16 Junho 2020
Enquanto isso, o Papa Francisco dá continuidade à missão de reformar a Igreja.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 12-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A agitação retorna aos poucos a Roma, quando os residentes da Cidade Eterna buscam ansiosos por formas de voltar a uma vida parecida com a que levavam antes de o coronavírus fechar a cidade por quase três meses.
Quase todas as lojas e estabelecimentos puderam retomar os negócios em 18 de maio e em poucas semanas depois, em 3 de junho para ser exato, muitos puderam começar a se deslocar a outras regiões da península. Todos os países da União Europeia também abriram suas fronteiras.
Restaurantes e cafeterias da capital italiana, especialmente os que têm mesas ao ar livre, mostram sinais animadores um retorno à normalidade.
O tráfego voltou, com os motoristas –conhecidos por suas habilidades agressivas ao volante – tentando dirigir pelas ruas da cidade tomadas uma parcela surpreendentemente significativa da população que há pouco descobriu que pode se deslocar também de bicicleta.
Mas os turistas, cuja presença e cujo dinheiro se fizeram essenciais para a economia local, ainda são poucos. Tão poucos, na verdade, que Roma parece uma cidade “normal”.
Na realidade, é interessante ter a cidade toda só para nós, algo que não víamos desde o século passado, quando houve uma “baixa temporada” no setor do turismo. Isso acabou com o Grande Jubileu de 2000, momento em que o Vaticano e a Cidade de Roma se uniram para criar uma infraestrutura turística visando um objetivo específico: garantir que sempre haja grandes grupos de visitantes durante o ano inteiro.
Um Vaticano viciado no turismo
Mesmo durante aquele que era o “período sacrossanto” de feriado no país, o chamado Ferragosto, em que tudo costumava fechar, a cidade, hoje, recebe quantidades grandes de turistas. Se grande parte de Roma se tornou altamente dependente da indústria do turismo, o Vaticano tornou-se positivamente viciado nesse setor. E isso está evidente na atualidade.
A Via della Conciliazione, ampla e larga avenida que leva do Rio Tibre à Praça São Pedro, fica normalmente cheia, com tantas pessoas que é quase impossível andar de bicicleta.
Mas, nestes últimos tempos, podemos facilmente aterrissar um Boeing-747 em sua pista vazia.
A praça, em si, permanece deserta. Em certas horas do dia, podemos ver irmãs e padres, com o rosto coberto com máscara cirúrgica, atravessando o perímetro, para lá e para cá. Provavelmente estejam indo ou vindo do trabalho, na Cúria Romana ou em algum outro local da Cidade do Vaticano.
“Parque do Papa sobre o Tibre”
Hoje, podemos ver vários carros de polícia estacionados na praça e nos arredores. Policiais têm feito a guarda do local desde o confinamento e a reabertura da cidade, conferindo segurança aos poucos pedestres que passam pelas ruas.
E, ironicamente, é assim que o Vaticano se sente exatamente neste momento: como um parque temático fechado para a temporada. Não há mais as multidões. Não há mais turistas.
É um espetáculo triste de se ver. Transmite uma mensagem preocupante. Há tempos a Cidade do Vaticano é vista como o centro do catolicismo. Ou, como um amigo certa vez me disse: “É o centro morto da Igreja”.
Os grupos de turistas e peregrinos que normalmente preenchem a Praça São Pedro e ocupam as ruas adjacentes serviam para ocultar o quão morto – e irrelevante – o Vaticano já era.
Mas agora, quando não estão mais aqui, fica fácil apontar os personagens deste parque temático clerical: os personagens do “Parque do Papa”. Muitos deles são cardeais, a maioria já em idade avançada. Um deles é famoso por usar vestes eclesiásticas de séculos passados e percorrer o trajeto “Borgo Pio”. Cobre-se completamente de preto, com uma batina e luvas pretas de couro. Com sua máscara anticoronavírus, ele parecer vestir uma burca.
Tempo para uma reforma de verdade
Enquanto isso, neste bizarro mundo chamado Vaticano, o Papa Francisco tenta dar o melhor que pode na consecução da missão a ele confiada de reenergizar e “converter” os seus pares católicos a um cristianismo fundamentado nos evangelhos; juntar igrejas separadas, trazendo-as à comunhão plena; e unir o mundo inteiro em um projeto urgente e fraterno para salvar o planeta, a casa comum.
“Louvado seja, meu Senhor!”
O confinamento imposto pela pandemia de coronavírus fez a Cúria Romana parar. Privou a Santa Sé de uma receita financeira extremamente necessária advinda do turismo, especialmente no caso dos Museus Vaticanos. E manteve sitiado um papa que, em geral, viaja ao exterior quatro ou cinco vezes ao ano.
O cristianismo não entrou em colapso. O mundo não parou de girar.
Mas a estrutura e o funcionamento do catolicismo sediado em Roma, eurocêntrico, nunca pareceu tão anacrônico quanto hoje. A Igreja pós-Constantino continua a implodir.
E o Papa Francisco, hoje com 83 anos, deve provavelmente cancelar suas viagens ao estrangeiro e focar-se inteiramente em seu plano de reformas da burocracia católica, a Cúria Romana.
Este confinamento, ou “lockdown”, mostrou que a hora é agora.
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O Vaticano desfalece sem turistas mas o Papa continua sua missão de reformar a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU