A Abordagem Econômica da Complexidade e seus caminhos para uma política industrial do século XXI. Entrevista especial com Felipe Augusto Machado

Para o pesquisador, essa abordagem repensa a política industrial brasileira, superando a dicotomia entre agricultura vs. indústria e ainda leva em conta questões ambientais de nosso tempo

Foto: Ricardo Almeida | Fotos Públicas

Por: João Vitor Santos | 09 Junho 2021

 

De uma crise pandêmica, que deixa a economia combalida e traz para bem perto o fantasma da fome para muitos brasileiros, a economia nacional parece ter tido um curto respiro com seu PIB de 1,2%. Porém o risco que se corre é que esse suspiro seja apenas motivado pelas commodities agrícolas ofertadas no mercado externo. Ou seja, mesmo que se gere um certo crescimento, a indústria nacional segue com espaço para competitividade e, mais uma vez, o Brasil se resigna a ‘celeiro do mundo’. Mas existem formas de romper com essas lógicas. Felipe Augusto Machado tem se dedicado a estudar a Abordagem Econômica da Complexidade, uma saída possível para conceber uma outra política industrial. “A grande vantagem da abordagem da complexidade, além de trazer mais evidências empíricas, é permitir superar a dicotomia ‘agricultura vs. indústria’ que caracterizava a discussão teórica de décadas atrás”, reitera.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Machado detalha essa abordagem. “Países que são capazes de produzir competitivamente muitos bens (diversificados), e cujos bens sejam também produzidos competitivamente por um número pequeno de países (não ubíquos), são considerados complexos”, explica. E uma mesma lógica serve para pensarmos acerca dos bens. “Equipamentos para a produção de microchips, por exemplo, são produzidos competitivamente por poucos países diversificados. Por outro lado, peixes congelados são produzidos competitivamente por muitos países, em geral menos diversificados. Enquanto equipamentos para a produção de microchips são considerados complexos, peixes congelados não são”, acrescenta.

 

Por isso, ele defende que “a premissa básica da complexidade econômica é a existência de conhecimento produtivo disseminado na sociedade”. “É por isso que diversificação importa. Quanto mais produtos um país é capaz de produzir, mais disseminados são os conhecimentos produtivos. Nesse aspecto, não estamos bem. Vários indicadores vêm mostrando regressão da diversidade da nossa estrutura produtiva nas últimas décadas”, avalia.

 

Para mergulhar na sua perspectiva, Machado retoma a ideia de nacional-desenvolvimentismo. Para ele, período que, por mais controverso que tenha sido, transformou o Brasil. “Para ficarmos apenas nos indicadores de complexidade, o Brasil exportava de forma competitiva mais de 250 produtos no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Desde o início dos anos 2010 esse indicador tem ficado frequentemente abaixo de 200. Tal indicador, portanto, sinaliza perda de conhecimento produtivo no Brasil, o que se reflete no índice de complexidade”, aponta.

 

Ele reconhece que nos anos 2000 houve ensaios para reeditar essa perspectiva, com o aporte estatal para investimentos na indústria nacional. O problema é que a política industrial bem-intencionada acabou sendo desvirtuada no percurso de sua implementação. “Analisando as políticas industriais implementadas de 2004 a 2014 sob a ótica da complexidade, concluí que apenas uma parte muito pouco significativa dos desembolsos aprovados pelo BNDES naquele período esteve voltada para atividades econômicas que contribuiriam para aumentar a complexidade econômica do Brasil. Na maior parte dos casos foram contempladas atividades em que o Brasil já era bastante competitivo ou em que o Brasil não era competitivo mas que estavam próximas da estrutura produtiva brasileira da época, apresentando baixa complexidade, como o refino de petróleo”, diz.

 

Por fim, Machado ainda observa que nessa Abordagem da Complexidade “evidências têm mostrado que tornar um país mais complexo quase que automaticamente reduz a degradação ambiental”. Assim, não se está apenas pensando em soluções de política econômica ou industrial, mas sim se está pensando nessas saídas alinhadas com as emergências ambientais de nosso tempo. “Isso se deve à sua versatilidade, já que os conceitos e instrumentos da abordagem podem ser utilizados para estudar uma série de temas”, conclui.

 

Felipe Machado (Foto: Reprodução | Linkedim)

Felipe Augusto Machado é internacionalista, especialista em planejamento e estratégias de desenvolvimento, mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento e pertence à carreira de especialistas em políticas públicas e gestão governamental.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Em que consiste uma política industrial voltada para a complexidade, tema de seus estudos?

