O plano B de que Lula precisa para sobreviver

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26 Janeiro 2018

A condenação em segunda instância não marca o fim do jogo. Pelo contrário, ela apenas dá início a ele, escreve Marcello Faulhaber, mestre em Economia Política pela London School of Economics e estrategista da campanha de Marcelo Crivella à Prefeitura do Rio em 2016, em artigo publicado por El País, 25-01-2018.

Eis o artigo.

No último dia 24, o ex-presidente Lula foi condenado em segunda instância pela Justiça brasileira.

Não pretendo, neste texto, fazer nenhum juízo de valor sobre o processo em questão e as decisões judiciais relacionadas a ele. Meu objetivo aqui é, única e exclusivamente, analisar os impactos dessa condenação sobre o processo eleitoral e os possíveis caminhos que o ex-presidente e o PT podem trilhar até outubro.

Para muitos analistas do mercado financeiro, a condenação de Lula em segunda instância é a variável crítica que determinará o resultado das eleições.

Não é. A decisão em segunda instância não marca o fim do jogo. Pelo contrário, ela apenas dá início a ele.

Na verdade, o que o ex-presidente e o PT farão ao longo dos próximos meses a partir desta condenação da Justiça brasileira é que representa uma variável crítica para a eleição presidencial.

Todavia, cabe ressaltar que ela não é a única. Há outras duas variáveis que também serão chave para o resultado das eleições: a entrada ou não do apresentador Luciano Huck e do ex-ministro Joaquim Barbosa na disputa; e os movimentos da justiça brasileira em relação ao deputado Jair Bolsonaro e seus possíveis desdobramentos.

Com a condenação em segunda instância, o ex-presidente Lula pode seguir três caminhos até as eleições em outubro: 1) insistir em sua candidatura através de medidas judiciais; 2) apoiar um nome que já se encontra na disputa, como, por exemplo, Ciro Gomes ou Marina Silva; e 3) lançar um novo nome.

O primeiro caminho, que hoje é o mais provável, me parece bastante arriscado.

Conforme as condições de vida de 57 milhões de famílias brasileiras (a metade inferior da classe C1 e as classes C2, D e E) vão piorando — e elas estão piorando a cada dia — as intenções de voto em direção a Lula aumentam. É o que todas as pesquisas vêm indicando.

O ex-presidente é a única referência de bom governo para os cerca de 40% de eleitores que declaram a intenção de votar nele. A vida deles e de suas famílias melhoraram (e muito) durante os anos Lula. Quem nega isso, ou não conhece a realidade dessas pessoas ou nunca se interessou em ouvi-las.

Para parte desses eleitores, as denúncias contra o ex-presidente e suas condenações pela justiça brasileira não passam de uma perseguição implacável da grande mídia e da “elite” contra ele.

Para a outra parte, elas simplesmente não importam: “Todos roubam. O Lula, pelo menos, defendeu e ajudou o povo trabalhador” — essa é uma afirmação recorrente que ouvimos em grupos de pesquisa qualitativa.

Acreditar que novas denúncias anunciadas pela mídia ou novas condenações do ex-presidente por parte do juiz Sérgio Moro podem enfraquecer sua candidatura também é um ato de negação da realidade.

Entretanto, uma condenação em segunda instância pode sim ter um impacto bastante negativo sobre a candidatura Lula. Como disse antes, não porque seus eleitores acreditam na justiça brasileira. Mas, porque, assim como o ex-presidente, eles são pragmáticos.

Essa condenação tornará Lula inelegível, e as pessoas não vão votar num candidato que “mesmo ganhando, pode não levar”.

Inicialmente, os eleitores de Lula devem ficar revoltados com a condenação em segunda instância. A exposição midiática do fato e a ideia de que essa condenação foi mais um ato de perseguição e injustiça contra o ex-presidente, podem até aumentar suas intenções de voto num primeiro momento. Mas, afirmo com tranquilidade que, com o passar do tempo, por causa da sua inelegibilidade, as intenções de voto em Lula vão começar a cair de forma cada vez mais acelerada.

Por puro pragmatismo — e não por ingratidão — seus eleitores passarão a buscar uma outra alternativa que pareça representar seus interesses e que não corra o risco de “ganhar e não levar”.

O segundo caminho que o ex-presidente pode trilhar depois da condenação em segunda instância — apoiar um nome que já se encontra na disputa — é bastante improvável por duas razões.

Em primeiro lugar porque há muito ressentimento dos eleitores mais tradicionais de Lula e do PT tanto com Marina Silva (por conta de suas duas candidaturas presidenciais, de seu apoio a Aécio no segundo turno de 2014 e principalmente, pelo seu posicionamento durante o processo que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff) quanto com Joaquim Barbosa (devido à sua atuação no julgamento do mensalão).

Ciro Gomes não é um candidato com grande rejeição entre os eleitores tradicionais de Lula e do PT, mas suas constantes declarações contra o partido e contra a candidatura do ex-presidente somadas à sua estagnação em um baixo patamar nas pesquisas de intenção de voto, também não fazem dele alguém que o ex-presidente e sua militância seriam capazes de abandonar a candidatura presidencial para apoiá-lo.

A segunda razão que torna improvável um eventual apoio do ex-presidente a outro pré-candidato é menos emocional ou política.

As pesquisas indicam com clareza que Lula teria enorme dificuldade de transferir votos maciçamente para qualquer um desses candidatos. Ou seja, nenhum desses nomes aparece como um herdeiro natural das atuais intenções de voto no ex-presidente. Apoiando qualquer um deles, Lula correria o risco de usar seu enorme capital político e eleitoral em vão.

A terceira alternativa de Lula — lançar um novo nome no processo eleitoral — não é a mais provável, mas pode ser a grande (talvez a única) solução para a sobrevivência do seu capital político e eleitoral.

Evidentemente que isso dependerá do nome a ser escolhido.

De acordo com as pesquisas qualitativas que venho realizando, os eleitores de Lula não são mais um “gado” capaz de votar em qualquer nome que seja indicado por ele — não foram poucas as vezes que ouvi a seguinte afirmação: “Eu gosto muito do Lula, mas ele não é Deus”.

De fato, a maioria desses eleitores, apesar de acharem que a ex-presidente Dilma foi vítima de um golpe, acreditam que Lula errou ao escolhê-la como sua sucessora e essa percepção ainda é muito viva.

Por outro lado, se o ex-presidente escolher o nome certo e essa pessoa for capaz de transmitir para o eleitor uma lealdade inequívoca com o passado e o futuro de Lula, há enorme capacidade de transferência de votos.

A pergunta óbvia passa então a ser: qual seria o nome certo?

Infelizmente, nem sempre a pergunta óbvia é a pergunta correta.

A pergunta correta é exatamente o oposto. Ou seja, qual o nome errado? Quais são as características que essa pessoa não poderia ter para que Lula conseguisse transferir uma enorme massa de votos para ela?

Como dizem os norte-americanos, a resposta para essa pergunta é pretty straightforward: não pode ser mulher; não pode ser paulista; e não pode ser um nome capaz de ser fortemente relacionado a casos de corrupção.

Não pode ser mulher porque a associação com a ex-presidente Dilma seria imediata e fatal.

Não pode ser paulista porque o Brasil não elege — o último presidente natural de São Paulo eleito no país foi Rodrigues Alves em 1902. Depois dele, nem mesmo os representantes da oligarquia paulista eleitos na “República do Café com Leite” eram naturais de São Paulo.

Alguns poucos analistas que atentam para esse fenômeno (o da não eleição de paulistas para a presidência da República) tentam explicá-lo, afirmando que o brasileiro não-paulista se recusa a entregar o poder político aos paulistas porque entende que estes já detém o poder econômico e financeiro do país.

De fato, existe uma percepção (ou receio, quem sabe, rancor) por parte do eleitor médio brasileiro acerca do poder que o Estado de São Paulo e os paulistas exercem sobre o país.

Entretanto, diferentemente daqueles analistas, eu não acredito que o eleitor faça esse tipo de conjectura de forma tão consciente. Para mim, a explicação para esse fenômeno está muito mais relacionada ao subconsciente das pessoas do que a um suposto raciocínio político.

Com a Revolução de 30, o movimento separatista de 1932 e o advento do Estado Novo, a percepção de que São Paulo e os paulistas querem subjugar os interesses do país aos seus próprios interesses foi cristalizada — certa ou errada, essa imagem permanece muito presente no subconsciente do brasileiro médio até os dias de hoje.

Não é incomum ouvirmos de participantes de pesquisas qualitativas realizadas fora de São Paulo a seguinte afirmação: “Nem sempre o que é bom para São Paulo é bom para o Brasil”. Da mesma forma, é comum ouvirmos em pesquisas realizadas em São Paulo que “nem sempre o que é bom para o resto do Brasil é bom para São Paulo”.

O fato é que a imensa maioria dos paulistas e muitos outros brasileiros veem São Paulo como o “motor” do Brasil. Contudo, há, talvez, um maior número de pessoas que veem São Paulo não como o “motor”, mas como o usurpador do país.

