - Começando pelo final. A mudança do clima é uma realidade presente e temos de lidar com ela em duas frentes: reduzir as emissões de gases de efeito estufa, incluindo as do setor energético, e adaptar toda infraestrutura e economia para os seus impactos.

Uma visão integrada da energia na sociedade tem de enxergar, primeiro, os custos totais da energia para a sociedade. As térmicas fósseis, por exemplo, além da poluição global pelos gases de efeito estufa, impactam fortemente a população local com poluentes atmosféricos e efluentes sólidos e líquidos. Além disso, elas consomem água para resfriamento, um insumo cada vez mais escasso e, portanto, valioso. Nenhum desses custos é devidamente cobrado das térmicas fósseis. São, ainda, externalidades pagas pela sociedade.

Mas nenhuma fonte é isenta de impactos. Mesmo as fontes renováveis, baratas e que não poluem, ocupam áreas originalmente destinadas à proteção ambiental, territórios de populações tradicionais e indígenas, ou mesmo agricultura, turismo, lazer. Mesmo a alteração da paisagem tem de ser considerada.

 

 

Transição energética

O mundo vive hoje uma transição energética, que é identificada em quatro Ds: descarbonização, descentralização, digitalização e democratização. Outros Ds podem ser acrescentados, mas por ora basta ver que o Brasil tem vantagens com relação ao resto do mundo por contar com fontes renováveis em abundância. Para tirar proveito disso precisamos ter em mente as principais necessidades e demandas da população, a começar por eliminar a enorme desigualdade social que temos aprofundado pelo último século.

A transição energética pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, por um conjunto de políticas públicas que aproveite os melhores recursos naturais de cada região e adote mecanismos distributivos ou, ao menos, não regressivos, na distribuição dos custos do sistema elétrico entre os consumidores.

 

 

IHU - Algumas instituições, mas também consumidores residenciais, estão apostando na instalação de sistemas de energia solar fotovoltaica. Quais são as vantagens e desvantagens desse sistema?

Roberto Kishinami - A energia solar fotovoltaica é um bom exemplo de como as políticas no setor elétrico poderiam ser melhores. O barateamento dos sistemas fotovoltaicos, por um lado, e a subida das contas no consumo final, por outro, vão acelerar a adoção desses sistemas distribuídos pelos consumidores. É um efeito positivo, para todos, se vier acompanhado de uma mudança no papel das distribuidoras de energia.

 

Problemas do setor

Qual é o problema que tem de ser resolvido? A autogeração distribuída é tratada por um sistema de compensação: a distribuidora mede o consumo total e a energia autogerada. Desconta a autogeração do consumo total e cobra pelo saldo. Parece um sistema simples, mas não é. Durante o dia, a energia autogerada que não é consumida é injetada na rede da distribuidora e, à noite, quando não há autogeração, o consumidor usa energia exclusivamente da rede.

Do ponto de vista da distribuidora há dois serviços prestados: receber energia e fornecer energia. Ambas provocam custos, mas no sistema atual a distribuidora é remunerada apenas pela energia líquida que fornece a consumidores autogeradores. Ocorre que a distribuidora não fica com nenhum prejuízo. Os custos que não são pagos pelos autogeradores são cobrados na tarifa de todos os consumidores. Ou seja, os que não podem instalar sistemas fotovoltaicos, porque o seu custo está “acima de suas posses”, pagam pelos que são mais ricos e que podem instalar sistemas fotovoltaicos em suas residências. É um bom exemplo de política tarifária regressiva, que transfere renda dos mais pobres para os mais ricos. Obviamente algo injusto.

 

 

Mudanças no setor

Mas o que tem de ser mudado? A mudança começaria com a redefinição das empresas distribuidoras: separando as funções de fornecimento de infraestrutura e de comercialização de energia. Hoje, as distribuidoras monopolizam o fornecimento de energia porque têm o monopólio sobre fios e postes. Mas são dois negócios distintos e, com a disponibilidade de tecnologias distribuídas, há uma separação entre a manutenção da infraestrutura e o comércio de eletricidade. A primeira é um monopólio natural e a segunda um negócio competitivo, que pode ter um mercado bastante dinâmico, com produtores e vendedores de energia em todas as escalas, inclusive residenciais e, no futuro, pelas baterias dos veículos elétricos.

A partir dessa separação dos serviços em empresas distintas, ficará mais transparente o que são os custos da infraestrutura e quais os preços da energia, que a rigor tem um valor distinto ao longo das horas do dia.

 

 

IHU - Hoje, fala-se muito em transição energética e num novo Green New Deal. Como o senhor vê esse debate? É urgente fazer uma transição energética? Sim, não, por que e para qual modelo?