Felipe Augusto Machado – A abordagem da complexidade econômica é um conjunto de conceitos e instrumentos que vêm reforçando o que teóricos clássicos do desenvolvimento já afirmavam há décadas: que setores produtivos contribuem de forma diferenciada para o desenvolvimento. É a confirmação empírica de que “não dá na mesma o país produzir chips de batatas ou chips de computador”.

Isso porque determinados setores, atividades e produtos possuem características mais favoráveis ao desenvolvimento, como economias de escala estáticas e dinâmicas (learning by doing e transbordamentos tecnológicos, por exemplo), mais encadeamentos com outros setores, barreiras à entrada (como a necessidade de elevado capital inicial, a importância de marcas e patentes e as longas curvas de aprendizado) e alta intensidade de pesquisa e desenvolvimento e de inovação. Tais características, que são típicas de setores com estrutura de mercado concentrada, permitem às empresas e países dominantes absorver o excedente econômico para continuar acelerando o progresso tecnológico e sustentar e disseminar melhores salários.

Tudo isso está na raiz da ideia de política industrial, que, basicamente, são intervenções seletivas em tecnologias, setores ou produtos considerados mais capazes de levar um país ao desenvolvimento. A grande vantagem da abordagem da complexidade, além de trazer mais evidências empíricas, é permitir superar a dicotomia “agricultura vs. indústria” que caracterizava a discussão teórica de décadas atrás. Informações relevantes ao desenvolvimento econômico agora podem ser obtidas para milhares de produtos diferentes.

 

 

Origens da abordagem da complexidade

Como isso foi feito? De uma maneira bastante engenhosa. Os pais fundadores da abordagem utilizaram dados de comércio internacional, que é uma base bastante longa e padronizada (há décadas países precisam classificar seus produtos de maneira semelhante), para calcular índices de complexidade para cada país ou produto. A complexidade de cada um, por sua vez, é definida por apenas dois conceitos: diversidade e ubiquidade.

A premissa aqui é a dificuldade de se conseguir produzir determinados bens, ou, dito de outra forma, a intensidade de conhecimento produtivo que eles exigem para serem produzidos. Países que são capazes de produzir competitivamente muitos bens (diversificados), e cujos bens sejam também produzidos competitivamente por um número pequeno de países (não ubíquos), são considerados complexos. A mesma lógica se aplica aos bens. Equipamentos para a produção de microchips, por exemplo, são produzidos competitivamente por poucos países diversificados. Por outro lado, peixes congelados são produzidos competitivamente por muitos países, em geral menos diversificados. Enquanto equipamentos para a produção de microchips são considerados complexos, peixes congelados não são.

Os cálculos comprovam que países ricos tendem a ser mais complexos do que países pobres, e que bens industriais tendem a ser mais complexos do que bens agropecuários e minerais, com significativa heterogeneidade, especialmente entre os bens industriais. Mais importante ainda, vários estudos (What You Exported Matters: Persistence in Productive Capabilities across Two Eras of Globalization) têm demonstrado forte associação entre o índice de complexidade econômica e o nível e a variação da renda per capita dos países. A associação, inclusive, tem superado a de outros indicadores normalmente utilizados para medir desenvolvimento, como os de educação, de competitividade e de instituições.

 

 

IHU On-Line – Como o senhor analisa a diversificação da estrutura produtiva brasileira? Quais os desafios para a implantação de uma política industrial que leve em conta, efetivamente, essa diversificação?

Felipe Augusto Machado – A premissa básica da complexidade econômica é a existência de conhecimento produtivo disseminado na sociedade. É por isso que diversificação importa. Quanto mais produtos um país é capaz de produzir, mais disseminados são os conhecimentos produtivos. Nesse aspecto, não estamos bem. Vários indicadores vêm mostrando regressão da diversidade da nossa estrutura produtiva nas últimas décadas.

Para ficarmos apenas nos indicadores de complexidade, o Brasil exportava de forma competitiva mais de 250 produtos no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Desde o início dos anos 2010 esse indicador tem ficado frequentemente abaixo de 200. Tal indicador, portanto, sinaliza perda de conhecimento produtivo no Brasil, o que se reflete no índice de complexidade. No ranking das nações, éramos a 25ª economia mais complexa em 1995. Agora somos apenas a 50ª.

Nesse cenário, torna-se ainda mais necessário pensar em políticas de desenvolvimento produtivo. E talvez aqui resida a maior utilidade da abordagem da complexidade econômica. Um dos conceitos desenvolvidos pela abordagem se refere à distância entre os produtos. É uma espécie de medida de proximidade entre os conhecimentos produtivos exigidos para dominar a produção de um bem e de outro. A distância, nesse contexto, é calculada pela probabilidade de que um país qualquer exporte competitivamente um produto A e também um produto B. Por exemplo, os dados mostram que é relativamente alta a probabilidade de que um país que exporte vinho competitivamente também exporte uva competitivamente. Ou seja, para a abordagem, os conhecimentos exigidos para produzir uva e vinho são relativamente similares.

 

 

Produtos cada vez mais distantes

Nesse contexto, a abordagem mostra que a queda da diversidade e da complexidade econômica do Brasil tem deixado os produtos que o país não domina cada vez mais distantes. E o que é mais grave: os produtos complexos, essenciais para o desenvolvimento econômico, têm ficado ainda mais distantes. E, quanto mais distantes estiverem, maior será o esforço necessário para desenvolvê-los. Essa situação parece nos impor um dilema: podemos implementar políticas de desenvolvimento que busquem paulatinamente recuperar ou desenvolver produtos próximos à estrutura produtiva brasileira vigente (ou seja, que exijam conhecimentos similares aos que já temos), ou podemos implementar políticas mais ousadas, que busquem desenvolver produtos distantes que tendem a ser mais complexos?

No primeiro caso, o risco é mais baixo, mas o ganho em termos de complexidade também será menor, o que pode significar mais algumas décadas com desempenho econômico aquém do que precisamos. No segundo caso, o risco é bem maior, de modo que recursos expressivos podem acabar não gerando os resultados pretendidos. Por outro lado, os casos bem-sucedidos podem acabar gerando retornos altos e relativamente rápidos à sociedade, compensando os fracassos.

A vantagem da abordagem da complexidade econômica é que ela praticamente desenha essas opções, mostrando com clareza possíveis caminhos. Seja qual for a decisão, que dependerá também de outras variáveis, a abordagem fornece aos gestores públicos informações relevantes para a tomada de decisão.

 

 

IHU On-Line – Como analisa os movimentos da política industrial do Brasil ao longo da história?

Felipe Augusto Machado – Tive recentemente um debate interessante com o economista Samuel Pessôa sobre o chamado período nacional-desenvolvimentista. Esse período, grosso modo situado entre 1930 e 1980, está longe de ser homogêneo, mas especialistas costumam concordar que nele predominou uma visão mais intervencionista do Estado, com foco na industrialização do país. Criamos, deliberadamente, instituições que desempenhariam papel relevante no processo de desenvolvimento, como o Departamento Administrativo do Serviço Público - Dasp, a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, a Petrobras, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros - Iseb, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, a Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, entre outras. Inúmeras ações buscavam claramente desenvolver a produção industrial nacional, em grande medida desenhadas sob a lógica da substituição de importações.

 

 

 

Meu ponto principal naquele debate foi o de que é muito difícil desmerecer a magnitude dos resultados alcançados naquele período. De 1930 a 1980, somente dois países cresceram mais do que o Brasil em renda per capita, e reduzimos a distância que nos separava do mundo desenvolvido. De 1980 em diante, contudo, parece que perdemos o rumo. O crescimento econômico foi abaixo da crítica, menos da metade do crescimento médio mundial e menos de um quarto do crescimento médio de países em estágio similar de desenvolvimento. É difícil não associar essa situação à visão negativa da atuação estatal que se consolidou desde então, especialmente quando se compara o desempenho brasileiro às trajetórias de países bem-sucedidos, como os do Leste-asiático, cujos Estados não deixaram de liderar a economia na direção considerada desejada.

Nada disso implica dizer que erros não foram cometidos naquele período. A grande dependência do capital estrangeiro, por exemplo, pode ter limitado as nossas possibilidades. Países como o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan, talvez os mais bem-sucedidos exemplos de desenvolvimento econômico no pós-guerra, reservaram mercado em setores estratégicos para o capital nacional. A premissa, substancialmente comprovada pelos fatos, é que multinacionais estrangeiras raramente empreendem aprimoramentos produtivos ou implementam inovações significativas longe das suas sedes. Submetidas às decisões tomadas nas suas matrizes, subsidiárias relutam em se alinhar às estratégias de desenvolvimento dos países em que estão. Esse quadro se agravou substancialmente desde os anos 1980.

 

 

Pouco espaço para políticas industriais

Nesse contexto geral de desconfiança quanto à atuação estatal que se seguiu à crise dos anos 1980 e à emergência do Consenso de Washington, com prioridade absoluta à estabilização macroeconômica, pouco espaço havia para políticas industriais. Seu ressurgimento, no início do século XXI, apesar do mérito de trazer o tema de volta à agenda e de buscar recapacitar o Estado para esse tipo de intervenção, falhou em gerar os resultados pretendidos. Vários foram os motivos.

Minha dissertação, por exemplo, mostrou que as políticas industriais implementadas naquele período não estiveram voltadas para o aumento de complexidade econômica. Com a crise dos anos seguintes, o tema voltaria a perder espaço. O cenário de décadas de divergência em relação ao mundo desenvolvido, entretanto, não se alterou.

 

 

IHU On-Line – Na economia do século XXI, como imagina ser o papel estatal no investimento nos setores produtivos? Que critérios o Estado deve levar em conta na hora de aportar recursos à iniciativa privada?

Felipe Augusto Machado – Em uma perspectiva mais ampla, não vejo muita diferença entre o papel que o Estado deve desempenhar hoje e o papel que ele deveria desempenhar no passado. Obviamente, o contexto mudou, o que exige estratégias atualizadas, mas o segredo para o desenvolvimento econômico continua sendo, como sugerem as evidências da complexidade, o aprendizado produtivo e tecnológico. O problema é que o investimento necessário para desenvolver aprendizado, especialmente nos setores mais intensivos em inovação, tecnologia e conhecimento, tende a ser alto e arriscado, com retornos incertos e demorados. E tudo fica ainda mais difícil para países em desenvolvimento, uma vez que, pelas características apontadas anteriormente, os setores mais promissores para o desenvolvimento costumam estar dominados por empresas de países desenvolvidos.

Nesse contexto, qual é a chance de uma empresa de um país em desenvolvimento sobreviver à concorrência internacional, furar as espessas barreiras à entrada e usufruir dos enormes benefícios desses setores sem apoio estatal? A história mostra que isso é altamente improvável.

Talvez a maior diferença seja que hoje temos mais informações para uma intervenção qualificada. Por exemplo, analisando as políticas industriais implementadas de 2004 a 2014 sob a ótica da complexidade [a análise consta na dissertação de Mestrado, disponível acima], concluí que apenas uma parte muito pouco significativa dos desembolsos aprovados pelo BNDES naquele período esteve voltada para atividades econômicas que contribuiriam para aumentar a complexidade econômica do Brasil. Na maior parte dos casos foram contempladas atividades em que o Brasil já era bastante competitivo (como soja, açúcar e minério de ferro) ou em que o Brasil não era competitivo mas que estavam próximas da estrutura produtiva brasileira da época, apresentando baixa complexidade, como o refino de petróleo. Mobilizar um corpo técnico altamente capacitado como o do BNDES para reforçar uma estrutura produtiva que não tem dado conta das nossas aspirações não me parece a melhor decisão.

 

 

Políticas bem desenhadas, mas desvirtuadas

Os critérios teóricos para a escolha setorial, portanto, são conhecidos há bastante tempo, e existem várias ferramentas que podem ser utilizadas para auxiliá-la na prática. A abordagem da complexidade é apenas uma delas, embora seja uma das mais promissoras. O que me parece mais urgente é entendermos profundamente os motivos pelos quais até mesmo políticas industriais bem desenhadas acabam sendo desvirtuadas durante a sua implementação.

Por exemplo, a primeira das políticas industriais que analisei, a Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior, implementada entre 2004 e 2007, era considerada uma política moderna, focada em alguns poucos setores e atividades inovadoras e portadoras de futuro. No entanto, nenhuma das dez atividades mais contempladas durante sua implementação pertencia àqueles setores diretamente.

Explicações devem estar, pelo menos em parte, ligadas à economia política. Isso não surpreende. Desenvolvimento é um processo complexo, que pressupõe a transformação da estrutura produtiva e social de um país, com a ascensão de novos atores e o declínio (pelo menos relativo) de outros, de modo que resistências, mesmo que dentro das regras do jogo, são esperadas. Uma solução, a meu ver, é fazer das políticas de desenvolvimento produtivo e inovação uma prioridade política, o que seria justo considerando a enorme importância que elas têm tido nos casos bem-sucedidos de desenvolvimento, garantindo-lhes legitimidade democrática e blindagem diante de interesses menos favoráveis às suas medidas.

 

 

IHU On-Line – Que espaço a Abordagem da Complexidade Econômica abre para as questões socioambientais de nosso tempo?

Felipe Augusto Machado – Abre e tem aberto um grande espaço. Isso se deve à sua versatilidade, já que os conceitos e instrumentos da abordagem podem ser utilizados para estudar uma série de temas. Nesse sentido, tenho notado, especialmente nos últimos dois anos, uma profusão de artigos científicos que abordam o tema do meio ambiente sob a ótica da complexidade.

Os brasileiros Romero e Gramkow (2020), por exemplo, utilizando dados de 67 países entre 1976 e 2012, mostraram que o aumento de uma unidade no índice de complexidade econômica está associado a uma redução de 23% na relação “emissão de gases de efeito estufa sobre o PIB”. Dordmond e outros (2021) analisaram dados de emprego de 27 estados brasileiros entre 2003 e 2013 e concluíram que a complexidade econômica explica positivamente as diferenças entre os índices de empregos consideradosverdes”.

Na China, Dong e outros (2020) estudaram os efeitos de uma meta de redução de emissões do 11º Plano Quinquenal sobre o desempenho da indústria e concluíram que apenas as empresas menos complexas sofreram com menor produtividade e lucratividade, pois uma estrutura produtiva mais complexa está associada a um menor consumo de carvão.

Esses resultados fazem sentido porque, conforme explicado anteriormente, em uma economia complexa os conhecimentos e habilidades de amplas redes de pessoas e de empresas são combinados para gerar produtos intensivos em conhecimento. Isso não ocorre com países menos complexos, que costumam se especializar em produtos intensivos em recursos naturais. Ou seja, em grande medida, o que as evidências têm mostrado é que tornar um país mais complexo quase que automaticamente reduz a degradação ambiental. Mesmo assim, vários estudos têm tentado identificar produtos complexos que estariam ainda mais associados a benefícios ambientais, fornecendo caminhos para um aumento de complexidade econômica liderado pelo meio ambiente.

 

Desafios para “New Deal Verde”

Mas há um grande desafio de cunho técnico-econômico a ser enfrentado. Nessa altura dos acontecimentos, a transição energética parece inevitável. O custo de energias limpas como a solar e a eólica tem caído vertiginosamente, competindo cada vez mais com o de combustíveis fósseis. Vários países já estabeleceram metas de neutralidade nas emissões de carbono. Nesse contexto, os pioneiros a dominarem as tecnologias desse novo paradigma terão enorme vantagem, podendo impor normas e padrões de produção e de consumo aos demais.

Assim, não surpreende a proliferação de “New Deals Verdes” pelo mundo, especialmente entre as grandes potências. Medidas como a tributação de carbono foram e continuarão sendo insuficientes e mais sensíveis politicamente, inclusive porque tendem a afetar desproporcionalmente as classes mais vulneráveis. Uma mudança de paradigma desse tamanho exige muito mais ações coordenadas, como compras governamentais, subsídios, barreiras comerciais, requisitos de conteúdo local, investimento público em infraestrutura e regulações, tal como as realizadas pela China, que superou os EUA em várias dessas tecnologias há mais de uma década.

 

 

Não parece haver outro caminho. É preciso se apropriar de vez dessa agenda, sob pena de ficarmos ainda mais limitados nas nossas opções de desenvolvimento. Já estivemos na vanguarda mundial da energia limpa com os biocombustíveis, mas o tema deixou de ser prioritário com a descoberta do pré-sal. Atualmente, temos vantagens naturais não desprezíveis, como alta radiação solar e litoral extenso. Essa mudança de paradigma precisa ser vista como uma oportunidade, não como uma ameaça. Se falharmos, o impacto social, inclusive em termos de empregos, deverá ser significativo. Se formos bem-sucedidos, poderemos garantir um lugar ao sol na busca pelo desenvolvimento econômico.

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Felipe Augusto Machado – Desenvolvimento é um processo muito difícil e raro. Desde a Segunda Revolução Industrial, pouquíssimos países conseguiram superar o subdesenvolvimento e atingir a renda alta. Tirando casos inaplicáveis à nossa situação, como o de paraísos fiscais, países desproporcionalmente ricos em recursos naturais e um punhado de países de renda média que se beneficiaram do acesso à União Europeia, somente países que deram prioridade ao aprendizado produtivo e tecnológico se desenvolveram.

Uma análise da sua história econômica mostra que eles não pouparam esforços na forma de políticas de desenvolvimento produtivo para desenvolver esse aprendizado, convergindo várias outras políticas para a realização desse objetivo, incluindo a política macroeconômica e a educacional. Não será nada trivial, mas assim como já nos destacamos décadas atrás, nada impede que voltemos a trilhar um caminho virtuoso de desenvolvimento econômico.

 

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