Desigualdade no acesso à informação e tecnologias é o desafio à imersão profunda do Brasil na agricultura 4.0. Entrevista especial com Silvia Maria Massruhá

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Por: Ricardo Machado | 07 Fevereiro 2020

A Revolução 4.0 e todas suas consequências, positivas e negativas, é um caminho sem volta na contemporaneidade cuja interface mais evidente é o aprofundamento da inter-relação homem máquina. No Brasil, não obstante a mudança axial do mundo que representa a dialética inteligência humana e artificial, a desigualdade no acesso às tecnologias é um entrave a mais no processo de migração tecnológica. “O primeiro grande desafio é fomentar o acesso à tecnologia para o maior número de pessoas possível para que todos possam ter acesso à informação. Isso requer promover estratégias que favoreçam a implantação de empresas de tecnologias nas diversas regiões do país, o aumento da conectividade e a implantação de conexões públicas à internet”, pontua Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Nesse sentido a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa está atenta à necessidade de garantir maior equidade no acesso às novas tecnologias. “Um ponto que devemos prestar atenção é o risco de aumento de assimetrias entre os produtores mais preparados e capacitados e aqueles não preparados para lidar com a transformação digital da agricultura. Aqueles que adotarem a Agricultura 4.0 terão acesso a um amplo conhecimento e terão um subsídio muito maior para tomar decisões mais acertadas do que aqueles que continuarem se baseando somente em experiência e observações empíricas”, explica a pesquisadora.

Com o avanço tecnológico torna-se mais fácil garantir um manejo adequado de solo, recursos hídricos e fertilizantes, bem como a redução do uso de agrotóxicos. “Diante dos desafios apresentados na agricultura, principalmente o de aumentar a produção agrícola sem ampliar a área plantada significativamente, torna-se premente o uso cada vez mais intenso de novas tecnologias para permitir os ganhos de produtividade de forma sustentável. No campo os principais resultados são o melhor aproveitamento dos recursos naturais e o aumento da sustentabilidade”, destaca Silvia Massruhá. “Da mesma forma o monitoramento de florestas permitirá identificar o foco de incêndios evitando a dizimação de plantas e animais nativos”, complementa.


Silvia Massruhá (Foto: Embrapa)

Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária. É doutora em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e mestra na área de Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade de Campinas - Unicamp e graduada em Análise de Sistemas pela Pontifica Universidade Católica de Campinas – Puc Campinas. Desde 1989, é pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária onde tem liderado projetos na área de engenharia de software, inteligência artificial e computação científica aplicada a agricultura com aproximadamente 90 publicações técnico-científicas e 25 softwares.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a chamada Revolução 4.0 tem chegado aos campos brasileiros? De que forma a tecnologia já tem impactado na produção e na vida das pessoas no campo?

Silvia Massruhá – A Revolução 4.0 é uma referência à Indústria 4.0, inovação que teve início na indústria automobilística alemã e que agora conquista as fábricas de diversos segmentos devido à completa automatização proporcionada aos processos produtivos. No setor de agricultura digital, Agricultura 4.0 ou Agro 4.0, são empregados métodos computacionais de alto desempenho, rede de sensores, comunicação máquina para máquina (M2M), conectividade entre dispositivos móveis, computação em nuvem, métodos e soluções analíticas para processar grandes volumes de dados e construir sistemas de suporte à tomada de decisões de manejo. O conceito também engloba a agricultura e pecuária de precisão, a automação e a robótica agrícola, além de técnicas de big data e a Internet das Coisas (IoT).

A tecnologia torna-se estratégica de modo a agregar valor no processo produtivo e garantir a sustentabilidade sobre as três dimensões: ambiental, econômica e social. Contribui para elevar os índices de produtividade, da eficiência do uso de insumos, da redução de custos com mão de obra, melhorar a qualidade do trabalho e a segurança dos trabalhadores e diminuir os impactos ao meio ambiente.

IHU On-Line – Que tipo de tecnologia tem sido mais usada no contexto brasileiro? E como é o acesso dos produtores a essas tecnologias?

Silvia Massruhá – Uma das tecnologias que tem recebido maior investimento para implantação no campo é a Internet das Coisas (IoT). A Internet das Coisas torna possível monitorar e gerenciar operações a centenas de quilômetros de distância, rastrear bens que cruzam o oceano ou detectar a ocorrência de pragas ou doenças na plantação. A Internet das Coisas pode ser aplicada em qualquer ferramenta ou função em que há a possibilidade de levantamento de um dado (informação), por meio de um equipamento (sensores, satélite, drones, câmeras e outros), e envio desse dado, por um sistema de comunicação, para um centro de armazenamento e processamento onde possa ser realizada uma análise no dado e a consequente emissão de um alerta, um diagnóstico, um monitoramento ou outra informação a partir da análise realizada.

A tecnologia de IoT poderá ser utilizada em vários segmentos do agronegócio. Dentre as ferramentas de uso imediato podemos destacar os sensores sem fio, localizados no solo ou em tratores que, em conjunto com softwares de análise de dados, permitirá um mapeamento do campo mais preciso e plantio personalizado. Sensores que analisam as propriedades do solo, permitindo o plantio inteligente de sementes e a aplicação otimizada de insumos e defensivos agrícolas [1], sensores que podem medir o nível de água no solo e coletar dados indicativos de umidade ou do balanço hídrico levando à indicação da necessidade de irrigação, imagens de plantas capturadas por câmeras, drones e satélites, que podem auxiliar na detecção de pragas levando à aplicação de defensivos específicos e na quantidade adequada, dispositivos que podem capturar informações sobre a colheita e mapear a produtividade de cada parte do terreno, equipamentos embarcados em máquinas agrícolas podem indicar a necessidade da sua manutenção, equipamentos instalados em silos podem indicar as condições de estocagem evitando perdas no armazenamento, sensores intracorporais em animais podem auxiliar no monitoramento de sua saúde e bem-estar animal, estresse e predição de datas de parto visando ao manejo e à melhoria do desempenho. Mercadorias podem ser rastreadas durante o transporte e armazenamento. Essas são algumas das inúmeras aplicações de IoT no mundo rural.

Para os pequenos e médios, as associações e cooperativas do setor fazem o papel de fomentar a adoção de IoT e das novas tecnologias, organizando grupos ou consórcios para compartilhamento de soluções (por exemplo, de conectividade), maquinários, entre outras. É relevante considerar os diferentes modelos de negócios que podem ser adotados para viabilizar o uso de novas tecnologias geradoras de saltos de produtividade não só para os grandes produtores, mas também para os médios e pequenos, de maneira a incrementar a eficiência do Brasil no setor. Nesse sentido podemos citar o serviço de Uber de tratores possibilitando que pequenos produtores tenham acesso a equipamentos de última geração.

IHU On-Line – De que forma, em específico, a tecnologia da informação (TI) tem transformado a produção agrícola brasileira?

Silvia Massruhá – As tecnologias da informação e da comunicação - TIC têm contribuído, de forma impactante, para as diversas áreas de conhecimento, permitindo o armazenamento e processamento de grandes volumes de dados, automatização de processos e o intercâmbio de informações e de conhecimento. As TIC têm assumido, de forma crescente, um papel estratégico na pesquisa agropecuária e, simultaneamente a isto, os desafios são ainda maiores neste mundo cada vez mais complexo, dinâmico e conectado. Seu grande potencial reside na sua transversalidade podendo agregar valor e benefício para as diversas áreas de negócios, mercado, agricultura e meio ambiente. No caso do setor agropecuário, ao longo do tempo, as TIC são utilizadas não só para armazenar como, também, para processar os dados do setor, como dados de clima, de solos, de doenças, das fazendas, de culturas e de animais, dentre outros, gerando sistemas de informação capazes de fazer a gestão das fazendas, de cooperativas e de empresas além de emissão de alertas, diagnóstico de doenças, acompanhamento do rebanho e planejamento da produção suportando o desenvolvimento agropecuário em toda a cadeia produtiva.