Por conta da percepção acerca do poder que os paulistas exercem sobre o país e de que os interesses de São Paulo não são necessariamente os mesmos do Brasil, há uma recorrente rejeição a candidatos com sotaque paulista por parte do eleitor médio brasileiro.

Não quero me aprofundar sobre esse tema aqui, mas há uma vasta literatura a respeito da importância do sotaque tanto na venda de produtos e serviços quanto em processos eleitorais. Com o sotaque errado, o discurso político ou de convencimento, por melhor que seja, não gera empatia e conexão.

E a nossa história está aí para provar isso. Sistematicamente, para a presidência da República, elegemos três tipos de brasileiros: não-paulistas que fizeram carreira em São Paulo, cariocas ou fluminenses que fizeram carreira fora do Rio de Janeiro e mineiros.

Até aqui, apontamos as razões para que um nome a ser eventualmente lançado por Lula não seja nem mulher e nem paulista. Resta entender porque ele também não deve estar fortemente associado a casos de corrupção.

Esse entendimento é meio óbvio quando se constata que a maioria dos brasileiros afirma que o maior problema do país é a corrupção. Sem fazer nenhum juízo de valor, essa é a percepção do eleitor e isso não mudará até outubro.

Não é por acaso que quando perguntamos às pessoas quais os principais atributos que o próximo presidente deve possuir, o primeiro que, quase sempre, surge é honesto (ou ético).

Mas, se esse é o caso, como explicar o enorme percentual de intenções de voto no ex-presidente Lula, que, há anos, tem seu nome associado a casos de corrupção pela grande mídia e que foi condenado pela Justiça brasileira?

Já comentei anteriormente o porquê disso e não gostaria de ser repetitivo. O fato é que Lula tem passado imune a essas acusações e condenações sob o ponto de vista eleitoral.

Porém, não se deve esperar o mesmo de alguém que eventualmente venha a ser lançado por ele. Para seus eleitores, o “salvo conduto” é dele, Lula, e não é transferível.

Os próximos meses indicarão qual o caminho que o ex-presidente e o PT seguirão após a condenação no TRF-4.

Como já disse anteriormente, apesar de sua grande probabilidade, acredito que a manutenção da candidatura Lula até outubro pode ser, não apenas jurídica, mas eleitoralmente bastante arriscada. Da mesma forma, já comentei porque acho muito pouco provável ele abandonar sua candidatura em prol de outro pré-candidato.

O terceiro caminho — lançar um novo nome — é de fato menos provável que a manutenção da candidatura “até o final”. Mas entendo que essa última alternativa — se feita corretamente — pode se tornar a grande saída para o ex-presidente preservar seu capital político-eleitoral e, eventualmente, vencer as eleições.

Hoje, mais do que nunca, Lula é a amálgama que faz o PT não se desintegrar. Para lançar um nome em seu lugar, seu maior desafio será convencer diversas correntes do partido de que um nome de uma outra corrente pode representar a melhor alternativa para uma vitória sustentável.

Há um longo e árduo caminho pela frente para o ex-presidente e o PT. Escolhas precisarão ser feitas e acertar o timing dessas escolhas será crucial para ambos.

Para Lula, o ideal seria lançar o nome alternativo antes que as pesquisas indiquem uma queda nas suas intenções de voto. Isso não acontecerá agora. Mas pode acontecer até o final de abril e, seguramente, acontecerá até o final de julho.

De fato, pode ser que o ex-presidente e o PT ainda não tenham um plano B. Mas, em algum momento, eles perceberão a necessidade de tê-lo. Se quiserem vencer as eleições presidenciais depois da condenação de Lula pelo TRF-4, terão que buscar um nome que seja capaz de absorver o gigantesco capital eleitoral do ex-presidente.

Não sendo uma mulher, nem um paulista, e nem alguém com fortes indícios de envolvimento em casos de corrupção, a transferência de votos tende a ser bastante significativa — o que inexoravelmente levaria esse candidato para o segundo turno com chances de vitória.

Se esse nome ainda tiver, assim como Lula, forte apelo social e, além disso, carregar em si uma imagem mais conservadora sob o ponto de vista comportamental, as chances serão ainda maiores.

Mas, para isso, Lula não poderá errar o timing desse processo. Se o fizer, há grande risco de seus eleitores acabarem ouvindo o canto da sereia e embarcarem em candidaturas adversárias que, uma vez no poder, se dedicarão a aniquilar de forma definitiva, a força eleitoral e a memória do ex-presidente.

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