Papa Francisco. “Onde é que o nosso povo foi criativo?” Conversa com jesuítas do Chile e do Peru

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19 Fevereiro 2018

Em janeiro passado, durante a sua a viagem apostólica ao Chile e ao Peru, o Papa Francisco reuniu-se com 90 jesuítas em um encontro familiar e cordial que começou com a saudação do Pe. Provincial ao Papa em nome de todos os jesuítas. Dessas conversas são extraídas algumas reflexões e declarações do Papa Francisco.

À pergunta de quais foram as grandes alegrias ou dores que sentiu durante o seu pontificado, o Papa Francisco respondeu dizendo que desde o momento em que se deu conta de que poderia ser eleito Papa, sentiu muita paz. Uma paz que não o deixou até hoje e que sente como puro presente. Também disse que não se pode falar de resistência durante o seu pontificado, mas de reações que nascem de mal-entendidos e que lhe ensinam a examinar melhor o significado das disputas. Falou da importância de aproximar a Igreja das pessoas, de criar vínculos estreitos com as pessoas e do perigo do mundanismo, o pior mal que pode acometer a Igreja, bem como a importância de aprender a descobrir os enganos do mundo.

O Papa destacou a ajuda da Companhia de Jesus durante o seu pontificado, uma relação baseada na colaboração eclesial, dentro do espírito eclesial. Além disso, fez uma diferença entre obras e instituições e manifestou a sua opinião sobre o conceito de “reconciliação”, uma palavra que perdeu todo o seu significado.

Outros temas tratados foram os abusos sexuais, que, nas palavras do Papa, são “a maior desolação que a Igreja está experimentando”. O que a Igreja pede à Companhia é ensinar com humildade a discernir. Um povo que foi capaz de ser criativo na piedade popular.

No final do encontro, o Papa presenteou os jesuítas com uma cruz de prata feita em 1981.

A conversa é transcrita por Antonio Spadaro, S.J., publicada por La Civiltà Cattolica, 15-02-2018. A tradução é de André Langer.

Eis a íntegra do texto.

Na terça-feira, 16 de janeiro de 2018, no final do primeiro dia completo de sua viagem apostólica ao Chile e ao Peru, o Papa Francisco reuniu-se com 90 jesuítas chilenos no Centro Hurtado, em Santiago, às 19h. Ao chegar ao local, pôde ver uma fotografia com a camioneta verde, da Ford, com a qual Santo Alberto levava ajuda aos pobres da cidade: um verdadeiro símbolo de paixão apostólica. O Papa foi acompanhado pelo Provincial, Pe. Cristian del Campo, à capela em que se conservam os restos do jesuíta Santo Alberto Hurtado. [1] Inaugurado em 1995, o santuário guarda o túmulo do santo, um sarcófago em pedra que contém torrões de terra provenientes de cada região do Chile que simbolizam o abraço de todos os fiéis do país.

O padre Provincial saudou o Papa em nome de todos os jesuítas – entre os quais se faziam notar muitos jovens – e perguntou-lhe como estava no Chile e como tinha percebido a acolhida no país. O encontro tornou-se imediatamente muito familiar e cordial. O padre Del Campo apresentou ao Papa os padres Carlos e José Aldunate, dois irmãos com, respectivamente, 101 e 100 anos.

Segue o texto da conversa transcrita e aprovada nesta forma para sua publicação pelo próprio Pontífice.

Antonio Spadaro S.J.

Francisco começou com estas palavras:

Fico feliz em ver o padre Carlos! Ele foi meu diretor espiritual em 1960 durante o meu Juniorado. José era o mestre de noviços naquela época, depois o fizeram provincial... O Carlos era o bedel e era... o rei do bom senso. Aconselhava espiritualmente com muito bom senso. Certa vez, lembro que fui vê-lo porque estava muita raiva de uma pessoa. Queria dizer-lhe quatro frescos, dizer-lhe que isso não estava certo, você é isto e isto... Ele me disse: “Tranquilo... Não convém quebrar as armas de entrada. Procure outras formas...” Esse conselho nunca mais o esqueci, e agradeço-lhe agora por isso. Sim. No Chile, senti-me bem imediatamente. Cheguei ontem. Durante o dia de hoje fui muito bem recebido. Vi muitos gestos de grande carinho. Agora, perguntem o que quiserem.

Um jesuíta se adianta: “Gostaria de lhe perguntar quais foram as grandes alegrias e as grandes dores que você teve durante o seu pontificado”.

O tempo do pontificado tem sido tranquilo. No Conclave, desde o momento em que me dei conta do que estava por vir – uma coisa de repente, surpreendente para mim –, senti muita paz. E essa paz não me deixou até hoje. É um presente do Senhor pelo qual sou grato. E eu realmente espero que não me tire. É uma paz que sinto como puro presente, um puro presente. As coisas que não me tiram a paz, mas que sinto muito, são as fofocas. Para mim, as fofocas doem, elas me deixam triste. Isso acontece muitas vezes em mundos fechados. Quando isso acontece em um contexto de sacerdotes ou religiosos, tenho que perguntar às pessoas: mas como isso é possível? Você que deixou tudo, que decidiu não ter mulher ao lado, não se casou, não teve filhos, quer acabar como um solteirão fofoqueiro? Que vida triste, meu Deus!

Um jesuíta da Província argentino-uruguaia pergunta: “Que resistências você encontrou durante o seu pontificado e como você as viveu e discerniu?”

Nunca, diante da dificuldade, nunca digo que é uma “resistência”. Isso seria faltar ao dever de discernir. É fácil dizer “é resistência” e não dar-se conta de que nessa disputa pode haver, mesmo que seja um pouquinho assim de verdade. E eu me faço ajudar com isso. Muitas vezes eu pergunto a uma pessoa: “O que você acha disso?” Isso também me ajuda a relativizar muitas coisas que, à primeira vista, parecem ser resistência, mas na realidade são uma reação que nasce de um mal-entendido, do fato de que algumas coisas devem ser repetidas, explicadas melhor... Pode ser um defeito meu o fato de que, às vezes, dou como certas algumas coisas ou dou um salto lógico sem explicar bem o processo porque estou convencido de que o outro entendeu o raciocínio que faço. Dou-me conta de que se volto atrás e explico melhor, então o outro diz: “Ah, sim, está bem...”

Ou seja, ajuda-me muito a examinar bem o significado das disputas.

Agora, quando percebo que há resistência real, sofro. Algumas pessoas me dizem que é normal que haja resistências quando alguém quer fazer mudanças. O famoso “sempre foi assim” reina em todos os lugares: “Se sempre foi assim, para que mudar? Se as coisas são assim, se sempre foram assim, para que fazê-las de maneira diferente?” Esta é uma grande tentação que todos nós experimentamos. Por exemplo, todos nós as vivemos no período pós-conciliar. As resistências depois do Concílio Vaticano II, que ainda estão presentes, e levam a relativizar o Concílio, a aguar o Concílio. E me dói mais ainda quando alguém se envolve em uma campanha de resistência. Infelizmente, também vejo isso. Você me perguntou sobre as resistências, e não posso negar que elas existem. Eu as vejo e conheço.

Depois, há as resistências doutrinais, que vocês conhecem melhor do que eu. Para a saúde mental, não leio os sítios de internet desta chamada “resistência”. Sei quem são, conheço os grupos, mas não os leio, simplesmente por questão de saúde mental. Se há algo muito sério, eles me informam, para que eu saiba. Vocês os conhecem... É uma pena, mas acho que temos que seguir em frente. Os historiadores dizem que para que um concílio se enraíze, leva um século. Estamos na metade do caminho.

Às vezes você se pergunta: mas esse homem, essa mulher, leu o Concílio? E há pessoas que não leram o Concílio. E se o leu, não o entendeu. Cinquenta anos depois! Nós estudamos filosofia antes do Concílio, mas tivemos a vantagem de estudar teologia depois. Vivemos a mudança de perspectiva, e já havia os documentos conciliares.

Quando percebo resistências, procuro dialogar, quando o diálogo é possível. Mas algumas resistências provêm de pessoas que acreditam que têm a verdadeira doutrina e acusam você de ser herege. Quando nessas pessoas, pelo que dizem ou escrevem, não encontro bondade espiritual, eu simplesmente rezo por elas. Sinto pena, mas não me detenho nesse sentimento por saúde mental.

Segue a pergunta de um noviço: “Muitos concordam em identificar a Igreja com os bispos e os sacerdotes, e são muito críticos com alguns deles pela maneira como vivem a pobreza, pela restrição à participação das mulheres e o espaço limitado que se dá às minorias... Diante dessa opinião, o que nos propõe para aproximar a Igreja hierárquica, da qual fazemos parte, das pessoas comuns?”

O que eu penso sobre a relação entre bispo e povo de Deus, acabei de dizer aos bispos. Assim que o que penso sobre os bispos está nesse discurso, muito breve, já que tivemos duas reuniões longas no ano passado na visita ad limina. O maior dano que a Igreja na América Latina pode sofrer atualmente é o clericalismo, isto é, não dar-se conta de que a Igreja é todo o santo povo fiel de Deus, que é infalível in credendo, todos juntos. Falo da América Latina porque é a que eu conheço melhor. Há algum tempo escrevi uma carta à Pontifícia Comissão para a América Latina, e hoje voltei ao assunto. Devemos dar-nos conta de que a graça da missionariedade tem a ver com o batismo, não com a ordem sagrada ou com os votos religiosos.

É reconfortante ver que há muitos sacerdotes, religiosos e religiosas que se jogam por completo na opção conciliar de se colocarem a serviço do povo de Deus. E isso deve ser levado em consideração. Mas em alguns, os comportamentos principescos ainda estão em vigor. O povo de Deus deve ter o seu devido lugar.

E podemos pensar a mesma coisa sobre a questão das mulheres. Tive uma experiência particular como bispo de uma diocese: tivemos que tratar um determinado tema, e foi feito uma consulta – evidentemente, apenas entre sacerdotes e bispos – e havíamos feito uma reflexão que nos levou a uma série de pontos sobre os quais deveríamos tomar uma decisão O mesmo assunto, tratado em uma reunião conjunta de homens e mulheres, levou a conclusões muito mais ricas, muito mais viáveis, muito mais fecundas. É uma experiência simples que me vem à mente agora e que me faz pensar. A mulher deve dar à Igreja toda aquela riqueza que von Balthasar chamou de “dimensão mariana”. Sem essa dimensão, a Igreja permanece preguiçosa ou precisa usar muletas e assim caminha mal. Eu penso que nisso há muito que avançar. E repito, como disse hoje aos bispos: “desprincipiar”, estar próximo das pessoas...

O padre Juan Díaz toma a palavra e o Papa o reconhece...

Juanito!