Sem os avanços alcançados na área de TIC não seríamos capazes de antecipar mudanças climáticas, realizar o zoneamento agrícola de riscos climáticos, realizar previsões meteorológicas e previsão de safras, acompanhar os indicadores de mercado, monitorar o desmatamento da floresta amazônica, realizar análises genômicas, acompanhar a saúde animal e ter acesso on-line a informações, entre outras aplicações. Esse conjunto de informações e sistemas tem apoiado as decisões do agronegócio dando sua contribuição para o aumento da participação do agronegócio no PIB.

IHU On-Line – Quais os maiores entraves ainda a serem superados na aplicação de tecnologia no campo?

Silvia Massruhá – Para a implantação da Agricultura 4.0 existem questões que devem ser trabalhadas. Um ponto que devemos prestar atenção é o risco de aumento de assimetrias entre os produtores mais preparados e capacitados e aqueles não preparados para lidar com a transformação digital da agricultura. Aqueles que adotarem a Agricultura 4.0 terão acesso a um amplo conhecimento e terão um subsídio muito maior para tomar decisões mais acertadas do que aqueles que continuarem se baseando somente em experiência e observações empíricas. Um outro ponto é que a automatização implica diminuição do uso de mão de obra humana e deve-se pensar numa forma de absorver esse excedente a ser gerado. A segurança da informação também é uma questão na qual devemos estar atentos garantindo a confidencialidade dos dados que serão coletados por meio dos sensores, drones e satélites. Na área da comercialização digital existe a possibilidade de crimes virtuais. O progresso traz muitas oportunidades mas também traz muitos desafios a serem vencidos e devemos estar atentos para antever os problemas e pensarmos em soluções que garantam a implantação da agricultura 4.0 de forma mais positiva e menos traumática.

Entre as maiores dificuldades podemos citar a mudança de cultura, pois é necessário se acostumar ao uso das novas tecnologias e passar a fazer a gestão por meio das soluções automatizadas; conectividade no campo, para que se tenha acesso rápido tanto para envio de dados quanto para o recebimento das análises e informações; investimento em automação, que ainda representa um custo alto; além de capacitação da mão de obra para que possa utilizar os novos equipamentos e as novas soluções tecnológicas.

A robustez do agronegócio brasileiro favorece o uso dessas novas tecnologias, mas o país ainda terá de superar os desafios relacionados com capacitação, infraestrutura de telecomunicações, regulação, definição de padrões e segurança da informação, e custos elevados.

IHU On-Line – Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) indica que apenas 5% da área agriculturável do país está conectada à internet. O que esse dado representa? Quais os desafios para superá-lo?

Silvia Massruhá – O acesso às novas tecnologias ainda não é possível para toda a sociedade. No caso dos pequenos produtores ainda é mais difícil. Entretanto, há várias iniciativas que visam facilitar o financiamento público e modernizar todos os setores, inclusive a agricultura. Hoje os produtores têm mais acesso à internet devido aos smartphones; vemos que muitos pequenos produtores utilizam, por exemplo, celulares e se comunicam via SMS (mensagens de texto) com outros produtores e com a extensão rural. Com certeza, a adoção de tecnologias mais modernas levará mais tempo, principalmente pelos pequenos produtores, pois enfrenta vários obstáculos, como conectividade no campo, qualidade, confiabilidade, velocidade, segurança dos serviços de telecomunicações, custos elevados, entre outros. Entretanto, a expansão acelerada de novas tecnologias para o agronegócio, de fornecedores de hardware (sensores) e software, desde startups (agtechs) até grandes multinacionais, o custo decrescente do hardware e o uso crescente de dispositivos como smartphones impulsionarão a expansão tecnológica na agricultura. O cenário regulatório, com a exigência interna e de outros países para rastreabilidade de produtos em todos os níveis, também contribuirá para acelerar a adoção de tecnologias no ambiente rural.

IHU On-Line – Quais os desafios para que o acesso à tecnologia não seja mais um fator gerador de desigualdades no Brasil rural?

Silvia Massruhá – O primeiro grande desafio é fomentar o acesso à tecnologia para o maior número de pessoas possível para que todos possam ter acesso à informação. Isso requer promover estratégias que favoreçam a implantação de empresas de tecnologias nas diversas regiões do país, o aumento da conectividade e a implantação de conexões públicas à internet. Por meio do uso da tecnologia é possível promover educação a distância para regiões remotas e prestação de serviços on-line possibilitando que as pessoas acessem informações e ferramentas que permitam buscar soluções para seus problemas. A tecnologia possibilita a personalização fazendo com que as soluções oferecidas sejam adaptadas à realidade de cada região rural. Importante notar que para que isso ocorra é necessário, inicialmente, a capacitação no uso das próprias tecnologias disponíveis para que os usuários rurais possam tirar o maior proveito de todo o arsenal de aplicativos e ferramentas digitais que estarão a seu dispor. Governo, escolas públicas, extensão rural e empresas de tecnologias têm um papel importante no acesso, disponibilização, divulgação e capacitação no uso adequado das tecnologias disponíveis.

IHU On-Line – Normalmente, mais tecnologia no campo é associada a maior produtividade. Mas como a tecnologia pode contribuir para minimizar os impactos ambientais da produção agrícola?

Silvia Massruhá – Diante dos desafios apresentados na agricultura, principalmente o de aumentar a produção agrícola sem ampliar a área plantada significativamente, torna-se premente o uso cada vez mais intenso de novas tecnologias para permitir os ganhos de produtividade de forma sustentável. No campo os principais resultados são o melhor aproveitamento dos recursos naturais e o aumento da sustentabilidade. Uma vez que na agricultura 4.0 as soluções poderão ser aplicadas de forma diferenciada, de acordo com a necessidade da plantação ou do rebanho, isto implica que os recursos serão empregados somente quando e onde necessário. Por exemplo, na irrigação inteligente, sensores de solo indicarão os talhões que necessitam de mais água evitando o desperdício ao se irrigar toda a propriedade na mesma taxa. O mesmo raciocínio pode ser empregado no uso de fertilizantes que serão aplicados em solos com maior carência. O monitoramento de doenças e pragas permitirá a aplicação de defensivos agrícolas somente em áreas onde se identificam a ocorrência de doenças evitando contaminação do solo. Da mesma forma o monitoramento de florestas permitirá identificar o foco de incêndios evitando a dizimação de plantas e animais nativos.

Além disso, a agricultura 4.0 vai maximizar a intensificação agrícola permitindo produzir mais na mesma área evitando a necessidade de expansão de novas áreas agrícolas.

IHU On-Line – A automatização da produção agrícola também impactará no trabalho no campo. Como assegurar que as máquinas não aumentem o número de desempregados, empurrando novamente trabalhadores rurais para as cidades?

Silvia Massruhá – O uso intensivo de máquinas irá afetar os empregos da forma como existem hoje em dia, principalmente aqueles que representam trabalhos repetitivos. Trabalhos que requerem interação humana ou que sejam mais especializados estarão menos ameaçados. O primeiro passo é investir fortemente na educação provendo mais habilidades para a mão de obra excedente no campo. Da mesma forma que vários empregos serão ocupados pelas máquinas, outros surgirão abrindo novas possibilidades. É necessário haver políticas que incentivem outras atividades econômicas no campo. Teremos que utilizar criatividade para perceber as novas possibilidades realocando e capacitando a mão de obra para essas novas atividades.

Um grande desafio mundial será como aproveitar a mão de obra que será liberada com a automação dos processos produtivos em todos os setores da economia. Essa questão vem sendo discutida em várias esferas, mas ainda não há uma solução que abranja todo esse conjunto de recursos humanos que se tornará disponível.

IHU On-Line – Quais as regiões do Brasil em que a “agricultura 4.0” é maior? No que essas regiões podem inspirar outras onde a revolução 4.0 não chegou ao campo?

Silvia Massruhá – A agricultura 4.0 ganha mais força atualmente nas regiões centro-oeste, sul e sudeste ligadas principalmente à produção das commodities como soja, milho, algodão, grãos e fibras além da pecuária. O setor de commodities gira um volume muito maior de capital permitindo adquirir e implantar as novas tecnologias que possuem um custo elevado. Além disso, a grande produção nacional demanda o uso intensivo de máquinas e equipamentos para automatizar os processos de produção, armazenamento e distribuição. Temos que pensar que cada região, e suas respectivas culturas e sistemas de produção, têm demandas próprias. Entretanto, a experiência no uso das tecnologias nas regiões mais tecnificadas pode levantar os grandes desafios e apontar as soluções para que possam ser utilizadas e reaproveitadas nas demais regiões. Hoje, um dos maiores desafios é a conectividade que ainda não atinge todas as regiões do país.

De acordo com o estudo do BNDES, intitulado Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil: os maiores produtores são os primeiros a adotar novas tecnologias no processo produtivo por causa da grande escala de produção e da capacidade de investimento. Mas para os pequenos e médios, existem associações e cooperativas do setor com o papel de fomentar a adoção das novas tecnologias e o compartilhamento de soluções.

IHU On-Line – Como compreender o papel da indústria agrícola (laboratórios, máquinas agrícolas, etc.) na implantação da tecnologia no campo? Quais os desafios para assegurar a autonomia a independência do produtor nessa relação?

Silvia Massruhá – Considerando a relevância do agronegócio brasileiro, é natural e de se esperar que toda a indústria do Agronegócio se posicione na corrida pela implantação e pelo oferecimento de produtos e soluções voltados para a Agricultura 4.0. Essa revolução irá acontecer em todas fases da cadeia de produção. Na fase da pré-produção existem os avanços em biotecnologia e bioinformática para melhoramento genético com o objetivo de produzir animais mais resistentes a doenças e com maior produtividade de carne. No melhoramento de plantas, além de serem mais resistentes a doenças também serão mais resilientes às mudanças climáticas e ao estresse hídrico.

Na fase de produção, o estabelecimento agropecuário será massivamente conectado, monitorado e automatizado. Sensores dispersos por toda a propriedade e interligados à internet (Internet das Coisas) gerarão dados em grande volume (Big Data) que necessitarão ser filtrados, armazenados (computação em nuvem) e analisados. A força de trabalho humana não será capaz de gerenciar essa quantidade de dados e necessitará do auxílio de algoritmos mais aprimorados por meio de técnicas de inteligência computacional (Computação Cognitiva). Após a análise, o ciclo é fechado por meio de comandos remotos aos tratores e implementos agrícolas que, munidos de sistema de posicionamento global (GPS), farão intervenções pontuais apenas onde necessário para otimizar custo, produção e impacto ao meio ambiente. A sociedade, por meio das redes sociais, poderá obter informações detalhadas do processo produtivo, impactos e propriedades nutricionais em seus dispositivos móveis.

Na fase da pós-produção, as novas tecnologias proporcionarão a comunicação altamente integrada e automação das mais variadas atividades nos setores agroalimentar e agroindustrial: sistemas de predição irão prever as safras agrícolas e os riscos envolvidos; sistemas avançados de monitoramento e controle informarão aos consumidores sobre segurança e sustentabilidade dos alimentos; sistemas de rastreabilidade proporcionarão o acompanhamento do escoamento da produção desde a fazenda até os centros de distribuição evitando desperdícios; informações de mercado e variações econômicas serão processadas e orientarão os processos de logística e produção dentre muitas outras inovações e avanços.

Atualmente fala-se de Distribuição 4.0, Floresta 4.0, Fazenda 4.0, Amazônia 4.0 onde cada setor vai procurando definir seu espaço. Em todos esses setores, além dos atores tradicionais da indústria agrícola, como os laboratórios, indústrias de máquinas agrícolas, fornecedores de suplementos e agentes de distribuição, vemos o surgimento das Agtechs que são empresas jovens que buscam a inovação na agricultura, procurando desenvolver um modelo de negócio escalável e que seja repetível. Nesse início vai ocorrer uma grande emergência de oferta de soluções onde cada ator vai procurar definir seu espaço e lançar seus produtos no contexto da Agricultura 4.0. Num segundo momento será importante haver uma padronização, regulamentação e normatização para que os produtores possam ter portabilidade entre as soluções.

IHU On-Line – Qual o papel do Estado na implementação da agricultura 4.0?

