14 Dezembro 2014
O grupo mais exclusivo da Igreja Católica irá receber novos membros em fevereiro, segundo o anúncio feito pelo Vaticano nesta quinta-feira de que o Papa Francisco irá realizar, nos dias 14 e 15 de fevereiro de 2015, um consistório para criar novos cardeais.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 11-12-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Poucas coisas são mais importantes para a direção do catolicismo do que a criação de cardeais, em parte porque estes são os líderes mais influentes na Igreja depois do próprio pontífice. Em parte, também, porque o papa configura o futuro ao escolher os seus cardeais, pois é dentre eles que sairá o seu sucessor.
Desconhecemos os nomes dos futuros Príncipes da Igreja, embora já tenhamos as datas em que o evento ocorrerá.
Tradicionalmente, o papa revela os novos membros com um mês de antecedência. Com isso, ele dá aos novos Príncipes tempo para organizar a viagem a Roma, motando também a sua delegação, que pode vir junto.
Francisco realizou seu primeiro consistório no último mês de fevereiro, nomeando 16 novos cardeais com menos de 80 anos. Se ele seguir estritamente os protocolos, o grupo desta vez deverá ser um pouco menor.
As regras impostas pelo Papa Paulo VI impõem um limite de 120 cardeais com idade de votarem nos conclaves, ou seja, abaixo dos 80 anos.
Hoje, há 112 cardeais com menos de 80 anos e dois irão completar 80 antes de fevereiro, deixando 10 lugares. Dois outros cardeais fazem 80 anos em março e abril. Então, se Francisco quiser seguir as regras, ele provavelmente vai nomear algo em torno de 10 a 12 novos Príncipes.
(Se ele seguir o protocolo, poderá também nomear alguns cardeais “honorários”, quer dizer, homens com idade acima dos 80 e que, portanto, não podem participar de uma eleição papal. Em geral, estas nomeações equivalem a uma espécie de prêmio para o “conjunto da obra” pelos serviços prestados à Igreja.)
Os papas, no entanto, não são obrigados a seguirem estas regras.
Em 2001, o Papa João Paulo II ultrapassou o limite de 120 cardeais, elevando o número de cardeais com direito a voto para 135 em um dos maiores consistórios de todos os tempos, somando 38 novos cardeais abaixo dos 80, mais dois anunciados ao mundo e que haviam sido previamente nomeados in pectore, ou seja, em segredo.
O primeiro consistório do Papa Francisco, em fevereiro de 2014, pode ser chamado de o “Consistório das Periferias”.
O sul global teve nove cardeais dos 16, enquanto somente três solidéus foram para membros da Cúria Romana (a burocracia administrativa do Vaticano).
O papa também fez questão de criar cardeais em lugares que jamais tiveram um representante, tais como o Haiti, e mesmo dentro dos países ele tendeu a selecionar dioceses menores e, muitas vezes, esquecidas, tais como a de Cotabato, nas Filipinas, e a da Perúgia, na Itália. (Cotabato nunca teve um cardeal, e Perúgia não tinha um representante desde a era dos Estados Papais.)
No caso de Perúgia, Francisco contornou arquidioceses tradicionais tais como as de Turim e Veneza, indiretamente mandando uma mensagem de que os lugares há muito tempo acostumados em ser liderados por um cardeal não mais devem se sentir no direito de uma tal honra.
No momento, a geografia do Colégio dos Cardeais é a seguinte:
Europa: 54
América Latina: 16
América do Norte: 15
África: 12
Ásia: 11
Oriente Médio: 2
Caribe: 1
Oceania: 1
Quase dois terços dos cardeais com direito a voto (69) ainda são do norte global, enquanto que dois terços da população católica mundial vivem no sul global.
Bento XVI começou a reduzir este desequilíbrio em seu último consistório, em novembro de 2012, no qual nomeou sete novos cardeais – nenhum dos quais era europeu.
Francisco deu continuidade a este realinhamento em seu primeiro consistório, e provavelmente irá fazer o mesmo em 2015.
Quanto aos candidatos dos EUA, há três prelados de arquidioceses tradicionalmente lideradas por um cardeal que estão, atualmente, alinhados com o atual papado.