Depois de uma saudação afetuosa, o padre Díaz prossegue: “Francisco, em várias ocasiões e na Evangelii Gaudium, você nos colocou em guarda contra o perigo do mundanismo. Em que aspectos da nossa vida como jesuítas deveríamos estar mais atentos para não cair nessa tentação do mundanismo?

O que me acionou o alarma sobre o mundanismo foi o último capítulo das Meditações sobre a Igreja, de Henri de Lubac. Ele cita aí o beneditino dom Ascar Vonier, que fala do mundanismo como o pior mal que pode acometer a Igreja. Isso despertou em mim o desejo de entender o que é o mundanismo. É claro que Santo Inácio fala dele nos Exercícios, no terceiro exercício da Primeira Semana, onde pede para descobrir os enganos do mundo. O tema do mundanismo está na nossa espiritualidade jesuíta. As três graças que pedimos nessa meditação são o arrependimento dos pecados, isto é, a dor dos pecados, a vergonha e o conhecimento do mundo, do diabo e de suas coisas. Portanto, na nossa espiritualidade, o mundanismo entra como algo a ser levado em consideração e a ser considerado como uma tentação.

Seria superficial afirmar que o mundanismo é levar uma vida muito relaxada e frívola. Estas são apenas consequências. Mundanismo é usar os critérios do mundo e seguir os critérios do mundo e escolher de acordo com os critérios do mundo. Significa fazer discernimento e preferir os critérios do mundo. Portanto, o que temos de nos perguntar é quais são esses critérios do mundo... E é o que Santo Inácio nos faz pedir nesse terceiro exercício. E nos propõe fazer três pedidos: ao Pai, ao Filho e a Nossa Senhora. Que eles nos ajudem a descobrir esses critérios! Cada um, portanto, tem que descobrir o que é mundano em sua própria vida. Uma resposta simples e geral não é suficiente. Em que eu sou mundano? Esta é a verdadeira pergunta. Por exemplo, não sei, um professor de teologia pode se tornar mundano se anda atrás da última coisa que se diz para estar sempre na moda: isso é mundano. Mas há milhares de exemplos. E devemos pedir ao Senhor para não sermos enganados tentando discernir o nosso próprio mundanismo.

Segue outra pergunta: “Santo Padre, você tem sido um homem de reformas. Em que reformas, além da cúria e da Igreja, nós como jesuítas, podemos apoiá-lo melhor?”

Eu acredito que uma das coisas que a Igreja mais necessita hoje, e isso está muito claro nas perspectivas e nos objetivos pastorais da Amoris Laetitia, é o discernimento. Nós estamos acostumados ao “pode ou não pode”. A moral usada na Amoris Laetitia é a mais clássica moral tomista, a de Santo Tomás, não do tomismo decadente como esse que alguns estudaram. Eu também recebi na minha formação essa maneira de pensar “pode ou não pode, até aqui pode, daqui em diante não pode”. Não sei se vocês se lembram (e aqui o Papa olha para um dos presentes) daquele jesuíta colombiano que veio dar moral no Colégio Máximo. Quando chegou a hora de falar sobre o sexto mandamento, alguém se atreveu a perguntar: “os namorados podem se beijar?” Se podiam se beijar! Entendem? E ele respondeu: “Sim, sim, sim. Não há problema! Basta que coloquem um lenço no meio”. Esta é uma forma mentis de fazer teologia em geral. Uma forma mentis baseada no limite. E continuamos tendo que lidar com as consequências desta maneira de fazer teologia.

Se vocês derem uma olhada no panorama das reações suscitadas pela Amoris Laetitia, verão que as críticas mais fortes contra a Exortação são sobre o capítulo oitavo: uma pessoa divorciada “pode ou não pode tomar a comunhão?” E a Amoris Laetitia, ao contrário, vai por um caminho totalmente diferente, não entra nessas distinções e coloca o problema do discernimento. Que já estava na base da moral tomista clássica, grande e verdadeira. Então, a contribuição que eu gostaria de ter da Companhia de Jesus é ajudar a Igreja a crescer no discernimento. Hoje, a Igreja precisa crescer em discernimento. E o Senhor nos deu essa graça de família para discernir. Eu não sei se vocês sabem, mas há uma coisa que eu já disse em outras reuniões como esta com jesuítas: no final do generalato do Ledochowski, a obra máxima da espiritualidade da Companhia era o Epítome. Ali estava regulado tudo o que você tinha que fazer, num texto que misturava a Fórmula do Instituto, as Constituições e as regras. Havia até as regras do cozinheiro. E estava tudo misturado, sem nenhuma hierarquização. Ledochowski era muito amigo do abade geral dos beneditinos e, certa vez em que foi visitá-lo, levou-lhe aquele texto. Pouco tempo depois, o abade entrou em contato com ele e disse: “Padre Geral, com isso você matou a Companhia de Jesus”. E ele tinha razão, porque o Epítome tirava qualquer capacidade de discernimento.

Depois vem a guerra. O padre Jansens teve que dirigir a Companhia no período do pós-guerra, e o fez bem, como podia, porque não era fácil. E depois veio a graça do generalato de Arrupe. Pedro Arrupe, com o Centro Inaciano de Espiritualidade, a revista Christus e o impulso dado aos Exercícios Espirituais, renovou essa graça de família que é o discernimento. Ele revogou o Epítome e voltou às lições dos pais, a Fabro, a Inácio. Nisso devemos reconhecer o papel da revista Christus naquele tempo. E também o papel do padre Luis González com seu centro de espiritualidade: ele percorreu toda a Companhia dando exercícios espirituais. Eles iam abrindo portas, refrescando esse aspecto que atualmente vemos que cresceu muito na Companhia. O que eu lhe diria, lembrando esta história de família, é que houve um momento em que tínhamos perdido – ou não sei se tínhamos perdido, mas, digamos, não se usava muito – o sentido do discernimento. Hoje, deve ser dado – devemos dá-lo! – à Igreja, que tanto precisa dele.

