''A urgência não poderia ser maior'': mensagem por ocasião do 4º aniversário da encíclica Laudato si’. Artigo de Peter Turkson

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26 Mai 2019

A Sala de Imprensa da Santa Sé, 24-05-2019, publicou a mensagem do prefeito do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Integral Humano, cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, à comunidade científica, por ocasião do 4º aniversário da encíclica Laudato si’, do Papa Francisco.

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Excelentíssimos senhores e senhoras da comunidade científica,

Há algum tempo, o Papa Francisco recebeu alguns de seus colegas, liderados pelo climatologista francês Jean Jouzel, membro de longa data do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Eles compartilharam as profundas preocupações de inúmeros cientistas especialistas no campo, referentes à atual crise climática, provocada pela interferência do ser humano em relação à natureza.

Em 2015, ele publicou a carta encíclica Laudato si’  [1], partindo das preocupações com as “rachaduras do planeta que habitamos” (LS 163) e desejando “entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum” (LS 3). A sua publicação queria ser um encorajamento aos trabalhos da cúpula COP 21, que levaria ao histórico Acordo de Paris sobre o Clima, voltado a manter a temperatura média da superfície do planeta “bem abaixo de 2ºC” e a “intensificar os esforços” para limitar até mesmo o aumento a 1,5ºC. O Relatório Especial do IPCC 2018 sobre a lógica e sobre viabilidade do limite a 1,5ºC [2] nos adverte que temos apenas cerca de uma década para conseguir conter esse aquecimento global.

O limiar de 1,5ºC é um limiar físico crítico, pois ainda permitiria evitar muitos impactos destrutivos das mudanças climáticas causadas pelo ser humano, tais como a regressão das principais calotas polares e a destruição da maioria dos recifes de coral tropicais. Em particular, provavelmente salvaguardaria a nossa casa comum de se transformar em uma “estufa”. Com o aquecimento global de cerca de 1ºC que se verificou a partir da revolução industrial, já estamos assistindo ao grave impacto das mudanças climáticas sobre as pessoas, em termos de condições meteorológicas extremas, como secas, inundações, aumento do nível do mar, tempestades devastadoras e ferozes incêndios. A crise climática está alcançando proporções sem precedentes. A urgência, portanto, não poderia ser maior.

O limiar de 1,5ºC é também um limiar moral: trata-se da última possibilidade de salvar todos aqueles países e os muitos milhões de pessoas vulneráveis que se encontram nas regiões costeiras. São os pobres que pagam o preço mais alto das mudanças climáticas. “Tanto a experiência comum da vida cotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres” (LS 48). Devemos responder com coragem aos “gritos cada vez mais angustiantes da terra e dos seus pobres” [3].

É bom considerar que o limiar de 1,5ºC também é religioso. O mundo que estamos destruindo é o dom de Deus à humanidade, precisamente aquela casa santificada pelo Espírito divino (Ruah) no início da criação, o lugar onde Ele armou a sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1, 14). Como escreveu o Papa Bento XVI: “[a Terra] não é uma realidade neutra, mera matéria a ser usada indiferentemente de acordo com o instinto humano” [4], mas é a criação de Deus.

Em 2001, os bispos norte-americanos enfatizaram que, “se danificamos a atmosfera, desonramos o nosso Criador e o dom da criação[5]. É uma verdade profunda que aprendemos sobretudo com os nossos irmãos e irmãs indígenas: “Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores” (LS 146).

O apelo alarmante dos cientistas para agir para cuidar da nossa casa comum que está caindo aos pedaços também é apoiado por um apelo muito poderoso que vem das jovens gerações, cujo futuro está ameaçado: “Os jovens exigem de nós uma mudança” (LS 13), e há um ativo movimento de alunos e estudantes que se levanta em todo o mundo. Na Jornada Mundial da Juventude no Panamá, neste ano, os jovens lançaram a “Geração Laudato si’ e publicaram um poderoso manifesto, que desafia as comunidades de fé e a sociedade civil a uma radical conversão ecológica em ação [6]. Eles nos pedem para realizar a urgente transição para fontes de energia renováveis, em conformidade com o Acordo de Paris, e para “pôr fim à era dos combustíveis fósseis”, retomando os apelos dos bispos de todo o mundo [7].

