Francisco capta a ciência e a beleza da Amazônia, mas fica aquém na ação para salvá-la

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

14 Fevereiro 2020

"A consciência que ele [papa Francisco] tem dessas enormes apostas é uma oportunidade extremamente importante – uma chance para unir os católicos do mundo todo no enfrentamento de um dos maiores desafios de nosso tempo: as mudanças climáticas", diz Philip D. Duffy, cientista do clima, ao avaliar o impacto da Exortação Apostólica Querida Amazônia.

O comentário é de Philip D. Duffy, doutor em física e trabalha há quase 30 anos com as mudanças climáticas, além de presidir a ONG americana Woods Hole Research Center, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 13-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa

Eis o texto.

A exortação Querida Amazônia, do Papa Francisco, demonstra uma compreensão impressionante do valor ecológico da região e dá um testemunho comovente de sua beleza e mistério, mas perde a oportunidade de nos exortar a agir para deter as mudanças climáticas.

Para cientistas climáticos como eu, a preservação da Amazônia é uma prioridade fundamental, pois a floresta tropical armazena uma quantidade enorme de carbono – equivalente a cerca de 10 anos do total das emissões humanas causadas pelo aquecimento do clima. A perda da floresta amazônica, portanto, praticamente impossibilitaria cumprir as metas da política climática, como limitar o aquecimento global a 1,5 ou 2º Celsius.

Nesta exortação apostólica pós-sinodal, lançada em 12 de fevereiro, o Papa Francisco mostra uma compreensão astuta da ameaça ecológica que a região e o mundo enfrentam. Ele explica correta e eloquentemente que a Amazônia “grande filtro do dióxido de carbono, que ajuda a evitar o aquecimento da terra”.

O papa também entende que o problema vai além, geograficamente e cruzando múltiplas questões.

“O equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazônia”, escreve ele. “Juntamente com os biomas do Congo e do Bornéu, deslumbra pela diversidade das suas florestas, das quais dependem também os ciclos das chuvas, o equilíbrio do clima e uma grande variedade de seres vivos”.

A consciência que ele tem dessas enormes apostas é uma oportunidade extremamente importante – uma chance para unir os católicos do mundo todo no enfrentamento de um dos maiores desafios de nosso tempo: as mudanças climáticas.

Como presidente da ONG Woods Hole Research Center, sempre busco envolver novos parceiros na promoção de soluções científicas para as mudanças climáticas. A ameaça da mudança climática é terrível, e precisamos de uma mobilização em toda a sociedade se quisermos superá-la. No ano passado, me sentei ao lado do cardeal-arcebispo de Boston, Dom Sean Patrick O’Malley, para lançar a Faith Science Alliance, iniciativa pensada focalizar a atenção na emergência ecológica e moral das mudanças climáticas.

Francisco pode ser um dos mensageiros mais eficazes das mudanças climáticas. Sua influência e alcance são quase sem comparação. Sua capacidade e disposição de mergulhar nos matizes da ciência são impressionantes. Francisco chega até a explicar os desafios do reflorestamento em uma área com solos relativamente pobres.

Tão importante quanto, essa exortação aponta que os danos ecológicos em uma região também causam danos aos habitantes humanos.

“Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde ‘a floresta não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar’”, escreve o papa.

Como cientistas, também nos concentramos na relação entre a floresta amazônica e seus habitantes indígenas. Nosso trabalho mostrou (talvez sem surpresa) que os povos indígenas são melhores administradores da floresta do que outros, e manter os povos indígenas em posse de suas terras ancestrais anda de mãos dadas com a preservação da floresta e com a desaceleração das mudanças climáticas.

Mas o que vem a seguir? Francisco destacou uma questão crucial, sim, mas a importância da floresta amazônica já era bem conhecida de antemão. É de notar a exortação do papa não vai tão longe quanto o foi o Sínodo dos Bispos, que chamou de pecado a destruição desses recursos naturais. Identificar claramente uma ameaça à estabilidade do nosso clima, mas evitar pedir por ações urgentes e imediatas, é perder uma oportunidade.

Há um caminho claro daqui em diante, para efetivamente conservarmos a Amazônia. Sabemos que os territórios protegidos e as reservas indígenas contêm as florestas mais saudáveis e a maior quantidade de carbono. A legislação brasileira está em vigor para proteger grande parte da floresta, embora estejam sendo aplicadas levemente sob a atual administração presidencial. Manter essas proteções em vigor está de acordo com todos os valores e prioridades estabelecidos na exortação do papa.

Francisco mostrou uma liderança tremenda ao destacar o desmatamento na Amazônia e as consequências globais. Felizmente, ele continuará pressionando por ações que conservem essas florestas inestimáveis.

 

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Francisco capta a ciência e a beleza da Amazônia, mas fica aquém na ação para salvá-la - Instituto Humanitas Unisinos - IHU