A última pergunta é de um teólogo da Província do Peru: “Uma pergunta sobre a colaboração: qual é a ajuda que a Companhia está dando no seu pontificado? De que maneira está se dando essa colaboração? Como tem sido a sua relação com a Companhia?”

Desde o segundo dia depois da minha eleição! Adolfo Nicolás veio ao meu quarto em Santa Marta... Aí começou a colaboração. Ele veio me saudar, eu ainda estava no quartinho em que estava durante o Conclave, em Santa Marta – não o que tenho agora – e conversamos ali por algum tempo... E os gerais, os dois, Adolfo e agora Arturo, os dois apostam fortemente nisso. Eu penso que sobre este ponto... está aqui o padre Spadaro...

Spadaro: Estou aqui.

Está na popular... Acredito que ele foi testemunha desde o primeiro momento dessa relação com a Companhia. A disponibilidade é total. E, além disso, com inteligência, como, por exemplo, sobre a doutrina da fé: realmente muito apoio. Mas ninguém pode acusar o atual pontificado de “jesuitismo”. Digo isso e acredito que sou honesto ao dizê-lo. Trata-se de uma colaboração eclesial, dentro do espírito eclesial. É um sentir com a Igreja e na Igreja no respeito ao carisma da Companhia. Os documentos da última Congregação Geral não necessitaram de aprovação pontifícia. Eu não considerei que fosse necessário, porque a Companhia é adulta. E se desse um fora... a crítica logo viria e depois se veria o que fazer. Penso que essa é a maneira de colaborar.

Bem, eu agradeço muito... e quero dizer-lhes uma coisa muito importante, fazer-lhes uma recomendação: a conta de consciência! Para os jesuítas é uma joia, uma graça de família... Por favor: não a deixem de lado!

O encontro privado começou com naturalidade na esplanada do santuário onde se encontrava um grupo de pessoas que são beneficiadas pelos programas de solidariedade da Igreja, representantes de trabalhadores, estudantes, idosos, pessoas em situação de rua e migrantes. Em sua saudação, o capelão geral do Hogar de Cristo, o padre jesuíta Pablo Walker, disse: “Querido Papa Francisco, a mesa está posta e lhe damos as boas-vindas. Há anos, convidamos você para comer e beber conosco e esse dia chegou”. Lembrando que “comer é um milagre”, o capelão pediu ao Papa que abençoe as “sopaipillas” preparadas pela sra. Sonia Castro e sua filha, Isabel Reinal. O Papa pronunciou a oração de bênção: “O Senhor abençoe estes alimentos que compartilhamos, que foram preparados por vocês, abençoe as mãos daqueles que os produziram, as mãos daqueles que os distribuíram e as mãos que os recebem. Que o Senhor abençoe os corações de todos nós e que esta partilha nos ensine a compartilhar o caminho e a vida e, um dia, a compartilhar o paraíso. Amém”. Após receber como presente uma Bíblia do Povo de Deus e ter oferecido ao santuário um quadro de Jesus Misericordioso pintado por Terezia Sedlakova, todos os participantes rezaram o Pai-Nosso. Na sequência, o Pontífice deu a sua bênção.

***

No final do seu primeiro dia no Peru, em 19 de janeiro de 2018, após a visita de cortesia ao presidente Pablo Kuczynski, o Papa foi à igreja de São Pedro, dirigida pelos padres jesuítas. A igreja foi construída a partir do século XVI pela Companhia de Jesus e é considerada um dos mais importantes complexos religiosos do Centro Histórico de Lima. É também o Santuário Nacional do Sagrado Coração de Jesus. A planta evoca a da Igreja do Gesù, em Roma. A fachada é de estilo neoclássico e tem três portas de acesso. Imponentes são os campanários neoclássicos. O interior é ricamente decorado em estilo barroco e bem iluminado pela luz solar. Sob as três naves avistam-se 10 capelas. São Pedro é considerada uma das igrejas mais belas do Peru.

Francisco foi recebido pelo Provincial, Pe. Juan Carlos Morante, e pelo Superior local, Pe. José Enrique Rodríguez, na entrada da Capela da Penitenciária. Atravessando a nave do lado esquerdo da igreja, o Papa chegou à sacristia, onde estavam reunidos cerca de cem jesuítas. O padre Morante agradeceu a Francisco sua visita e falou sobre o compromisso da Companhia com a evangelização dos povos indígenas e com a educação, citando os padres Alonso de Barzana (1528-1598), Francisco del Castillo (1615-1673), Antonio Ruiz de Montoya (1585-1652) e outros. Falou sobre as novas perspectivas do Concílio Vaticano II e os novos desafios: a opção preferencial pelos pobres, os exercícios espirituais, a colaboração com os leigos e os novos desafios apostólicos que exigem um novo discernimento apostólico. Em seguida, o Papa tomou a palavra. O texto da conversa aqui transcrita foi aprovado nesta forma pelo Pontífice para publicação.

Francisco saudou os presentes com essas palavras:

Boa tarde... Obrigado. Vamos começar a nossa conversa para não perder tempo. Vocês prepararam algumas perguntas... Com toda a liberdade...

A primeira pergunta: “Os jesuítas do Peru, desde sempre, mas especialmente agora, estão comprometidos com as questões relacionadas à reconciliação e à justiça. Agora, parece que as forças políticas chegaram inesperadamente a um acordo, e a reconciliação aparece como um chamado para todos. Propõe-se a nós uma reconciliação sem que tenha havido um processo. Minha pergunta é: viver com que atitude, que elementos levar em consideração quando queremos uma reconciliação? Sentimos que a palavra “reconciliação” foi manipulada, e sentimos que está sendo proposta uma justiça que não foi bem preparada. O que pensa sobre isso?”

Obrigado. A palavra “reconciliação” não é apenas manipulada: está queimada. Atualmente – não apenas aqui, mas também em outros países da América Latina –, a palavra reconciliação foi enfraquecida. Quando São Paulo descreve a reconciliação de todos nós com Deus, em Cristo, quer usar uma palavra forte. Hoje, entretanto, a “reconciliação” tornou-se uma palavra qualquer. Ela foi enfraquecida, e isso não apenas em seu conteúdo religioso, mas também no seu conteúdo humano, esse que se compartilha quando se olha nos olhos. Hoje, negocia-se debaixo dos panos.

Eu diria que não devemos tocar o circo, mas também não chutá-lo. Devemos dizer aos que usam a reconciliação em seu sentido enfraquecido: usem-na vocês, nós não vamos usar uma palavra que hoje está queimada. Mas devemos continuar trabalhando para procurar reconciliar as pessoas. A partir de baixo, dos lados, com uma boa palavra, com uma visita, com um curso que ajude a compreender, com a arma da oração, que é a que nos vai dar força e fazer milagres, mas acima de tudo com a arma humana da persuasão, que é humilde. A persuasão age assim: com humildade.

Eu proponho isso: ir ao encontro do adversário, expor nossas razões quando for dada a oportunidade... A persuasão! Sobre a reconciliação que atualmente se propõe – não quero tocar a fundo e entrar em detalhes do problema peruano porque não o conheço, mas me fio nas suas palavras e, dado que, como lhe dizia, esse fenômeno também ocorre em outros países da América Latina – posso dizer-lhe que não se trata de uma verdadeira reconciliação, profunda, mas de uma negociação. E está bem: a arte da liderança política implica também a capacidade de negociar. O problema está no que se negocia quando se negocia. Se entre a pilha de coisas que você leva para negociar estão os seus interesses pessoais, então já é... Não podemos sequer falar de negociação. É outra coisa...

Então, em vez de falar de reconciliação, é melhor falar de “esperança”. Procurem uma palavra que não seja um cavalo de batalha mesquinho, usado sem seu pleno significado. Quero repeti-lo: não conheço em profundidade a situação do Peru, me fio nas suas palavras, mas é um fenômeno de vários países da América Latina, por isso posso falar assim.

Segue esta pergunta: “Santo Padre, a nossa Província tem diminuído em número, há pessoas que estão avançando em idade, há jovens que vão assumindo novas responsabilidades... Nós ainda temos muitas instituições. A situação não é das mais fáceis... Como nos animaria? Como nos convidaria a continuar fortalecendo a nossa vocação de seguir Jesus, de viver na Companhia de Jesus em meio a essas circunstâncias que, às vezes, podem nos desanimar? Como não nos tornamos amargos, ressentidos, mas viver essas coisas com alegria? O que dizer àqueles que vão avançando na idade e vendo que aqueles que estão vindo atrás são menos, que conseguirão tocar com as mesmas forças as obras do passado? O que dizer aos mais jovens que encontraram situações de dificuldade em seu entorno?”

Você disse que temos muitas “instituições”. Eu me atrevo a corrigir-lhe a palavra: temos muitas “obras”. Devemos fazer uma distinção entre obras e instituições. O aspecto institucional é essencial na Companhia. Mas nem todas as obras são instituições. Talvez o foram, mas o tempo fez com que deixassem de ser instituições. Devemos discernir entre o que é hoje uma instituição “que engaja, que dá força, que promete, que é profética, e o que é uma obra, que sim, foi uma instituição em um determinado momento, mas que agora parece que deixou de ser. E então fazer o de sempre: um discernimento pastoral e comunitário.

O padre Arrupe insistia nisso. É preciso fazer a seleção das obras com este critério: que sejam instituições, no sentido inaciano da palavra, isto é, que engajem as pessoas, que respondam às demandas de hoje. E isso exige que a comunidade seja posta em estado de discernimento. Esse seja, talvez, o desafio que vocês têm...

Considerando esta diminuição de jovens e de forças, se poderia mergulhar em uma desolação institucional. Não, isso não podemos permitir. A Companhia de Jesus passou por um período de desolação institucional durante o generalato do padre Ricci, que acabou preso no Castelo Santo Ângelo. [2] As cartas que o Padre Ricci escreveu à Companhia naquela época são uma maravilha de critérios de discernimento, critérios de ação para não se deixar afetar pela desolação institucional. A desolação o joga para baixo, é um cobertor molhado que jogam sobre você para ver como se liberta dele e o leva à amargura, à desilusão... É o discurso pós-triunfalista de Emaús: “nós esperávamos...”, o que também nós dizemos, por exemplo, quando usamos expressões como “a gloriosa Companhia era outra coisa”, “a cavalaria ligeira da Igreja... agora, ao contrário...” E outras coisas do gênero.

O Espírito da desolação marca profundamente. Eu aconselho vocês a lerem as cartas do padre Ricci. Mais tarde, o padre Roothaan [3] passou por outro período de desolação da Companhia devido à maçonaria, mas não tão forte como a de Ricci, que terminou na supressão [da Companhia de Jesus]. Houve alguns outros períodos como esses na história da Companhia.

Por outro lado, devemos buscar os pais, os pais da institucionalização da Companhia: claro, Inácio, Fabro. Aqui podemos falar do padre Barzana. [4] Fiquei encantado com o Barzana: quando ele estava em Santiago del Estero, na Argentina, ele falava doze línguas indígenas. Era chamado de Francisco Xavier das Índias Ocidentais. E aquele homem, aí, no deserto, semeou a fé, fundou a fé. Dizem que ele era de origem hebraica e que seu sobrenome era Bar Shana. É bom olhar esses homens que foram capazes de institucionalizar e que não se deixaram desolar. Pergunto-me se Xavier, diante do fracasso de olhar para a China e não poder entrar, estava desolado. Não, eu imagino que Xavier se dirige ao Senhor dizendo: “Vós não o quereis, então, tchau, está bem assim”. Escolheu seguir o caminho que lhe foi proposto, e, nesse caso, foi a morte!... Mas está bem!

A desolação: não devemos permitir que ela entre em jogo. Pelo contrário, devemos procurar os jesuítas consolados. Não sei, não quero dar conselhos, mas... busquem sempre a consolação. Procurem-na sempre. Como pedra de toque do estado espiritual de vocês.

Como Xavier às portas da China, olhem sempre para frente... Deus sabe! Mas que o sorriso do coração não se manche. Não sei, não me ocorre dar-lhes receitas. Temos necessidade do discernimento dos ministérios e das instituições em um clima de consolação. Leiam, portanto, as cartas do padre Lorenzo Ricci. É maravilhoso ver como ele sempre quis escolher a consolação no momento de maior desolação que a Companhia teve, quando sabia que os tribunais europeus estavam prestes a dar o golpe de misericórdia na Companhia.

Gostaria que nos pudesse dizer algumas palavras sobre um assunto que produz muita desolação na Igreja e especialmente entre os religiosos e o clero: é o tema dos abusos sexuais. Somos muito marcados por esses escândalos. O que pode nos dizer sobre este assunto? Uma palavra de encorajamento.

Ontem falei sobre isso aos sacerdotes e religiosos chilenos na catedral de Santiago. É a maior desolação que a Igreja está atravessando.

E isso nos leva a passar vergonha, mas devemos lembrar que a vergonha também é uma graça muito inaciana, algo que Santo Inácio nos faz pedir nos três colóquios da Primeira Semana [dos Exercícios Espirituais]. Dessa maneira, devemos tomá-la como graça e ficar profundamente envergonhados. Devemos amar uma Igreja com chagas. Muitas chagas...

Eu lhe conto um fato. Dia 24 de março, na Argentina, é a memória do golpe de Estado militar, da ditadura, dos desaparecidos... E, a cada 24 de março, a Praça de Maio se enche de pessoas que querem fazer a memória desse acontecimento. Em um desses 24 de março, saí da sede da Arquidiocese e fui ouvir as confissões das irmãs carmelitas. Quando voltava, peguei o metrô e não desci na Praça de Maio, mas seis quadras antes. A praça estava lotada... e andei essas quadras para entrar pelo lado. Quando eu estava atravessando a rua, havia um casal com uma criança de dois e meio ou três anos, mais ou menos. O menino se adianta em relação aos pais e o pai lhe diz: “Venha, venha, venha... Cuidado com os pedófilos!” A vergonha que eu passei! Eles não perceberam que eu era o arcebispo, era padre e... que vergonha!

Às vezes, há coisas que são ditas como “recurso de consolo” e alguns até dizem: “Bem, veja as estatísticas... Não sei... 70% dos pedófilos são do ambiente familiar, próximos. Depois, nos clubes, nas piscinas. A porcentagem de pedófilos que são sacerdotes não chega a 2%, é de 1,6%. Não é para tanto...” Mas é terrível, mesmo se fosse apenas um desses nossos irmãos! Porque Deus ungiu-o para abençoar as crianças e os adultos e ele, em vez de abençoá-los, destruiu-os. É horrível. Vocês deveriam ouvir o que sente um abusado ou uma abusada. Nas sextas-feiras, às vezes se torna público, outras vezes não, costumo me encontrar com alguns deles. No Chile, tive um encontro. Porque seu processo é tão difícil, ficam arrasados. Ficam destruídos.

Para a Igreja é uma grande humilhação. Isso mostra não apenas a nossa fragilidade, mas também – vamos dizer isso claramente – o nosso nível de hipocrisia.

Em relação aos casos de corrupção no sentido dos abusos mais do tipo institucional, é chamativo o fato de que existem várias congregações, relativamente novas, cujos fundadores caíram nesses abusos. Os casos são públicos. O Papa Bento XVI teve que suprimir uma grande congregação de varões. O fundador tinha semeado esses costumes. Era uma congregação que também tinha seu ramo feminino e a fundadora também tinha semeado esses costumes. Ele abusava de religiosos jovens e imaturos. Bento começou o processo do ramo feminino. Eu tive que suprimi-lo. Vocês, aqui, têm muitos casos dolorosos. Mas o engraçado é que o abuso afetou algumas congregações novas e bem-sucedidas.

Os abusos nessas congregações são sempre fruto de uma mentalidade ligada ao poder que deve ser sanado em suas raízes malignas. E acrescento que existem três níveis de abusos que andam juntos: abusos de autoridade – com o que significa misturar os foros interno e externo –, abusos sexuais e fraudes econômicas.

O dinheiro sempre está no meio: o diabo entra pelo bolso. Inácio põe o primeiro degrau das tentações do demônio na riqueza... Depois vem a vaidade e a soberba, mas a primeira é a riqueza. Em novas congregações que caíram neste problema dos abusos, muitas vezes os três níveis acontecem simultaneamente.

Perdoando-me a falta de humildade, sugiro que leia o que eu disse aos chilenos, que foi mais pensado e mais ruminado do que o que agora posso dizer espontaneamente.

“Ajude-nos neste processo de discernimento, que é da Companhia universal. O padre Sosa nos chama para pensar sobre os rumos que a Companhia precisa tomar nestes tempos, considerando nossas fraquezas e fortalezas. Você tem uma visão universal, você nos conhece bem, sabe o que poderíamos contribuir para a Igreja universal. Poderia nos ajudar, dizendo, por exemplo, como está vendo que o Espírito move a Igreja agora para o futuro. Por onde deveríamos que seguir os caminhos do Espírito, como jesuítas, ali onde estivermos – e não apenas na Província do Peru –, para continuar a estar a seu serviço. Algumas linhas que poderiam se tornar parte do nosso programa...”

Obrigado. Respondo com uma palavra. Pode parecer que não digo nada e, em vez disso, digo tudo. E esta palavra é “Concílio”. Peguem o Concílio Vaticano II. Releiam a Lumen Gentium. Ontem, com os bispos chilenos – ou anteontem, não sei que dia é hoje –, exortava-os à desclericalização. Se há uma coisa muito clara, é a consciência do santo povo fiel de Deus, infalível in credendo, como nos ensina o Concílio. O povo de Deus é quem leva a Igreja adiante. A graça da missionariedade e do anúncio de Jesus Cristo nos é dada pelo batismo. A partir daí podemos avançar.

Não devemos esquecer que a evangelização é feita pela Igreja como povo de Deus. O Senhor quer uma Igreja evangelizadora, vejo isso claramente. Foi o que me brotou dizer do coração e com simplicidade, nos poucos minutos que falei nas congregações gerais antes do Conclave. Uma Igreja que vai para fora, uma Igreja que sai para anunciar Jesus Cristo. Depois, ou no mesmo momento que o adora e se enche com Ele. Eu sempre uso um exemplo ligado ao Apocalipse, onde lemos: “Estou à porta e bato. Se alguém me abrir, eu entrarei”. O Senhor está fora e quer entrar. Às vezes, no entanto, o Senhor está dentro e bate para que o deixemos sair! Para nós, o Senhor está pedindo para que sejamos Igreja fora, Igreja em saída. Igreja lá fora. Igreja hospital de campanha... Ah, as feridas do povo de Deus! Às vezes, o povo de Deus é ferido por uma catequese rígida e moralista, do “pode ou não pode”, ou por uma falta de testemunho. Uma Igreja pobre e para os pobres! Os pobres não são uma fórmula teórica do partido comunista. Os pobres são o centro do Evangelho. São o centro do Evangelho! Não podemos pregar o Evangelho sem os pobres. Então, lhe digo: é nesta linha que sinto que o Espírito nos está levando. E as resistências para não fazê-lo são fortes. Mas também devo dizer que, para mim, o fato de que as resistências nasçam é um bom sinal. É o sinal de que se está no caminho certo, de que esse é o caminho. Se não fosse assim, o demônio não se incomodaria em fazer resistência.

Eu lhe diria que estes são os critérios: a pobreza, a misericórdia e a consciência do povo fiel de Deus...

Na América Latina, em particular, deveriam se perguntar: “Mas, onde é que o nosso povo tem sido criativo?” Com alguns desvios, sim, mas foi criativo na piedade popular. E por que o nosso povo conseguiu ser tão criativo na piedade popular? Porque não interessava aos padres e assim deixavam que [o povo] fizesse... E o povo seguia em frente...

E depois, sim, o que a Igreja hoje está pedindo à Companhia – isso eu já falei em todos os lugares, e o Spadaro, que publica essas coisas, já está cansado de escrevê-lo – é ensinar com humildade a discernir. Sim, peço isso oficialmente a vocês como Pontífice. Em geral, sobretudo nós que pertencemos à vida religiosa, presbíteros, bispos, às vezes, demonstramos pouca capacidade de discernimento, não sabemos fazê-lo, porque fomos educados em outra teologia, talvez mais formalista. Contentamo-nos com o “pode ou não pode”, como também disse aos jesuítas chilenos a propósito da resistência à Amoris Laetitia. Alguns reduzem todo o resultado de dois sínodos, todo o trabalho realizado, ao “pode ou não pode”. Ajudem-nos, pois, a discernir. Claro, não pode ensinar a discernir quem não sabe discernir. E para discernir, é preciso mergulhar nos Exercícios, é preciso examinar-se. É necessário começar sempre por si mesmo.

