“Os brasileiros acham que o país está uma bagunça. Busca por ‘ordem’ solidificou Bolsonaro”

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24 Outubro 2018

Maurício Moura, da consultoria Idea Big Data, não crê ser factível a contenção das notícias falsas pela via tecnológica.

A entrevista é de Flávia Marreiro, publicada por El País, 24-10-2018.

Em fevereiro, Mauricio Moura, da consultoria Ideia Big Data, dizia que a eleição deste ano era sobre a indignação, numa espécie de efeito retardado dos grandes protestos de 2013, e que, no segundo turno, Jair Bolsonaro seria o favorito para bater o PT. Agora, a dias da votação decisiva que escolherá o próximo ocupante do Palácio do Planalto, Moura volta a conversar com o El País. Primeiro, aposta que a votação do primeiro turno e a onda conservadora "liberta o eleitorado brasileiro de diversos clichês". "Um deles era a falsa premissa que o eleitor brasileiro teria uma atitude moderada ou de 'centro' perante a atual conjuntura", diz. Afirma ainda que a disseminação de mentiras via WhatsApp chegou a níveis "estratosféricos", mas não crê que o fenômeno pode explicar sozinho o impulso de Bolsonaro na reta final do primeiro turno. Moura, que também fez campanha nos EUA, projeta, em caso de vitória do deputado de extrema direita, a continuação da política de redes sociais, uma radicalização do que Donald Trump já fez nos EUA. Não vê o antipetismo como uma onda duradoura: "Em 2022, a eleição não será mais sobre Lula (depois de muitas) e isso é o caminho para, quem sabe, enterrar esse sentimento antipetista que pautou esse pleito."

Eis a entrevista.

Bolsonaro é favorito no segundo turno sem nem sequer suavizar discursos. Segue prometendo "varrer do mapa" adversários e disse nesta terça querer acabar o "coitadismo" de nordestinos, gays, mulheres e negros. Os clichês sobre a moderação típica do eleitorado brasileiro ficaram ultrapassados?

Essa eleição nos liberta o eleitorado brasileiro de diversos clichês. Um deles era a falsa premissa que o eleitor brasileiro teria uma atitude moderada ou de "centro" perante a atual conjuntura. As pessoas foram às urnas altamente indignadas com a economia (desemprego, perda de renda e consumo), enojadas com a corrupção iluminada pela Operação Lava Jato e amedrontadas pela falta de segurança. Imaginar que essa combinação seria insuficiente para evitar a busca por novas alternativas eleitorais era negar a realidade. Outro clichê repetido exaustivamente foi o chamado "teto de Bolsonaro". A maioria esmagadora das análises errou ao tentar prever um limite de crescimento do candidato do PSL (isso inclusive seguiu ocorrendo no pós-facada). Bolsonaro surfou sozinho no contexto de indignação coletiva e no antipetismo.

Qual são as chaves dessa fortaleza de Bolsonaro?

Acredito que os eleitores perceberam dois ativos no discurso de Bolsonaro (independentemente de concordar ou não com as suas ideias). O primeiro é a autenticidade. Um atributo que faz muito tempo deixou de ser uma qualidade dos políticos tradicionais. O segundo ativo é a sua forma de pregar a "ordem". Os brasileiros, em sua maioria, acham que o país está uma bagunça e portanto precisa de alguém capaz de encarar a desordem. A busca por essa "ordem" solidificou seus votos ao longo do tempo. A cada evento de impunidade (como a absolvição da chapa Dilma-Temer ou a não expulsão de Aécio Neves no Senado) em 2017, o deputado ganhava pontos nas pesquisas. Por último, e mais importante, ele incorporou plenamente o antagonismo ao PT. O sentimento antipetista foi o motor da arrancada final. Ninguém representou melhor esse papel.

Você já dizia em fevereiro que essa era a eleição do WhatsApp. O que ainda pode ser feito para minimizar os efeitos das mentiras disfarçadas de notícias?

Sim, finalmente entramos na era moderna da discussão sobre comunicação política no Brasil. O resultado do primeiro turno enterra a discussão sobre TV x redes sociais. As campanhas modernas entram na rotina das pessoas via telefonia móvel. O hábito das pessoas de acessar Internet em média 30 vezes por dia via celular foi decisivo para que o conteúdo das campanhas passasse essencialmente pelos telefones. O WhatsApp escalou esse processo de forma inédita. Tinha sido assim no México e assim foi no Brasil. A escala também potencializou a disseminação de fake news em níveis estratosféricos. A saída real para isso é de longo prazo e passa essencialmente pela educação dos usuários. A solução está nos receptores e não no controle da oferta de fake news.

O acesso a internet também não vira uma variável central? Bolsonaro apresentou um projeto para garantir que as operadoras deem acesso ilimitado ao WhatsApp, por exemplo, mas analistas dizem que acesso só ao aplicativo limita a capacidade de cotejar informações em outras fontes. Não podemos esperar nenhuma contenção tecnológica?