São eles: Dom Jose Gomez, de Los Angeles, que assumiu em março de 2011; Dom Charles Chaput, da Filadélfia, que foi nomeado três meses depois, em julho de 2011; e Dom Blase Cupich, de Chicago, nomeado por Francisco em setembro de 2014 e instalado em novembro.
(A Arquidiocese de Baltimore costumava estar nesta lista, porém o seu último líder, Dom Edwin O’Brien, não foi feito cardeal até vir para Roma, e muitos analistas acreditam que ela, provavelmente, não está mais entre as arquidioceses que automaticamente recebem solidéus.)
Francisco poderia deixar de lado toda e qualquer nomeação para os EUA, citando a tradição segundo a qual um novo cardeal não é nomeado para uma arquidiocese enquanto o seu cardeal emérito tem menos de 80 ano. (O motivo é que seria estranho se uma arquidiocese tivesse dois votos numa eleição papal.)
Em Los Angeles, o cardeal emérito Roger Mahony está com 79; em Chicago, o cardeal Francis George está com 77.
No entanto, Francisco já demonstrou um desejo de romper com os protocolos. Assim, a pergunta que poderia ser feita é por que ele escolheu não romper neste caso. Além disso, Rigali completa 80 anos em fevereiro, e George está com problemas de saúde. Portanto, haveria uma lógica clara para se pôr de lado a tradição, ao menos nestes dois casos.
Independentemente do que o papa faça, muitos americanos estarão tentados a interpretar o caso como uma mensagem nos seguintes sentidos: se o solidéu for para Gomez, a nomeação será vista como sendo o primeiro papa latino-americano da história criando o primeiro cardeal hispânico nos EUA, dando, pois, uma saída à população católica latina no país.
Se o solidéu for para Chaput, o movimento será interpretado como um sinal de confiança diante da viagem do papa à Filadélfia no próximo mês de setembro para o Encontro Mundial das Famílias.
Esta nomeação seria provavelmente vista como uma refutação indireta às percepções de um tal “racha” entre o “progressista” Francisco e o “conservador” Chaput, bem como à ideia de que o pontífice está conduzindo uma limpeza ideológica nos altos escalões da Igreja.
Se for Cupich, a percepção poderá ser a de que Francisco está agindo rapidamente para se assegurar de que os seus aliados, escolhidos a dedo, ocupem os mais altos cargos da Igreja. Os críticos vão poder trazer à tona algumas acusações que estiveram bastante presentes na era do Papa João Paulo II, embora numa direção ideológica diferente, ou seja: a de que o papa está “reorganizando as cartas” no Colégio dos Cardeais.
Se os EUA não tiverem nenhum cardeal criado neste consistório, poder-se-á ver o caso como uma afronta à sua visita ao país em 2015. Por outro lado, poder-se-ia interpretar também como uma lição para os americanos, sobre como viver numa igreja global.
O “fator x” de tudo isso é a predileção do papa em escolher lugares que, tradicionalmente, foram ignorados.
San Bernardino, na Califórnia, por exemplo, tem hoje uma população católica de 1.6 milhão, que é maior do que duas arquidioceses do país atualmente liderada por cardeais (Washington, D.C., e Houston), sem mencionar que é maior do que a Arquidiocese da Filadélfia. San Bernardino sequer tem, hoje, um arcebispo.
Um caso semelhante poderia ser o de Dallas, que tem uma população católica de 1.2 milhão e que cresce a cada dia.
Não é preciso dizer que inexiste problema algum em se ter cardeais eméritos ainda abaixo dos 80 anos em tais lugares.
Se Francisco realmente quer marcar uma “Igreja das periferias”, ele poderia fazer algo ainda mais interessante: por exemplo, premiando com um solidéu Anchorage, no Alaska, de longe a menor arquidiocese dos EUA com menos de 28 mil católicos, e certamente nas margens – no sentido geográfico.
Francisco já se mostrou ser um papa de surpresas. Isto faz o iminente anúncio de quem serão os escolhidos ser matéria para muitas especulações. Este anúncio provavelmente será feito em meados de janeiro, antes ou depois de sua viagem ao Sri Lanka e às Filipinas, em 12 a 19 de janeiro.
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Com o Papa Francisco nomeando novos cardeais em fevereiro, o que estará em jogo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU