Ocupações e estabelecimentos no mercado de trabalho. Especial do Trabalho Vale do Sinos 2003-2016

Por: João Conceição, João Dias, Lucas Schardong e Marilene Maia | 19 Junho 2018

Desde a sua criação, o Observatório das realidades e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos tem como foco a investigação e ação do mundo do trabalho e dos trabalhadores/as. No mês de maio de 2018, quando completou dez anos de existência, o ObservaSinos preparou uma série de ações para memorar o seu trabalho de sistematização, análise e publicização de dados sobre as realidades do Vale do Sinos.

Uma destas ações é o Especial do Trabalho Vale do Sinos. A série histórica do ObservaSinos abordará quatro grandes temas sobre o trabalho entre os anos de 2003 e 2016, período de grande movimentação e transição econômica, política e social no Brasil. Os dados analisados são dos 14 municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento - Corede do Vale do Rio dos Sinos, região de atuação do Observatório.

Esta publicação especial também é um subsídio para os debates no Ciclo de Palestras: Trajetórias da Política Econômica Brasileira 2003-2017, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Os temas abordados no Especial do Trabalho são:

Geração e gênero;
Escolaridade e renda;
Ocupação e perfil dos estabelecimentos;
Saúde do trabalhador;
Pessoas com Deficiência;
• Desigualdades raciais;

Confira a terceira parte do Especial do Trabalho Vale do Sinos com a tematização sobre ocupações e perfis dos estabelecimentos:

Estabelecimentos

As transformações dos estabelecimentos é uma das maneiras para compreender as mudanças no mercado de trabalho. Os estabelecimentos não são apenas o local, a sede ou as instalações de atividade econômica. O direito empresarial considera como estabelecimento todos os bens organizados para o exercício de determinada atividade econômica por empresário ou sociedade empresária.

O número de estabelecimentos no Brasil cresceu 55,16% entre os anos de 2003 e 2016. No Rio Grande do Sul, os estabelecimentos cresceram em 38,02% no mesmo período. O número de estabelecimentos também aumentou no Vale do Sinos, de 23.518 para 32.839, ou seja, uma variação de 39,63% entre 2003 e 2016. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais - Rais¹ mostram que a partir da desaceleração e a recessão econômica os estabelecimentos diminuíram no Vale do Sinos. O pico mais alto de estabelecimentos entre 2003 e 2016 foi no ano de 2012, com 32.976 estabelecimentos no Vale do Sinos, diminuindo a partir de 2013.

O número de estabelecimentos na construção civil foi o que mais cresceu: 131,35%. A quantidade de estabelecimentos era de 842 e passou para 1.948. Os setores de comércio e serviços representavam 73,00% dos estabelecimentos em 2016, sendo que o primeiro aumentou em 37,08% o número de estabelecimentos entre 2003 e 2016 e o segundo, em 50,08% no mesmo período. A construção civil, apesar de ter aumentado em 131,35% o número de estabelecimentos, possuía uma participação de 5% no ano de 2016. O único setor que diminuiu o número de estabelecimentos foi a administração pública, de 46 para 40.

O aumento no número de estabelecimentos dos setores de serviço, comércio e da construção civil está ligado ao crescimento econômico brasileiro entre os anos de 2006 e 2010. A professora de Economia da Universidade de São Paulo - USP, Laura Carvalho, em uma entrevista ao site do IHU On-Line, avalia que “O processo de distribuição da renda acabou gerando empregos e fazendo crescer o setor de serviços, que empregou mão de obra menos qualificada, o que, por sua vez, fez crescer o salário dos trabalhadores/as  menos qualificados em relação aos demais. Isso reforçou o processo de redistribuição da renda na base da pirâmide”.

O aumento dos estabelecimentos do comércio foi puxado pelo comércio varejista, que cresceu 39,64% entre 2003 e 2016 no Vale do Sinos, praticamente o mesmo percentual de crescimento da média de todos os estabelecimentos da região. O comércio atacadista também cresceu. Do setor de serviços, os estabelecimentos de ensino, médicos, odontológicos, veterinários e instituições financeiras também aumentaram em quantidade.

Entre os setores com maior participação de estabelecimentos econômicos, a indústria de transformação foi um dos que menos teve aumento. Os estabelecimentos cresceram 15,79% entre 2003 e 2016. Embora esse setor tenha apresentado crescimento, os estabelecimentos perderam participação de 24% para 19%. Ou seja, o crescimento nos últimos anos não foi suficiente para manter crescente a participação entre os demais setores.

Em uma matéria publicada no site do IHU On-Line, os professores de Economia José Luis Oreiro, Cristiane Soares e Anderson Mutter  explicam que “a queda da taxa de investimento e a deterioração do saldo da balança comercial a partir de meados da década de 1990 são causas importantes do processo de desindustrialização no Brasil, ambas relacionadas com a condução da política macroeconômica no período em questão”.

Na indústria de transformação do Vale do Sinos, as indústrias metalúrgica, mecânica, têxtil, química, calçadista, alimentícia e de bebidas aumentaram o número de estabelecimentos. O único setor da indústria de transformação que reduziu o número de estabelecimentos foi o de borracha, fumo e couros. O município de Novo Hamburgo detinha, em 2016, o maior número de indústrias do Vale do Sinos.

