Primo Levi e os alemães: "Ele tentou entendê-los durante toda a sua vida"

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18 Janeiro 2017

“Primo Levi e os alemães” é o título da conferência que Martina Mengoni, pesquisadora da Scuola Normale de Pisa, realizará nesta quarta-feira, 18 de janeiro, às 17h30, na Sala de Representação da prefeitura de Bolzano. A palestra é promovida pelo Centro International de Estudos Primo Levi de Turim, é realizada todos os anos em Turim no fim de outubro e é repetida em outras cidades: Milão, Roma e, neste ano, também Bolzano.

A reportagem é de Giovanni Accardo e Valentina Mignolli, publicada no jornal Trentino, 15-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Com o passar dos anos, a voz do Primo Levi testemunha, escritor, homem de ciência, intelectual do seu e do nosso tempo, graças à pacata clareza das suas palavras, tornou-se uma referência indispensável e uma presença plenamente reconhecida em nível internacional. Martina Mengoni, na sua conferência, irá contar muitas tentativas feitas por Levi ao longo dos anos para compreender aqueles alemães que se mancharam, em primeira pessoa, com os crimes de Auschwitz ou dos inúmeros outros que permaneceram “surdos, cegos e mudos” diante do horror.

Será esse relato que irá alinhar, ao lado de datas precisas, os fatos concretos de um esforço constante. Começando pelo contrato assinado em 1959 com a editora Fischer Verlag para a publicação na Alemanha da primeira edição em alemão de “É isto um homem”. E, depois, o lançamento do livro em 1961, destinado a despertar em inúmeros leitores o impulso de comunicarem ao escritor as suas sensações e as suas reflexões posteriores.

“Cartas de alemães” é o título do último capítulo de “Os submersos e os salvos”, que, em 1986, daria conta de um diálogo difícil e dolorosamente inacabado. Nesta entrevista, Martina Mengoni antecipa alguns dos temas sobre os quais irá falar.

Eis a entrevista.

No livro mais importante de Primo Levi, “É isto um homem”, não se encontram expressões de ódio contra os alemães nem desejo de vingança. Isso significa que ele tinha perdoado os alemães?

Quando Jean Améry (intelectual judeu austríaco, ex-prisioneiro de Auschwitz, com o qual Levi entrou em contato na segunda metade dos anos 1960) definiu Levi de “perdoador”, Levi disse que não se tratava de uma ofensa, mas de uma imprecisão. O perdão é uma categoria moral, que, como judeu, não podia lhe pertencer. Se Levi não sentia desejo de vingança, era porque, nele, prevalecia a curiosidade, e o desejo naturalista de compreensão era mais importante, eu acho, do que o moral. Muitos dos equívocos ligados ao chamado conceito de “zona cinzenta” ocorreram porque não se levou em conta o fato de que a zona cinzenta não é um círculo de pecadores, mas sim uma área de análise histórica e social.

Depois da experiência de Auschwitz, o diálogo entre Levi e os alemães pôde recomeçar. Tomou forma no encontro com o seu tradutor, com os leitores da edição alemã de “É isto um homem”, nos debates diretos com pessoas envolvidas nos fatos da época. O que essas experiências nos revelam?

De uma maneira muito esquemática, pode-se dizer que Levi nunca abandonou esse diálogo, mas que, ao contrário, buscou-o, de várias maneiras, por toda a sua vida. Isso confirma algumas constantes da personalidade e da índole de Levi: a sua curiosidade, os seus dotes de relação, a sua disposição ao diálogo mesmo quando isso envolvia uma dose extra de inquietação e tormento, a sua capacidade de habitar corpos alheios, a sua autonomia de julgamento não só em relação ao espírito dos tempos, mas também aos círculos de amizade mais restritos. Acima de tudo, porém, o diálogo com os alemães é decisivo por causa da influência que teve sobre a obra de Levi no seu conjunto: sobre “Sistema periodico”, sobre “Lilìt e altri racconti”, sobre “Os submersos e os salvos”. São os três momentos, diferentes entre si, mas igualmente cruciais, de uma nova fase da escrita de Levi que se destaca de “É isto um homem”, em termos de abordagem vocal e autoral, de pesquisa estilística, de representação autobiográfica.

Em uma carta de 1960 ao seu tradutor, Levi fala de “vazio doloroso”, “estímulo permanente que pede para ser satisfeito”, referindo-se ao seu desejo de entender os alemães: “Eu estou vivo e gostaria de lhes entender para julgá-los”, escreve. Ele conseguiu entender o seu “inimigo”?

Se, por entender, compreende-se uma ação pontual e definitiva, então não, Primo Levi nunca entendeu os alemães. Tentar entender os alemães, ao contrário, foi uma ação constante, perpétua, à qual ele se dedicou durante boa parte da vida, a partir do fim dos anos 1950 e até sua morte. Mesmo em meados dos anos 1980, quando estavam em curso as negociações para uma tradução de “É isto um homem” na Alemanha Oriental, Levi se declarou disposto a eliminar algumas frases do seu livro se isso pudesse facilitar a sua publicação (o Comitê Antifascista da RDA, por fim, não deu a autorização).

Foram dois os interlocutores, opostos e especulares, em relação aos quais Levi manifestou um interesse e uma dedicação constantes: os alemães e os estudantes. Entender os alemães foi um exercício e uma provocação contínua, que nunca se esgotou, e talvez fosse até inesgotável. Levi, além disso, dificilmente formula verdades definitivas; ao contrário, privilegia a análise em relação à síntese, disseca a realidade em busca da gradualidades e de nuances, quase nunca formula proposições gerais. Além disso, é fundamental especificar que os alemães, para Levi, nunca foram um universal abstrato, mas sempre se encarnaram em interlocutores concretos, específicos, muito diferentes entre si, com os quais buscou um contato e estabeleceu um vínculo.

Qual é o ensinamento que podemos tirar da leitura das suas obras?

Levi não gostava que se fosse em busca de ensinamentos e de mensagens na sua obra. Por exemplo, “Os submersos e os salvos”, embora sendo o seu livro mais comprometido, é muitas vezes aporético, não é um livro temático; se buscarmos respostas nele, geralmente ficamos decepcionados. Ele poderia ser mais bem definido, como fez Anna Bravo, como uma sinalética de problemas e questões que ainda hoje nos dizem respeito, à distância de anos. Para os jovens, além disso, Levi é uma voz indispensável, eu diria, porque possui, junto com o poder argumentativo e literário, algumas características com as quais eles estão pouco acostumados: serenidade, understatement, autoironia.

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