13 Agosto 2021
“As inundações na Alemanha, os incêndios na Turquia, Grécia e Itália são a prova de que a situação é grave. A ação deve ser tomada imediatamente. Como diz o relatório do IPCC, esta é a década em que devemos tomar todas as medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, em particular o dióxido de carbono”.
Os cientistas falam claro, não há mais rodeios. Luca Fiorani, físico e divulgador científico especialmente em questões ambientais, professor de desenvolvimento sustentável do Instituto Universitário Sophia, vai direto ao ponto, apoiando o alarme lançado ontem pelo relatório do Grupo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC).
“Infelizmente - diz ele – o quadro é bastante claro. Nossos modelos de previsão são cada vez mais precisos: se continuarmos assim, no final do século, a temperatura poderá aumentar até cerca de 5 graus centígrados. É um cenário devastador, de ondas de calor contínuas que irão favorecer secas e incêndios em algumas partes do globo e eventos climáticos extremos cada vez mais fortes e destrutivos em outras”.
O alarme dos cientistas é lançado na aproximação da COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (a 26ª Conferência da ONU sobre o tema) que se realizará na cidade de Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro próximo.
A entrevista é editada por Maria Chiara Biagioni, publicada por Agência SIR, 10-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
O que a comunidade científica espera dos líderes políticos?
A COP26 é um momento decisivo. Temos um acordo importante que é o Acordo de Paris. Agora precisamos agir. No entanto, gostaria de dar uma palavra de esperança: o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente chinês Xi Jinping, parecem determinados a se tornarem líderes de um movimento de nações que estão seriamente comprometidas e também a União Europeia parece seriamente empenhada nessa direção.
Na COP26, é esperado que o Papa Francisco, que com a sua Laudato si’ propõe uma ecologia integral. Do ponto de vista "científico", qual a importância desses movimentos de pensamento em favor do meio ambiente?
O Papa Francisco provavelmente desempenhou um papel muito importante ao pressionar as nações a adotarem o Acordo de Paris. Certamente sua palavra é esperada, assim como são esperados todos os incentivos de todas as pessoas, crentes e não crentes, que pedem uma transição ecológica. Nesta frente, posso citar o empenho do patriarca ecumênico Bartolomeu I, mas também das ações de Greta Thunberg. Todas são figuras que estão mobilizando as consciências. Em especial, Greta conseguiu atrair a atenção do mundo para o planeta e fazer em pouco tempo o que por décadas acadêmicos e especialistas não conseguiram obter.
Mesmo assim, ainda existem pessoas que acreditam que o problema do clima não existe, que negam as evidências científicas. Como você explica o fenômeno do negacionismo?
Acredito que em sua base esteja presente uma falta de confiança nas instituições. É verdade que, às vezes, as instituições mostram que não são transparentes e algumas pessoas perderam a fé nos dados oficiais. Mas os números oficiais são incontestáveis. Agora não temos mais nenhuma dúvida de que é o ser humano que está provocando essas últimas mudanças climáticas. É verdade que a temperatura do planeta sempre mudou, mas em poucas décadas estamos causando transformações que normalmente ocorrem ao longo de milhões de anos. Então, vamos pensar no que significa para os animais e as plantas se adaptarem a mudanças tão radicais em poucas décadas.
O que favorece uma transição ecológica do ponto de vista político e econômico?
Existem vários fatores. Certamente o impulso de baixo para cima dos grandes movimentos de opinião favorecidos pela ação de figuras importantes como o Papa Francisco e toda aquela galáxia de pessoas e movimentos que impulsionam para essa transição. Os governos estão percebendo que a transição ecológica é um negócio. Já o Relatório Stern (que teorizou uma redução no PIB global de um ponto percentual devido a eventos climáticos extremos, ndr) convenceu o governo britânico de que os efeitos negativos das mudanças climáticas custam mais do que os custos necessários hoje para combatê-las. Hoje está cada vez mais claro que a promoção de tecnologias verdes aumenta os empregos e pode representar uma oportunidade de negócio. Não é por acaso que grandes empresas, inclusive petrolíferas, estão se movendo em direção a recursos energéticos renováveis.
Você é o autor de um livro (publicado pela Città Nuova) Happy planet: guida ai grandi temi dell’ambiente. O que o faz acreditar que, em vez de se autodestruir, o planeta Terra possa rumar para um destino “feliz”?
Existem muitos sinais positivos. Parece que a maioria dos países líderes está tomando decisões sérias, convergindo para reduzir as emissões em 50% até 2030 e zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050. Isso deveria nos levar ao fato de que a temperatura do planeta não aumentaria mais que 1,5 / 2 graus. O próprio Papa Francisco conclui a encíclica Laudato si' com esta frase: “Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança”.
Concluo meu livro com uma proposta: a sustentabilidade relacional. Estou convencido de que só todos juntos, por meio de relações construtivas entre pessoas, entre sociedades, entre nações, entre pessoas e natureza, seremos capazes de alcançar um sistema de sustentabilidade, para não destruir mais recursos do que o planeta está em condições de reconstruir, para não poluir mais do que o planeta é capaz de absorver em poluição.
Leia mais
- Aquecimento global deve causar aumento generalizado da temperatura no Brasil, indica IPCC
- O IPCC apenas confirma o que a natureza já avisava
- Líderes e ativistas ecoam grave alerta do IPCC sobre o clima
- Relatório IPCC. “Estamos convencidos de que esses dados são inequívocos”
- IPCC relata que as mudanças climáticas são reais – Conheça as principais conclusões do relatório
- Novo relatório do IPCC é ultimato para governos e empresas
- Relatório do IPCC: mudanças profundas estão em andamento nos oceanos e no gelo da Terra
- Novo Regime Climático: já vivemos mudanças no planeta que podem ser irreversíveis. 6º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC
- IPCC AR6 WGI – Síntese das principais conclusões do relatório
- Mudanças climáticas têm impactos irreversíveis, alerta IPCC
- “O pior está por vir”. O mais intenso relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas alerta para consequências iminentes
- Redução das emissões de metano é oportunidade-chave na luta contra o clima
- Nova métrica estima que mais emissões de carbono matarão mais pessoas
- Recuperação na Europa tem demanda energética em alta e emissões em queda
- Emissões de CO2 terão recorde em 2023, aponta relatório
- O desafio verde da Europa: “Chega de emissões até 2050”
- Como passar da transição para a conversão ecológica
- Do consumismo à fraternidade. A transição ecológica pressupõe um novo pacto social
- Transição ecológica. Duas palavras não bastam. Artigo de Carlo Petrini
- “A transição ecológica é a esperança. Ou ela é solidária ou não acontece”. Entrevista com Nicolas Hulot
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Essa é uma estrada sem saída - Instituto Humanitas Unisinos - IHU