China desembarca com investimentos e a custo de violação de direitos humanos na América do Sul

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Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 17 Outubro 2018

O comércio entre a China e a América Latina alcançou 244 bilhões de dólares em 2017. Os empréstimos chineses para os países da região nos últimos 8 anos ultrapassaram os 144 bilhões de dólares. De acordo com um informe da Global Development Policy Center, entidade da Universidade de Boston (EUA), entre 2008 e 2017 foram 71 bilhões de dólares aplicados pelos chineses para compra de empresas. A grande potência asiática desembarca na região desafiando o poder econômico dos Estados Unidos entre os seus vizinhos, mas traz consigo repetidas violações de direitos humanos. A Federação Internacional de Direitos Humanos – FIDH apresentou um relatório sobre 18 projetos chineses no continente, que agridem as populações indígenas, áreas protegidas, a floresta amazônica e patrimônios naturais e culturais.

Os 18 projetos investigados pela ONG são divididos em três setores. Sete pertencem à indústria mineradora, seis à petroleira e cinco a projetos de hidrelétricas espalhados por cinco países: Argentina, Bolívia, Brasil, Equador e Peru. O relatório da FIDH analisou conforme a Declaração de Direitos Humanos e seus pactos derivativos assinados pela China se havia o cumprimento das obrigações extraterritoriais.

A FIDH constatou quatro padrões de comportamento das empresas chinesas na região:

“(I) o desrespeito aos direitos fundamentais, econômicos, sociais e culturais internacionalmente reconhecidos, o incumprimento dos padrões internacionais e a falta de prestação de contas sobre as violações;

(II) o contínuo exercício de comportamentos violatórios de direitos com conhecimento de causa;

(III) a falta de monitoramento e exames de devida diligência de direitos humanos nos projetos no exterior;

e (IV) a falta de adoção e implementação de medidas efetivas para cumprir com as obrigações extraterritoriais do Estado chinês frente aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado”.

As mais incidentes violações dos tratados de direitos humanos se apresentam nos projetos petrolíferos no Equador. Os cincos projetos de extração de petróleo onshore (Bloques 62, 14, 17, 79 e 83) investigados na Amazônia equatoriana apresentam irregularidades, sendo que em três desses (14, 79 e 83) repetem-se agressões em todos os níveis analisados, isso é, além de afetarem a floresta amazônica, atingem territórios indígenas, áreas protegidas e patrimônios naturais declarados pelo UNESCO.


Campos de exploração de petróleo no Equador. Fonte: Secretaria de Hidrocarburos del Ecuador

No Brasil, a Usina Hidrelétrica de São Manoel, no rio Teles Pires, construída entre os estados do Mato Grosso e Pará, é um consórcio trinacional, com a participação da Eletrobrás, EDP (Portugal) e o grupo chinês Três Gargantas, e financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e com garantias do Banco de Desenvolvimento da China – CDB. A FIDH relata que os empreendimentos destruíram espaços sagrados para as populações Munduruku, Kayabi e Apiaka. O relatório apontou que houve deterioração na qualidade da água do rio, afetando a pesca, atividade de subsistência para as comunidades.


Hidrelétrica São Manoel. Imagem: Brasil de Fato

As populações indígenas argentinas também tiveram seus territórios afetados com os empreendimentos de capital chinês. As represas Condor Cliff e Barrancosa, ainda em construção, sobre o rio Santa Cruz, afetam as comunidades Mapuches Tehuelches, na Patagônia argentina. A FIDH chama a atenção aos possíveis impactos ao Campo de Gelo Patagônico Sul, que é o terceiro maior reservatório de água doce do mundo, que ainda não foram estudados pelas instituições do Estado argentino.


Represas Condor Cliff e Barrancosa, no rio Santa Cruz, Patagônia argentina. Mapa: Ministerio de Energía y Minería de Argentina

Além dos impactos ao meio-ambiente e às comunidades indígenas, o relatório aponta as incertezas sobre os processos legais de compra de terras. Os megaprojetos de mineração a céu aberto Mirador e San Carlos Panatza, ambos no Equador, não apresentam informações detalhadas sobre o seu impacto na Cordilheira do Condor, região com biodiversidade única e território de diversos povos originários. Já o projeto Río Blanco, de mineração subterrânea, foi iniciado sem o cumprimento das regras nacionais de proteção ao meio-ambiente e sem consulta ao povos pertencentes à região. Entretanto, a Corte de Justiça da província de Azuay, embargou o projeto de extração, em agosto de 2018.


Áreas de mineração no Equador. Mapa: El Telégrafo

O descumprimento de processos legais também foi levantado na Bolívia, com o projeto de exploração de petróleo onshore Nueva Esperanza, financiado pela estatal boliviana YPFB e executado pela BGP Bolívia, empresa subsidiada pela semi-estatal chinesa CNPC, maior petrolífera do país. Segundo o relatório da FIDH, a comunidade indígena Tacana, em isolamento na Amazônia Boliviana, foi consultada e rejeitou a execução do projeto. Entretanto, o governo boliviano negociou medidas que assegurassem os direitos das comunidades para o andamento do projeto. A BGP Bolívia afirmou desconhecer o acordo e executou o projeto causando danos ambientais e ao modo de vida dos Tacanas e Toromonas.


Cronologia do processo entre a população Tacana e o governo boliviano sobre o projeto Nueva Esperanza, em 2017. Gráfico: Centro de Documentación y Información de Bolívia - CEDIB

O relatório constatou a violação de direitos trabalhistas em pelo menos sete dos projetos analisados. Novamente no Equador, trabalhadores denunciaram condições insalubres e salários irrisórios. No Peru, a mineradora Shougang já foi penalizada por discriminar trabalhadores sindicalizados.

Por fim, a FIDH conclui que embora os investimentos chineses na América Latina nem sempre tenham interferência do Estado, é responsabilidade do governo criar mecanismos que garantam o cumprimento dos acordos de direitos humanos. Isso inclui a participação do capital privado chinês ou o financiamento chinês sobre obras de empresas locais.

A FIDH aponta que apenas a elaboração de leis por parte da China é insuficiente para garantir a proteção dos direitos humanos. A organização recomenda ao governo chinês reavaliar os investimentos na América Latina, se retirando de qualquer projeto atual ou futuro que interfira no modo de vida das populações indígenas e podendo suspender os projetos atuais que estejam operando irregularmente e em descumprimento aos direitos humanos e trabalhistas.

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