O número de empregados por estabelecimentos permaneceu praticamente inalterado. Em 2003, 82,62% dos estabelecimentos tinham até nove empregados, diminuindo em 2016 o percentual para 81,90%. O crescimento significativo de 38,81% aconteceu em estabelecimentos entre 1 e 4 empregados. Em 2003, eram 12.977 estabelecimentos, enquanto em 2016 passou para 18.014. Esse aumento ocorreu sobretudo nos setores do comércio e de serviços.

Ocupações

Ao analisar as ocupações dos trabalhadores/as  do Vale do Sinos, podemos observar que elas se apresentam em diversos setores: serviços, setor coureiro-calçadista, comércio, transporte etc.

Em 2003, havia uma forte presença de ocupações relacionadas à produção de calçados, como mostra o gráfico abaixo. A profissão que dominava o mercado de trabalho era a de trabalhador polivalente da confecção de calçados, que concentrava cerca de 6,83% dos trabalhadores/as  do mercado formal do Vale do Sinos. 16,87% dos trabalhadores/as  exerciam ocupações relacionadas a indústria dos calçados.

Em 2016, esta realidade mudou e a profissão que teve mais trabalhadores/as  foi a de vendedor do comércio varejista, que concentrou 4,44% dos trabalhadores/as  do mercado formal de trabalho da região. As ocupações relacionadas à produção do calçado passaram a ser apenas 5,77% dos trabalhadores/as .

A maioria das profissões que cresceram na região estão ligadas ao comércio e serviços, como armazenista, assistente administrativo e técnico de enfermagem. E as profissões que perderam espaço no Vale do Sinos estão ligadas à indústria de calçados, como preparador de calçados, acabador de calçados e trabalhador polivalente da confecção de calçados.

Em 2003, metade dos trabalhadores/as de Nova Hartz exerciam a ocupação de “trabalhador polivalente da confecção de calçados”², ou seja, 2.660 trabalhadores/as. Além disso, todas as cinco ocupações que tinham mais trabalhadores/as  no município eram ligadas à produção de calçados, que, juntas, tinham 70,53% dos trabalhadores/as  do município.

Em 2016 o número de trabalhadores/as nesta atividade diminuiu para 2.437, passando a ser cerca de 34,11% dos assalariados do município. Outras ocupações também ligadas à atividade coureiro-calçadista cresceram na cidade, como as de preparador de calçados, costurador de calçados a máquina e acabador de calçados. Essa especificidade no mercado de trabalho do município pode ser um dos principais motivos pelos quais os/as trabalhadores/as de Nova Hartz têm uma baixa escolaridade (69% não têm ensino médio completo).

Em 2003, das 10 ocupações que mais concentravam trabalhadores/as no município de Novo Hamburgo, cinco eram ligadas ao setor calçadista. As ocupações que mais concentraram trabalhadores/as  foram as de auxiliar de escritório, trabalhador polivalente da confecção de calçados, preparador de calçados, vendedor de comércio varejista e alimentador de linha de produção.

Em 2016, apenas duas das 10 ocupações eram relacionadas ao setor calçadista, as outras oito eram ligadas ao setor de serviços, um possível reflexo da desindustrialização do país e da região. As ocupações que concentraram mais trabalhadores/as  em 2016 foram: vendedor de comércio varejista (5,65% dos trabalhadores do município), auxiliar de escritório (5,08%), assistente administrativo (4,12%) e faxineiro (3,21%).

Abaixo no mapa do Vale do Sinos é possível verificar as ocupações que mais concentraram trabalhadores/as em cada município no ano de 2016.

Em 2003, dentre as profissões que tinham mais trabalhadores/as no Vale do Sinos, as mulheres eram maioria, como as de professor de ensino fundamental, assistente administrativo, faxineiro e vendedor do comércio varejista.

Em 2016, havia 2.495 mulheres trabalhando como recepcionista, 86,1% dos profissionais nesta ocupação; elas continuaram sendo a maioria dos faxineiros, 9.088 mulheres (83,1%).

A média do salário dos trabalhadores/as  nas ocupações que mais se destacaram em 2003 no Vale do Sinos foi de R$ 1.280,60. A ocupação que apresentou a menor remuneração média na região foi a de faxineiro, R$ 900,09, profissão de 5.358 trabalhadores/as . A ocupação com maior renda média foi a de professor de nível médio no ensino fundamental, R$ 2.504,30, profissão de 3.396 pessoas³.

A média salarial dos trabalhadores/as  nas ocupações que mais se destacaram em 2016 no Vale do Sinos foi de R$ 1.798,70. A ocupação que apresentou a menor remuneração média na região continuou sendo a de faxineiro, R$ 1.175,00, profissão de 10 mil trabalhadores/as  do Vale. A ocupação com maior renda média foi a de professor de nível superior do ensino fundamental (primeira a quarta série), R$ 4.152,61, profissão de 2.944 trabalhadores/as³.

Referências

[1] RAIS é um relatório de informações do mercado de trabalho solicitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego brasileiro às pessoas jurídicas e outros empregadores anualmente. A RAIS foi instituída em 23 de dezembro de 1975

[2] Considera-se trabalhador polivalente da confecção de calçados aqueles que atuam em todas as etapas da produção de calçados, desde a preparação do corte até a expedição. Preparam materiais, cortam e preparam peças e solados. Para esses trabalhadores é exigida a escolaridade mínima do ensino fundamental.

[3] Salários corrigidos para valores de 2016.

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