Não acredito em contenção tecnológica. Agora, no caso da vitória de Bolsonaro, existirá uma nova forma de comunicação presidencial. Assim como na pré-campanha e na campanha, quando o uso das redes sociais (via lives) e WhatsApp foi seu elemento central, tal dinâmica continuará na sua presidência. Isso significa, na prática, que teremos um presidente falando diretamente com os usuários de redes sociais. Sem passar pela imprensa ou mecanismos tradicionais (como a famosa "rede nacional"). Isso já ocorre com o presidente Donald Trump (usuário hiperativo do Twitter) e vai estrear no Brasil com Bolsonaro.

A Folha publicou reportagem em que aponta a existência de um esquema bancado por empresas para fazer campanha anti-PT e favorecer ilegalmente Bolsonaro no WhatsApp. O caso está sob investigação e aplicativo tirou contas do ar. Acha que pode explicar a onda de Bolsonaro na reta final primeiro turno?

Não explica, mas o WhatsApp foi a plataforma de comunicação principal dele. Foi crucial para a sua votação. O que é mais interessante no fenômeno Bolsonaro, comparado com os outros casos latino-americanos (Ivan Duque e Lopez Obrador), é que ele dependia exclusivamente das redes sociais e com isso ficou evidente o protagonismo do WhatsApp.

Outro clichê é segundo turno é nova eleição. Ainda vale? Vê alguma chance para Haddad?

Sim e não. No segundo turno, sempre terá o aspecto novo porque empurra, em tese, os candidatos a buscarem eleitores fora da sua "zona de conforto". Isso implicaria, no caso de Haddad e Bolsonaro, em uma busca por eleitores mais moderados. Todavia, se leva do primeiro uma base instalada de votos e isso é duro de mudar. As viradas, em segundo turno, são raras no Brasil. Bolsonaro é favorito não somente porque teve mais votos no primeiro turno mas pelo fato de ter a narrativa mais simples de executar. O segundo turno é um referendo e nesse caso basta ao deputado explicitar que esse pleito é uma decisão sobre o PT: "Você, eleitor, quer o PT de volta ou não?". Dado o sentimento antipetista, escancarado no primeiro turno, será extremamente duro o PT reverter esse quadro. Isso estava posto desde o ano passado.

Quais são as bases do antipetismo? Você acha que é um fenômeno duradouro? Vemos vários atores políticos fazendo o cálculo de não subir no palanque de Haddad, mesmo com eventuais danos para a biografia por apoiar um candidato de extrema direita...

O antipetismo, em linhas gerais, é reflexo dos seguidos escândalos de corrupção (simbolicamente representado pela Lava Jato) e da péssima administração na economia (segundo avaliação de diversas pesquisas) da ex-presidente Dilma Rousseff. Essa combinação de imagem de corrupção e responsabilidade pelo desemprego nacional foi fatal em 2018. Todavia, acho que o PT continua sendo um partido que representa um segmento relevante da sociedade (vide desempenho no Nordeste). Certamente será uma grande força, se ficar na oposição, e tem tudo para se reinventar num futuro próximo. Ajudará muito se fizer uma autocrítica desse período e seguir um caminho de renovação de quadros. Em 2022, a eleição não será mais sobre Lula (depois de muitas) e isso é o caminho para, quem sabe, enterrar esse sentimento antipetista que pautou esse pleito.

Aconteça o que acontecer, essa é a eleição da insurgência da extrema direita no Brasil. Parte de uma onda global?

Não é uma tema exclusivo de extrema direita. A onda global passa pela desconexão dos partidos tradicionais (que lideram as democracias por décadas) com o cidadão comum. Por isso surgiram movimentos e candidatos de fora da política com sucesso eleitoral em diversas partes do mundo. A Itália (com o Cinco Estrelas), França (com o En Marché), Espanha (com Podemos e Ciudadanos) e Estados Unidos (com o Trump) são alguns exemplos recentes. O Brasil entrou na rota global de privilegiar alternativas aos partidos tradicionais.

O PSDB é um derrotado de 2018. Questionar o resultado de 2014 e participar ativamente do impeachment, ao mesmo tempo que fez vista grossa para seus próprios casos de corrupção, contribuíram para o atual quadro?

Totalmente. O PSDB insistiu em não ouvir plenamente as vozes das ruas. O evento fatal da perda de credibilidade tucana foi não ter expulsado Aécio Neves mesmo diante dos áudios irrefutáveis da JBS. A partir dali se desconectou completamente não somente da opinião pública em geral, mas principalmente com sua própria base de eleitores. Bolsonaro herdou grande parte de órfãos do PSDB. O mapa eleitoral do primeiro turno deixou isso bem evidente.

Por fim, acha que o PT poderia ter evitado essa onda pro-Bolsonaro neste ano, apoiando, por exemplo, o Ciro Gomes?

Ciro Gomes teria certamente sido mais competitivo, porque diminuiria o protagonismo do antipetismo. Porém, dificilmente conteria essa onda indignada do eleitor.

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