O encontro termina assim. O reitor da igreja explica ao Papa o significado da cadeira que prepararam para ele. Disse que em 1992 houve um ataque do Sendero Luminoso [5] e que uma parte da igreja foi destruída. Na restauração, as paredes foram reforçadas e uma arquitrave de madeira de 1672 foi tirada, madeira com a qual se fez a cadeira talhada ao estilo barroco de Lima para esta visita. O Papa agradece sorrindo e brinca: “Estou sentado em 1672. Vou jogar este número na loteria!” No final, o Provincial agradeceu ao Papa antes de pedir para tirar uma foto com todo o grupo. O Papa responde ao agradecimento com estas palavras:

Muito obrigado. Rezem por mim! Divido com vocês uma graça muito grande. Desde o momento em que pressenti que poderia ser eleito Papa, senti muita paz, paz que sinto até hoje. Peçam ao Senhor para que a mantenha!

No final do encontro, o Papa presenteou os jesuítas com uma cruz de prata feita em 1981 pelo ourives italiano Antonio Vedele, que em seu interior representa as estações da Via-Sacra. As estações não são 14, mas 15, porque o artista quis incluir no centro dos braços a representação da Ressurreição de Cristo. Vedele é o ourives que desenhou a cruz peitoral do Papa Francisco, que, em 1998, foi feita em prata pelo seu discípulo Giuseppe Albrizzi, autor também do Pastoral usado pelo então cardeal de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio.

Por último, o Papa posou para uma fotografia de todo o grupo. Em seguida, atravessou a igreja de São Pedro e, antes de sair pela porta principal, parou diante do túmulo do venerável padre Francisco de Castillo, apóstolo de Lima.

Notas:

[1] Santo Alberto Hurtado (1901-1952) era um homem profundamente espiritual, incansável em seu trabalho com os jovens e operários, e um escritor versátil. Grande parte da sua formação como jesuíta ele a recebeu na Europa, obtendo em Lovaina o doutorado em Psicologia e Pedagogia. De volta ao Chile em janeiro de 1936, dedicou-se aos jovens como professor de Religião e diretor espiritual do Colégio de Santiago. Ao mesmo tempo, ensinou Pedagogia na Universidade Católica. Muito ligado aos exercícios espirituais, fundou uma casa de exercícios, promovendo cursos que suscitaram muitas vocações para toda a Igreja. Em 1940, seu primeiro livro intitulado É o Chile um país católico?, fez uma análise sociológica da Igreja no Chile que provocou uma tempestade de reações sacudindo a consciência dos católicos chilenos. Trabalhando na capital, ele se comoveu com a situação dos sem teto e falou sobre isso em um retiro. Assim nasceu o trabalho pelo qual é mais conhecido: o Hogar de Cristo, uma casa onde os pobres podem encontrar comida e abrigo e novas possibilidades de vida. Além disso, os mais jovens recebem ali formação básica e aprendem um ofício. Ele também fundou a Associação Sindical Chilena para formar líderes neste campo. Morreu aos 51 anos e foi beatificado por João Paulo II em 14 de outubro de 1994 e canonizado por Bento XVI em 23 de outubro de 2005.

[2] Superior Geral padre Lorenzo Ricci (1703-1775), exerceu esse papel em um momento delicado na história da Companhia de Jesus, devido às tensões com os governos europeus. Durante o seu governo, a ordem foi expulsa primeiro de alguns países como Portugal, França e Espanha. Com Clemente XIV, a Companhia foi suprimida e, enquanto os jesuítas foram integrados ao clero diocesano e religioso, o padre Ricci foi encarcerado no Castelo Santo Ângelo. Permaneceu ali até a sua morte, dois anos depois, só e vítima de humilhações de todo tipo, defendendo até o último momento que a Companhia de Jesus não tinha dado motivos para ser supressa.

[3] Joannes Philippus Roothaan (Amsterdã, 23 de novembro de 1783 ou 1785 – Roma, 8 de maio de 1853) foi um jesuíta holandês, Prepósito Geral da ordem (o segundo depois da Restauração) de 9 de julho de 1829 até sua morte. Seu trabalho como Prepósito Geral foi muito frutífero para a ordem recentemente restaurada. Sua primeira atenção foi preservar e reforçar o espírito da Companhia. Para esta finalidade, dedicou nove das suas onze cartas gerais. Incrementou o trabalho nas missões. A Ordem redobrou o número de seus membros, chegando a cinco mil professos. A Companhia teve que sofrer, no entanto, também a expulsão de muitos países, especialmente durante o ano da Revolução, em 1848.

[4] O padre Alonso de Barzana (Cuenca, 1530 – Cuzco, 1597) foi enviado para a missão de Juli, às margens do Lago Titicaca, hoje a sudeste do Peru. Permaneceu na região central da atual Bolívia por 11 anos, até que foi enviado para Tucumán. Continuou seu trabalho missionário entre os nativos do Vale Calchaquí e depois no Grande Chaco até 1593. Prosseguiu seu trabalho entre as numerosas tribos dessa região e também no Paraguai até 1589. Ele conhecia muitas línguas indígenas e escreveu gramáticas, vocabulários e catecismos em muitos desses idiomas.

[5] O Partido Comunista do Peru pelo Caminho Iluminado de Mariátegui é uma organização guerrilheira peruana de inspiração maoísta fundada entre 1969 e 1970 por Abimael Guzmán, em decorrência de uma divisão do Partido Comunista do Peru – Bandeira Vermelha (PCP-BR). O Sendero Luminoso propõe-se a subverter o sistema político peruano e instaurar o socialismo através da luta armada.

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Papa Francisco. “Onde é que o nosso povo foi criativo?” Conversa com jesuítas do Chile e do Peru - Instituto Humanitas Unisinos - IHU