Crítica ao aceleracionismo pedagógico

Foto: Pexels

15 Junho 2021

 

"Em estranho paradoxo, esforços para tornar a escola mais reflexiva são devastados pelas pressões por “desempenho”. Novo livro de Byung-Chul Han ajuda a entender por quê – e imaginar, como alternativa, uma Revolução Temporal".

A opinião é de Roberto Rafael Dias da Silva, doutor e mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - Uergs e professor do Programa de Pós-Graduação - PPG em Educação da Unisinos, em artigo publicado por Outras Palavras, 09-06-2021.

 

Eis o artigo. 

 

Em estranho paradoxo, esforços para tornar a escola mais reflexiva são devastados pelas pressões por “desempenho”. Novo livro de Byung-Chul Han ajuda a entender por quê – e imaginar, como alternativa, uma Revolução Temporal.

 

O pensamento filosófico de Byung-Chul Han tem nos mobilizado a realizar novas indagações e a renovar o nosso conjunto de reflexões críticas sobre a vida social contemporânea. A recente publicação da obra Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo, originalmente publicada em alemão no ano de 2013, oferece-nos um novo olhar para a questão da aceleração social que ora experienciamos. Atualmente, as narrativas, a contemplação e o tempo da aprendizagem são sufocados pelo desempenho. Este cenário se complexifica também pela predominância das informações, uma vez que “o sujeito do desempenho é incapaz de chegar a uma conclusão”, tal como já evidenciamos na epígrafe deste texto. Neste breve texto, revisaremos o estudo de Han objetivando buscar as repercussões deste pensamento para pensar a educação e a formação humana neste início de século 21.

 

Reprodução da capa do livro

 

O primeiro destaque da obra que gostaríamos de mencionar refere-se a nossa incapacidade de construir narrativas sobre a vida humana neste momento em que somos impelidos à aceleração permanente. Tempos de silêncio, rituais e cerimônias e a possibilidade de construir narrativas são aspectos que temos abandonado hodiernamente. Nas palavras do filósofo, “o inquietante na experiência de tempo atual não é a aceleração como tal, mas sim a conclusão faltante, ou seja, a falta de ritmo e do compasso das coisas”. A aceleração intensa não nos oferece estruturas de sentido e tempo para (respirar e) interpretar o presente. De acordo com esta perspectiva, a rápida alternância de imagens – típicas da cultura digital -podem nos conduzir a uma hipervisibilidade que impede a contemplação.

 

Dirigindo seus apontamentos para a questão das narrativas, nosso segundo destaque da obra, Han evidencia os modos pelos quais a memória é desnarrativizada. A informação, em sua dispersão, dificulta nossa atribuição de sentido sobre o mundo. Valendo-se de uma metáfora de Paul Virílio, Han afirma que a memória desnarrativizada torna-se um “depósito de tralhas”. O acesso constante a novas informações, típico deste tempo, leva-nos a pensar que “a aceleração tem a sua causa na incapacidade universal de concluir e encerrar”. Quando a experiência temporal se acelera, passamos a ter dificuldade em escolher o tempo adequado para amadurecer, pensar ou mesmo dormir.

 

O terceiro destaque que gostaria de realizar refere-se ao “encolhimento do presente” que, de acordo com o filósofo, não tem a aceleração como causa. Mais que isso, revela nossa dificuldade em fazer paradas – concluir e pensar. Em sua elaboração, perdemos a capacidade de fechar ciclos, refletir ou mesmo comemorar. O avanço sem fim e sem direção expõe nossa crise temporal. Nas palavras do filósofo coreano, “hoje, é necessária uma revolução temporal, que gere um outro tempo, o tempo do outro, que não é um tempo do trabalho, uma revolução temporal que traga de volta para o tempo o seu aroma”.

 

A necessidade desta revolução temporal torna-se imperativa em um contexto em que nos comunicamos “sem pausa e sem interrupção”. O vazio de sentido e a ausência de um tempo para o outro também são sintomáticas destas relações com o tempo. De acordo com o filósofo, “a política temporal do neoliberalismo desfaz o tempo do outro, pois ele não é eficiente”. As provocações que se derivam deste pequeno livro são intensas e, inescapavelmente, conduzem-me a uma reflexão pedagógica. Vamos percorrer dois percursos para esta reflexão, tratados nos tópicos abaixo.

 

1. As atuais políticas de escolarização estão atreladas a um paradoxo temporal: ao mesmo tempo em que apregoam uma singularização da aprendizagem, tais políticas são movidas pelas métricas da sociedade do desempenho. Variadas tradições de pensamento, ao longo do último século, defenderam a importância de aprendizagens significativas, a relevância da reflexividade nos processos educativos e as potencialidades de uma agenda educativa aberta e plural. Entretanto, seus regimes de implementação estão atrelados a modelos de inovação ou de rendimento baseados na impaciência política para a obtenção de resultados. Uma revolução temporal, nos termos descritos por Han, implicaria em uma revalorização de práticas de escuta, de silêncio, de esperas, de negociação e de narrativas compartilhadas sobre a vida e sobre o mundo.

 

2. A proliferação das informações – sem pausa e sem interrupção – contribui para o desenvolvimento de novas subjetividades marcadas pela hipervisibilidade. Educar crianças e adolescentes, em tais condições, favoreceu processos de extrema publicização de seus cotidianos, de extrema estimulação e muita inconstância na significação de suas vidas. O argumento proposto por Han permite-nos revalorizar a espera pelo “tempo bom”, pelo “tempo da vida”, pelo “tempo do outro”, ou ainda pelo “tempo do sono”. No neoliberalismo vivemos sob fluxos permanentes – ‘nunca terminamos nada’ como afirmava Deleuze ao descrever sociedades de controle – e, em termos pedagógicos, as métricas de desempenho somente conduzem a novas métricas de desempenho.

 

A recente publicação brasileira de “Favor fechar os olhos”, de Byung-Chul Han, coloca-nos diante da exigência de repensar os nossos tempos educativos. A revolução temporal, apresentada pelo filósofo, instiga-nos a buscar outras formulações para essa questão. Uma das dimensões seria revalorizar o tempo do outro que, “em oposição ao tempo-do-eu, que isola e singulariza, o tempo do outro promove a comunidade”. A busca por um novo tempo pedagógico – na contramão da política temporal do neoliberalismo e seus regimes de aceleração – pode nos mobilizar a trazer de volta para o tempo o seu aroma!

 

Referência:

HAN, Byung-Chul. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. Petrópolis: Vozes, 2021.

SACRISTÁN, Gimeno. El valor del tiempo en la educación. Madrid: Morata, 2008.

SILVA, Roberto Rafael Dias da. Inovações permanentes e desigualdades crescentes: elementos para a composição de uma teorização curricular crítica. In: BOTO, Carlota et all (Org.). A escola pública em crise: inflexões, apagamentos e desafios. São Paulo: FEUSP, 2020, p. 169-182. Acesse clicando aqui.

 

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