Roberto Kishinami - No fundo, são diferentes maneiras de falar do mesmo problema. O mundo precisa fazer a transição energética para que haja um futuro viável. Os sistemas energéticos atuais são emissores de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, é preciso que essa transição, desde hoje, elimine subsídios e transferências de renda regressivas, como a apontada anteriormente.

Do ponto de vista da ciência, essa transição está atrasada. Se com o aquecimento médio de 1,2ºC já se manifestam eventos extremos altamente destrutivos – como os incêndios florestais mundo afora, ondas de calor e de frio, degelo da Antártica e glaciares, secas prolongadas etc. –, a vida humana será inviável em várias partes do planeta com os mais de 3ºC previstos, caso os 20 países mais ricos cumprirem suas promessas feitas até agora. O Acordo de Paris busca um aumento abaixo de 2ºC, preferencialmente 1,5ºC, mas estamos longe disso.

O passo fundamental é dar transparência aos custos totais associados às diferentes fontes de energia. O Instituto Escolhas mostrou recentemente que as termelétricas a gás natural liquefeito são economicamente inviáveis para uma taxa de carbono relativamente modesta (US$ 25/tCO2e). Os custos do carbono, da água cada vez mais escassa, da poluição atmosférica local, da contaminação do solo e do lençol freático, da perda de áreas e de biodiversidade, do deslocamento forçado de populações tradicionais e indígenas e outros impactos têm de ser precificados e atribuídos a cada uma das fontes de energia. Só assim será possível à sociedade tomar as decisões minimamente informadas. Afinal, o que se está decidindo é a possibilidade e a viabilidade de um futuro para nós e para as futuras gerações. Não é pouca responsabilidade, e é preciso ciência, tolerância e compromisso com a justiça e com os direitos intergeracionais.

 

 

IHU - O que significa falar em "transição energética justa e igualitária"? Como o senhor pensa essa questão no caso brasileiro?

Roberto Kishinami - Esses adjetivos são o cerne da transição energética que o Brasil, em particular, tem de realizar. O lado mais visível é o cuidado com os trabalhadores, trabalhadoras e comunidades envolvidas na indústria de combustíveis fósseis. As energias renováveis são o futuro e, até agora, têm crescido dentro de padrões melhores no que concerne a remunerações e benefícios.

No Sul do Brasil, por exemplo, temos pessoas e comunidades dependentes da extração do carvão e sua queima em termelétricas. É uma atividade que vai se extinguir e, no meu entender, quanto antes se decidir por encerrar, melhor para todas as pessoas envolvidas. Prolongar a duração dessa atividade, que só é viável com subsídios da ordem de R$ 1 bilhão por ano, pago por todos os consumidores de eletricidade do país, não é a melhor solução. Esticar o subsídio só favorece algumas empresas que vão usar seus equipamentos até sucateá-los e, ao final, restarão impactos ambientais e sociais que terão de ser arcados pela sociedade.

 

 

IHU - Que peso a transição energética poderá ter no desenvolvimento dos países, especialmente aqueles mais pobres?

Roberto Kishinami - A transição energética é parte do New Green Deal. Qual a tradução disso para nós? O Brasil é ao mesmo tempo um país muito rico e um país muito pobre. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (POF e Pnad), o topo da pirâmide social de 1% da população concentra 50% da renda nacional. Para piorar, é preciso lembrar que temos 15 milhões de pessoas que perderam seu emprego com carteira, além de mais de 20 milhões que mantêm ocupações informais. Aqui, a maior concentração de renda nas 20 maiores economias do mundo convive com um contingente crescente de pessoas sem trabalho. O que fazer?

Enxergar essa disparidade como uma oportunidade. Transferir renda do topo da pirâmide para a base é a maneira mais rápida e eficaz de dinamizar a economia. Isso já foi comprovado no primeiro governo Lula. Mas isso seria só o começo. A transição energética fornece as melhores oportunidades para gerar renda e prosperidade. Para isso, o país terá de investir pesadamente em educação e qualificação.

Ao lado dos recursos naturais abundantes, a população brasileira tem o dinamismo necessário para a construção de um futuro melhor. Para que isso se concretize, os investimentos públicos e privados deverão estar direcionados para os setores e atividades que estão nesse futuro. Todos os déficits sociais que o Brasil tem são oportunidades. Isso vai do saneamento, habitação, digitalização à construção de novos negócios baseados em biodiversidade. O papel do Estado brasileiro em suas três esferas – federal, estadual e municipal – tem de ser reforçado em seu papel de regulação e planejamento. Além disso, a pesquisa e desenvolvimento é função pública que deve ser restaurada. Não só com investimentos públicos, mas com o comedido incentivo ao capital privado para P&D em áreas que sejam de interesse para uma economia de baixo carbono.

 

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