Silvia Massruhá – O papel do Estado consiste em prover políticas públicas que fomentem e regularizem a implantação da Agricultura 4.0. Nesse sentido, o governo brasileiro tem investido no fomento de IoT para a geração e captação de dados sobre a agricultura. Uma iniciativa importante é o Plano Nacional de IoT, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES contendo com 76 ações para o setor sendo que uma das vertentes é o setor rural. O BNDES estima que iniciativas que envolvem a tecnologia de IoT para a agricultura 4.0 podem alcançar, em seu potencial máximo, US$ 21 bilhões no setor rural até 2025. As principais aplicações apontadas para setor são Monitoramento de microclima, Gestão de pragas, Monitoramento de localização e comportamento, Monitoramento da saúde do animal, Monitoramento do peso e da alimentação do animal, Gestão de desempenho de máquinas, Produtividade humana por analytics. Estas aplicações da agricultura 4.0 podem contribuir para melhorar o rendimento agrícola, diminuir o consumo de insumos e defensivos agrícolas, diminuir o desperdício de alimentos em toda cadeia de suprimentos e aumentar a produtividade. Para a implementação do Plano Nacional de IoT, o BNDES lançou a chamada de Projetos Piloto em IoT onde iniciativas de aplicação deste tipo de tecnologia serão testadas em plataformas de experimentação e/ou em ambientes reais sendo que um deles é o ambiente rural. O orçamento total para projetos de IoT é de R$ 20 milhões.

Uma outra iniciativa foi a criação da Câmara do Agro 4.0 por um acordo de cooperação técnica entre os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC. Seu objetivo é implementar ações destinadas à expansão da internet no meio rural, ao aumento da produtividade no campo, e à difusão de novas tecnologias e serviços inovadores nas propriedades rurais. Participam da Câmara representantes de várias entidades dos setores produtivo e de pesquisa agropecuária e de tecnologia do país.

Nesse cenário, ciente da necessidade da promoção da agricultura digital no Brasil envolvendo a parceria entre empresas públicas, privadas, startups, governo e todos os interessados na implantação da agricultura 4.0, a Embrapa Informática Agropecuária está propondo o ecossistema da agricultura digital. Esse ecossistema segue o modelo de inovação aberta e irá permitir a oferta de infraestrutura como serviço, plataforma como serviço e software como serviço. O serviço de infraestrutura será disponibilizado como um datacenter oferecendo armazenamento em nuvem e compartilhamento de processamento. O serviço de plataforma é baseado na plataforma AgroAPI que permite que informações e modelos gerados pela Embrapa possam ser acessados por meio de APIs, que são conjuntos de linguagens de programação que possibilitam a comunicação entre diferentes sistemas. O serviço de software será ofertado como aplicativos na loja da Google ou por aplicações Web como o sistema de informações agrometeorológicas Agritempo.

Neste ecossistema a Embrapa Informática Agropecuária se coloca como um facilitador no sentido de promover o trabalho colaborativo e a integração dos diversos segmentos e setores comprometidos com a implantação da agricultura 4.0 no Brasil.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Silvia Massruhá – Acredito que no futuro, a maioria das propriedades irá trabalhar no contexto da agricultura 4.0, ou pelo menos utilizar algumas das tecnologias que preconizam a agricultura digital, em função do seu tipo de negócio e do custo x benefício dessa implantação. Na Agricultura 4.0 o produtor terá acesso à informação de sua propriedade de forma mais precisa possibilitando mais controle dos processos de irrigação, aplicação de defensivos e fertilizantes, melhor época de plantio, monitoramento da lavoura e pecuária, gestão da propriedade e manutenção de maquinário evitando perdas e desperdícios e preservando os recursos naturais ao mesmo tempo em que pode aumentar sua produtividade. Toda essa revolução contribuirá para que o país continue ocupando a posição de grande produtor e exportador de alimentos mundial mantendo seu protagonismo no avanço tecnológico da agricultura tropical.

Nota de IHU On-Line:

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, a ser realizado nos dias 19 a 21 de outubro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.

XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida.

 

Nota:

[1] O termo se refere aos agrotóxico.. (Nota da IHU On-Line)


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