Conferência dos Bispos dos EUA está claramente dividida entre o “Time Francisco” e os guerreiros culturais

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14 Novembro 2019

Nos últimos seis anos, o drama dominante em cada reunião plenária da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos surgia a partir de uma pergunta singular: até que ponto os bispos estadunidenses e a equipe que eles reuniram na sede da Conferência em Washington têm abraçado o magistério do Papa Francisco e até que ponto eles estão resistindo à sua liderança?

O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 13-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Neste ano, pela primeira vez, você pôde ver o “Time Francisco” começando a levar vantagem. Até então, isso não ocorria.

Era uma conclusão evidente que o arcebispo de Los Angeles, Jose Gomez, seria eleito presidente da Conferência. Atual vice-presidente, Gomez é apreciado por muitos dos seus irmãos bispos e representa o tipo de abordagem conservadora, mas pastoral, da liderança episcopal que caracteriza a maioria dos bispos dos EUA. E a escolha de um imigrante mexicano-americano como presidente da Conferência envia um sinal claro ao governo Trump de que, embora os bispos acolham algumas das iniciativas pró-vida do governo, a sua defesa dos migrantes não será deixada de lado.

Gomez é o primeiro imigrante a liderar a Conferência desde que o arcebispo de Cincinnati, John McNicholas, nascido no condado de Kiltimagh, na Irlanda, atuou em cinco mandatos como presidente da National Catholic Welfare Conference na primeira metade do século XX.

A disputa pela vice-presidência foi onde as diferenças na Conferência ficaram manifestadas. A primeira contagem somou 77 votos para o arcebispo de Detroit, Allen Vigneron, colocando-o na liderança. Eu achava que o arcebispo de Oklahoma City, Paul Coakley, ficaria em segundo lugar, e ele chegou perto disso, com 40 votos, mas o arcebispo Timothy Broglio, da Arquidiocese Militar, superou-o com 44 votos.

Como nenhum candidato obteve a maioria, eles fizeram uma nova votação, em que Vigneron e Broglio ficaram novamente na liderança, mas sem maioria. De acordo com os estatutos, a última votação foi um confronto direto entre os dois candidatos mais votados, e Vigneron derrotou Broglio por 151 votos a 90.

Os bispos evitaram um problema. Quando o Vaticano divulgar o seu relatório sobre a ascensão do ex-cardeal Theodore McCarrick, você pode apostar que um nome que será mencionado com frequência é o do cardeal Angelo Sodano, ex-secretário de Estado do Papa João Paulo II. Sodano foi crucial para evitar que o pedófilo em série Marcial Maciel Degollado fosse punido. Ele também esteve envolvido na corrupção da Igreja no Chile, onde Sodano atuou como núncio durante a ditadura do general Augusto Pinochet. E Broglio atuou como o principal assessor de Sodano de 1990 a 2001, isto é, quando McCarrick estava arrecadando montanhas de dinheiro para o Vaticano e quando foi tomada a decisão de promovê-lo a Washington.

Vigneron certamente não é um liberal. Depois que o arcebispo Carlo Maria Viganò lançou seu ataque contra o Papa Francisco em agosto de 2018, Vigneron emitiu uma declaração que não fez nenhum esforço para defender o papa. Seu seminário é um viveiro de sentimentos anti-Francisco. Porém, os bispos conservadores que apoiaram Vigneron não pensaram nas implicações dos seus votos. Ele já tem 71 anos e, embora possa concorrer à presidência daqui a três anos, ele estará a um ano da idade de aposentadoria obrigatória. Um emérito não pode atuar como presidente da Conferência. Portanto, os bispos pensarão duas vezes antes de elegê-lo para o cargo. Em três anos, o “Time Francisco” poderá ter os votos para vencer as eleições da Conferência e não poderá ser forçado a negar que um vice-presidente em exercício ascenda, como por tradição, ao posto principal.

Das eleições para presidentes das comissões, a escolha ideológica mais clara ocorreu na votação de um novo presidente da Comissão de Assuntos Ecumênicos e Inter-Religiosos. Dom Steven Lopes, bispo do Ordinariato Pessoal da Cátedra de Pedro, o ordinariato nacional para aquelas paróquias que antes eram anglicanas, mas que se uniram a Roma enquanto a Igreja Episcopal dobrava à esquerda, enfrentou o bispo de Memphis, David Talley, que liderou a Campanha Católica pelo Desenvolvimento Humano (CCHD, na sigla em inglês), uma campanha antipobreza organizada pela Conferência. O arquiconservador Instituto Lepanto há muito argumenta que a CCHD era insuficientemente católica. Talley venceu por apenas 123 votos a 114, mas marcou a primeira vez que um bispo comprovadamente pró-Francisco derrotou um bispo mais intimamente identificado com elementos tradicionais da Igreja.

O debate sobre o documento “Forming Consciences for Faithful Citizenship” [Formando consciências para uma cidadania fiel, documento sobre a responsabilidade política dos católicos, disponível aqui em espanhol] também demonstrou a divisão entre o “Time Francisco” e aqueles que preferem a abordagem da guerra cultural. O grupo de trabalho que redigiu a declaração recusou a proposta do cardeal Blase Cupich, de Chicago, de incluir um parágrafo inteiro da exortação Gaudete et exsultate, de Francisco, em vez de apenas algumas frases rodeadas por paráfrases. Esse foi o primeiro erro: Gomez, que presidiu o grupo de trabalho, deveria ter insistido na adoção da emenda de Cupich. Excluir algo que o Santo Padre escreveu não é uma boa imagem para um homem que acabou de ser eleito para ser presidente da Conferência.

Cupich pediu que isso fosse reavaliado, e o bispo de San Diego, Robert McElroy, apoiou-o, mas também se opôs à inclusão do adjetivo “preeminente” nesta frase: “A ameaça do aborto continua sendo a nossa prioridade preeminente porque ataca diretamente a própria vida, porque ocorre dentro do santuário da família e por causa do número de vidas destruídas”. O clima na sala começou a mudar, e, no fim, a emenda de Cupich foi rejeitada por 133 votos a 69.

O discurso do núncio no dia 11, instando os bispos a “refletirem em oração” sobre a sua comunhão com o papa e a tornar o seu magistério mais bem recebido na Igreja dos EUA, foi esquecido.

Antes desse encontro, a liderança da Conferência emitiu uma declaração criticando o novo livro de Austen Ivereigh, “Wounded Shepherd” [Pastor ferido]. Talvez, em vez de criticá-lo, eles deveriam lê-lo, especificamente quando ele discute a carta de Francisco aos bispos chilenos ao iniciarem seu encontro em Roma para refletir sobre a cumplicidade deles no abuso sexual de crianças. Ele escreve:

“[A carta] começava lembrando o favor e a misericórdia originais de Deus, pedia que os bispos reconhecessem onde Deus havia sido rejeitado em favor de ídolos e os convidava a voltar para as suas origens. A Igreja no Chile, uma vez, havia sido profética, focada no exterior, corajosa e santa. Porque colocava Cristo em seu centro, ela evangelizava; porque estava perto do povo e era humilde o suficiente para confessar seus pecados, ela era alegre; porque defendia os pobres, ela gerava santidade. Mas, então, ela se perdeu. Voltou-se para si mesma, tornando-se clericalista, elitista, autoritária e internamente dividida. Ao tentar salvar a si mesma, a Igreja institucional usurpou a consciência dos fiéis, recuando do povo santo, paciente e fiel de Deus, ‘o sistema imunológico da Igreja’.”

Eu desejo que os bispos dos EUA considerem como essas palavras se aplicam a eles, e não apenas aos bispos do Chile. É claro que, no fim da sua reflexão, todo o episcopado chileno colocou suas renúncias nas mãos do papa. Hmmm...

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