Carta aberta a Francisco: por uma conferência de batizados e batizadas

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18 Março 2019

Um padre se dirige ao papa, seu irmão no sacerdócio. E pede que o pontífice convoque conferências de batizados e batizadas em todo o mundo. Para que a barca da Igreja não afunde...

Publicamos aqui a carta aberta do padre francês Jean Casanave, da Diocese de Bayonne, França. O artigo foi publicado em Baptises.fr, 13-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Francisco,

Quem sou eu para me dirigir a ti (permito-me essa informalidade, porque é assim que me dirijo a Cristo na minha oração)? Eu sou um pecador como os outros. Mas, se ouso fazer isso, é porque fui ordenado padre apenas dois anos antes de ti e porque, consequentemente, tu és meu irmão no sacerdócio. Um irmão que desperta minha admiração, porque aceitaste conduzir a Igreja em um momento em que uma onda de escândalos faz pesar sobre todo o clero um manto de suspeita.

Francisco, olha para a França, filha mais velha da Igreja, como se dizia antigamente. Ela está doente. A Europa também. O sistema democrático tornou-se tão complexo e a sociedade está tão regulamentada que o cidadão se vê forçado a delegar cada vez mais todos os seus poderes a representantes encarregados de os exercer dentro do quadro do bem comum. Hoje em dia, ele se sente esquecido e vítima de um sistema que lhe escapa. Ele quer ser ouvido. Deseja retomar o poder que lhe compete, e faz com que se saiba disso. A reação é saudável, mesmo que pareça questionável em muitos pontos.

Olha para a Igreja! Tu sabes melhor do que eu, ela está doente. Nossa velha mãe, que atravessou tantos séculos, conservou, em sua frequentação da história dos homens, modos ultrapassados, títulos ridículos, ornamentos obsoletos, uma linguagem obscura. Poderíamos sorrir disso, como fazemos com as fotos amareladas de um velho álbum de família que folheamos. Ela percorreu tantos caminhos enlameados que sua pele está suja de terra. Mas essa sujeira não é insalubre. É a companheira inevitável da sua encarnação entre os seres humanos. É aquele barro que o Criador do livro de Gênesis amassou para fazer um ser à sua semelhança, embora terreno. Essa sujeira é desculpável; é o sinal de uma proximidade com os seres humanos que às vezes queimaram suas asas.

A Igreja está doente de um mal bem mais grave. Depois que o sopro do Espírito entrou na câmara alta de Pentecostes, os homens da Igreja – eu estava prestes a dizer “de aparato” – se esforçaram para canalizar esse vento divino em um labirinto, a ponto de ficar extenuado e às vezes pervertido. Deram-lhe um vocabulário específico, um código de boa conduta, um espaço sagrado do que pretendem deter a chave, definir as fronteiras e organizar a visita. E, como a invasão do sagrado é inversamente proporcional à perda da fé no Deus vivo, aqueles que se consideram seus proprietários e seus grandes sacerdotes viram seu prestígio crescer ainda mais.

Francisco, tu diagnosticaste esse mal. Tu o chamaste de “clericalismo”. Além disso, ele não é reservado ao clero e pode ser encontrado em muitas outras instituições humanas. Este abuso de poder é incomensurável com a sujeira contraída na passagem imprudente pelos desvios e atalhos. É uma torrente de imundície que se espalha sobre aqueles ministérios pervertidos. E isso é ainda mais intolerável porque toca pessoas vulneráveis.

Então, Francisco, tu que tens confiança no “Povo santo fiel de Deus”, pergunta-lhe se, por acaso, gostaria de se identificar mais com a comunidade dos Atos dos Apóstolos que compartilhava “com um só coração” o ensino, a palavra e o pão; pergunta-lhe se, por acaso, baseando-se nos conselhos de São Paulo, não desejaria repensar os ministérios da Igreja para confiá-los a homens e mulheres que se provaram à altura da condução da sua família e da sua profissão; pergunta-lhe se não preferiria se livrar um pouco de todos aqueles acessórios herdados dos séculos passados. É claro, eles tiveram a sua utilidade, mas se tornaram sufocantes e pesados. Além disso, muitas vezes impediram que o povo santo assumisse o seu papel, mantendo-o em um estado de infância protegida e prolongada.

Tu sabes, assim como eu, que o Mestre reprovava certas pessoas por imporem fardos que elas mesmas eram incapazes de carregar. Então, por favor, depois de ouvir os bispos, escuta os batizados e batizadas, aqueles que formam a “classe média da santidade”. Tu disseste que o Batismo era “a nossa primeira e fundamental consagração”, porque “ninguém foi batizado padre ou bispo”. Então, convoca uma conferência dos batizados e batizadas para cada continente. Dá-lhes a palavra sem intermediários, sem o filtro das “autoridades qualificadas”. Esse povo ainda fiel te dirá aquilo que é essencial preservar para que a barca não naufrague na ignomínia. Ele te dirá aquilo que deve ser jogado ao mar para aliviá-la, para que não seja engolida pelo seu próprio fardo.

Francisco, ajuda-nos a içar a vela, segura o leme, e que um novo vento nos leve para águas mais profundas...

Jean Casanave

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