Papa Francisco diz “sim” às uniões civis para casais homossexuais

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23 Outubro 2020

Em um documentário apresentado no Festival Internacional de Cinema de Roma na última quarta-feira, 21, o chefe argentino da Igreja Católica parece fazer uma nova abertura na direção dos direitos dos casais do mesmo sexo.

A reportagem é de Cécile Chambraudi, publicada por Le Monde, 22-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Durante a sua primeira coletiva de imprensa como papa durante uma viagem, Francisco havia proferido uma das frases mais célebres do seu pontificado. “Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor de boa vontade, quem sou eu para julgar?”, perguntara o pontífice jesuíta em julho de 2013, sugerindo uma mudança no Vaticano sobre o assunto.

Em um documentário em que ele aparece como protagonista, apresentado pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Roma, na quarta-feira, 21 de outubro, o chefe argentino da Igreja Católica parece fazer uma nova abertura na direção dos direitos dos homossexuais. Em trechos de uma entrevista, evidentemente editada, o papa se pronuncia em favor das uniões civis para casais do mesmo sexo, para que seus filhos tenham uma proteção legal. É a primeira vez que um papa intervém em favor dos PACS (Pacto Civil de Solidariedade) e de fórmulas semelhantes.

“As pessoas homossexuais têm direito a ter uma família, são filhos de Deus”, afirma Francisco no filme dirigido por Evgeny Afineevsky e intitulado “Francesco”.

“Ninguém deveria ser expulso ou ficar infeliz com isso. O que devemos criar é uma lei sobre as uniões civis. Desse modo, eles são cobertos legalmente. Eu lutei por isso.”

Falando no passado, o papa sem dúvida se refere – mas o documentário não especifica o contexto da entrevista – ao tempo em que ele era arcebispo de Buenos Aires. Naquela época, em 2009-2010, ele se opusera fortemente ao governo argentino, dirigido por Cristina Kirchner, que havia decidido admitir o casamento para casais do mesmo sexo. Ele entrou na batalha política e definiu publicamente aquele projeto de “ataque que visa a destruir o plano de Deus”.

No entanto, ele havia tentado sem sucesso convencer os outros bispos a aceitarem a união civil como alternativa ao casamento homossexual – em vão.

No seu livro “No armário do Vaticano” (Ed. Objetiva, 2019), Frédéric Martel relata o testemunho de um pastor, Andrés Roberto Albertsen, que então tivera uma conversa com Jorge Mario Bergoglio: “Ele me disse que achava que os casais do mesmo sexo realmente precisavam de uma proteção legal e que deviam ter esse direito através das uniões civis, mas não com o matrimônio”.

Para o magistério da Igreja Católica, o matrimônio é de instituição divina e designa exclusivamente a união irrevogável de um homem e de uma mulher, tendo a procriação como finalidade. É sobre essa concepção que se fundou a oposição católica ao “casamento para todos”.

Também para Francisco, “o matrimônio é entre um homem e uma mulher”. “Não brinquemos com a verdade”, afirmou ele a esse respeito, respondendo ao sociólogo Dominique Wolton em um livro-entrevista publicado em 2017 e intitulado “O futuro da fé” (Ed. Petra, 2018), e aconselhava a chamar os casais formados por duas pessoas do mesmo sexo de “uniões civis”. Mas, naquele livro, ele não defendeu a criação de tal instituição.

Aquela que era então uma concessão sussurrada é apresentada no filme como uma necessidade positiva, um “direito” para os casais do mesmo sexo. Acima de tudo, essa necessidade é reconhecida por um papa, o que, de fato, significaria uma mudança indiscutível.

É preciso saber qual é o status exato de tais reivindicações. Na noite de terça-feira, no Vaticano, dizia-se que elas não haviam sido ditas diretamente ao diretor, mas que haviam sido retiradas de uma parte não publicada de uma entrevista concedida pelo pontífice a um jornalista.

De fato, em uma longa entrevista divulgada em maio de 2019 pelo canal mexicano Noticieros Televisa, ouve-se o pontífice proferir a primeira parte da frase, relativa ao fato de que as pessoas homossexuais não podem ser excluídos da família – em 2018 ele explicou desse modo a um pai que ele não podia afastar o filho da família pelo fato de este ser homossexual. Mas não havia nada sobre as uniões civis.

O Papa Francisco viu o filme – como costuma acontecer – antes da exibição pública? Se essa declaração, tal como apresentada pelo diretor, não for mais contestada pelo Vaticano, será possível avaliar o caminho percorrido, na cúpula da Igreja Católica, comparando as afirmações de Francisco a um documento doutrinal publicado em 2003 por Joseph Ratzinger, o futuro Bento XVI, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, isto é, guardião da ortodoxia, se assim podemos dizer, da Igreja Romana.

Naquele texto, intitulado “Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais” [disponível aqui, em português], Ratzinger, muito próximo de João Paulo II especificava aquela que devia ser a posição dos católicos em relação aos projetos de lei de união civil que começavam a nascer em vários países.

“É um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo”, em relação ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, escrevia o cardeal Ratzinger. “A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. (...) Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimônio, significaria (...) aprovar um comportamento errado”.

A virada de Francisco, se o documentário a reflete com fidelidade, corre o risco de agitar as águas da instituição. Assim que sua declaração no documentário foi divulgada, um bispo estadunidense, Thomas Tobin, de Providence, Rhode Island, rangeu os dentes. “A declaração do papa contradiz claramente o ensino constante da Igreja sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo”, é a afirmação noticiada pela agência de notícias AP. “A Igreja não pode defender a aceitação de relações objetivamente imorais.”

Para a Igreja, como resume oficialmente o seu Catecismo, os atos homossexuais continuam sendo “intrinsecamente desordenados”.

 

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