A reforma política e a nossa reforma

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02 Novembro 2016

"Como na época de Lutero, o tempo e a boa vontade poderão afastar os cristãos de fórmulas simples e inconsistências flagrantes. A reforma começa no teatro da natureza humana". 

O comentário é de Ken Briggs, escritor, professor no Lafayette College, Easton, Pa e autor de “Double Crossed: Uncovering the Catholic Church's Betrayal of American Nuns” [sem tradução para o português], em artigo publicado por National Catholic Reporter, 31-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artio.

As palavras e cortesias do papa na terra do luteranismo sueco foram exemplares. Se no poder, durante a época em que viveu Lutero, houvesse alguém com um temperamento irênico semelhante, será que o conflito teria sido controlado e a divisão deixado de existir? A leitura que faço em retrospectiva é a de que Francisco exibiria a grandeza da aceitação e um calor humano para acalmar o fogo de Lutero, mas não teria tido a tendência natural para desembaraçar os fios torcidos necessários para completar o trabalho.

O espírito estaria aí, mas a vontade de trabalhar com determinação, de quebrar os ovos para fazer uma omelete bem feita, estaria em falta. Há também a questão de o quão próximo ele está dos pontos delicados da doutrina. Até agora, não há sinal de que o papa seja menos apegado a isso do que os seus sucessores imediatos, incluindo Bento XVI, quem usava do ensino tradicional para declarar que as igrejas não católicas não eram autênticas. Além disso, Martinho Lutero era um cliente duro, irascível; ele não era exatamente a essência do compromisso.

O choque do monge alemão com o Pontífice Romano foi um conflito da alta política. Hoje é difícil determinar qual papel político – se é que há algum – que a religião desempenha. Vários acadêmicos, jornalistas e pesquisadores tentam mensurar a influência dela, mas em geral acabam em desacordo ou confusos. O foco das eleições primárias deste ano nos EUA esteve voltado ao que fazer com os evangélicos. As pesquisas apontam um apoio ao candidato Trump numa média de 75%, o que tem levado a um alheamento de muitas pessoas de dentro e de fora das igrejas. Como pode pessoas que aparentemente são portadoras da moralidade estreita votar em um malandro que parece praticar assédio a mulheres, denigre não brancos e trapaça subordinados, entre outras coisas?

Entre as respostas que se tem na tentativa de explicar essa aparente anomalia (posso estar enganado, mas Nixon teve grande apoio também) estão a de que Trump joga com as imaginações de um super-herói defensor que muitos conservadores religiosos têm e que ele está alinhavado com os juízes da Suprema Corte que vão abolir o caso Roe versos Wade. Depois, vêm a suposta dureza de um homem de negócios e uma promessa vaga de restaurar a América aos seus modos protestantes interioranos e confortáveis.

Por mais que essas causas possam ser importantes, uma outra emerge em minha pesquisa: os evangélicos simplesmente não leem a Bíblia tanto quanto costumavam ler. Logo, estão muito menos propensos a derivar o conceito de caráter cristão da Bíblia realmente. Um perfil programático de “sucesso” dentro do chamado “Sonho Americano” tem, cada vez mais, se transformado no padrão. Trump não é outra coisa senão um negociante e um magnata flexível e prático. Sem referências bíblicas, Trump tem passagem, sendo inclusive recompensado por sua gula sob pressão.

A leitura e o estudo bíblicos vêm caindo drasticamente em todos os segmentos da população, evidentemente, na medida em que a leitura em geral caiu em praticamente todas as categorias. Como americanos, não nos aprofundamos muito. Gostamos de um entretenimento em ritmo elevado, coisas rápidas, livros de autoajuda, mistérios e ficção, mas não muito daquilo que exige todo um pensamento ou desafio. Seguindo estes padrões, a Bíblia é evitada como sendo demasiado exigente e questionadora do estilo de vida escolhido.

Enquanto isso, na quadra onde vivo o único convite a votar é um apelo exibido numa igreja católica: “Seja uma vez aos sem voz. Vote pró-vida”. O véu em torno do apoio de Trump aqui parece bem raso, quase inexistente, para mim. De alguma forma, não creio que o pastor, pessoa de quem gosto e respeito, tenha feito isto por si próprio. Entre outros motivos está que tais diretivas parecem ter perdido o efeito que tinham. Não me surpreenderia se tais dizeres acabarem enfraquecendo a causa mais do que fortalecendo-a. Como na época de Lutero, o tempo e a boa vontade poderão afastar os cristãos de fórmulas simples e inconsistências flagrantes. A reforma começa no teatro da natureza humana.

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