Nos últimos meses, os jovens se tornaram cada vez mais explícitos, como se pode ver, por exemplo, nas impressionantes “greves pelo ambiente”. A sua frustração e raiva em relação à nossa geração é evidente. Corremos o risco de acabar roubando-lhes o futuro, além de deixar às próximas gerações “demasiadas ruínas, desertos e lixo” (LS 161).

É o momento de organizar uma intervenção. Como enunciado na Laudato si’, “a atenuação dos efeitos do desequilíbrio atual depende do que fizermos agora” (LS 161). Todos deveremos realizar uma mudança radical do nosso estilo de vida, do uso de energia, do consumo, do transporte, da produção industrial, da construção, da agricultura etc. Cada um de nós é chamado a agir.

Mas também devemos entrar em ação juntos, começando pelos governos e pelas instituições, até as famílias e as pessoas: precisamos de todos os braços disponíveis. São necessários “os talentos e o envolvimento de todos” (LS 14) para enfrentar essa crise e derrotar os poderosos interesses que obstaculizam a nossa resposta coletiva significativa a essa ameaça sem precedentes contra a nossa civilização.

É bom se unir aos cientistas e aos jovens para solicitar à nossa família humana, sobretudo àqueles que se encontram em posições de poder político e econômico, que empreendam intervenções drásticas para mudar de rumo. Devemos “pensar num único mundo, num projeto comum” (LS 164). É preciso apelar aos líderes políticos para que sejam muito mais corajosos e que escutem o grito dramático que se levanta da comunidade científica e do movimento dos jovens pelo clima. “Os governos têm o dever de respeitar os compromissos assumidos” em 2015 [8]. Os líderes mundiais que participarão da Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima, em setembro próximo, devem produzir sólidos planejamentos nacionais para a implementação do Acordo de Paris, especialmente os “países mais poderosos e mais poluidores” (LS 169).

Para enfrentar essa crise climática alarmante, é preciso mobilizar vontade e decisão, além de recursos econômicos em larga escala. Isso foi feito durante a crise financeira de 2007-2008 para salvar os bancos: não é possível fazer isso novamente agora para salvar a nossa casa comum, o futuro dos nossos filhos e das gerações futuras?

Ainda há esperança, muita esperança, ainda há tempo para agir e evitar os piores efeitos das mudanças climáticas. “Os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se” (LS 205). Devemos “renovar” os melhores recursos da nossa natureza humana, as virtudes inatas do amor, da compaixão, da generosidade e do altruísmo. O maior recurso do ser humano é que o Senhor da vida não o abandona, não o deixa só, porque se uniu definitivamente a ele e à terra, e o seu amor sempre leva a encontrar novos caminhos (Cf. LS 245).

24 de maio de 2019, no 4º aniversário da encíclica Laudato si’ do Papa Francisco

Peter K. A. Cardeal Turkson
Prefeito

Notas:

1. Cf. Laudato si', disponível aqui, em português.

2. Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), Special Report on Global Warming of 1.5°C (8 out. 2018) (disponível aqui, em inglês).

3. Francisco, Discurso aos participantes da Conferência Internacional por ocasião do terceiro aniversário da encíclica Laudato si’ (Cidade do Vaticano), 6 jul. 2018 (disponível aqui, em português).

4. Bento XVI, Exortação apostólica Sacramentum Caritatis, 22 fev. 2007, n. 92 (disponível aqui, em português).

5. Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB). Global Climate Change: A Plea for Dialogue, Prudence and the Common Good, 15 jun. 2001 (disponível aqui, em inglês).

6. Manifesto dos Jovens na Jornada Mundial da Juventude de 2019 pelo cuidado da nossa casa comum: conversão ecológica em ação (Panamá), 21 jan. 2019 (disponível aqui, em inglês).

7. World Bishops’ Appeal to COP21 Negotiating Parties, out. 2015 (disponível aqui, em português).

8. Francisco, Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, “Usemos de misericórdia para com a nossa casa comum”, 1 set. 2016 (disponível aqui, em português).

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