Na era da radicalização das guerras sociais, a política foi escravizada pelo discurso moralizante

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Por: Ricardo Machado | 23 Março 2017

Pablo Ortellado não gosta de meias palavras e, por isso mesmo, vai direto ao ponto quando se trata de discutir o atual cenário político brasileiro. “Junho de 2013 é a sociedade civil contra o Estado. A população estava protestando contra o Partido dos Trabalhadores – PT? Não, estava protestando contra o Estado. Porém, a partir de 2014 se inicia uma polarização intensa em que a luta contra a corrupção se converte em anti-petismo, o significante vazio em torno do qual fundem-se vários movimentos contra o PT”, analisa o professor e pesquisador da Universidade de São Paulo – USP.

Ortellado abriu o ciclo de conferências A reinvenção da política no Brasil contemporâneo. Limites e perspectivas, com a palestra A reinvenção da esquerda brasileira no pós-lulismo. Continuidades e rupturas, na noite da quinta-feira, 23-3-2017, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros no IHU.

O discurso moral colonizou o político. Eles se fundiram, mas prevalecendo a veia moral”, frisa Ortellado. De acordo com o palestrante, a polarização que marca o debate político no Brasil é efeito dos movimentos políticos, não das redes sociais. “Nos protestos contra a Copa do Mundo houve um esforço muito grande para diminuir a distância entre a sociedade civil e o Estado. No entanto, a polarização fundiu as diferentes matizes de pensamento em dois grandes blocos, de modo que o sistema político e a sociedade civil se tornaram uma coisa só”, pondera. Para tentar explicar a dimensão disto, o professor traz dois exemplos: “Nesse processo, o movimento feminista se funde com os políticos de esquerda da década de 1970 e sai um monte de faísca. Do outro lado, movimentos punitivistas se aliam ao PSDB, onde sai faísca do mesmo jeito”.


Pablo Ortellado, em conferência no Instituto Humanitas Unisinos - IHU (Fotos: Ricardo Machado/IHU)

Guerra social

Tentando compreender o fenômeno desde uma perspectiva mais ampla, Ortellado chama atenção para aquilo que a sociologia dos Estados Unidos definiu como “guerra social”, em que temas periféricos tomam de assalto a centralidade do debate político. “Aborto, legalização da maconha, casamento gay, pena de morte, todos esses assuntos, na década de 1980, saem da periferia e vão para o centro, estruturando e dividindo a sociedade em dois campos com visões de mundo morais antagônicas. O problema é que isso substitui o debate de fundo sobre o socialismo e o liberalismo”, assevera. “É por isso que a escola sem partido entra com tudo no debate político brasileiro”, pontua.

Dentro de todo este cenário, entra a questão do populismo, mas não no sentido corriqueiro que serve como adjetivo para desqualificar adversários políticos, senão de um modo mais sofisticado, sustentado por Laclau. “O populismo é quando lideranças políticas mobilizam a população na tentativa de fazer uma mudança – não importa se vai funcionar ou não. Isso só ocorre em um discurso de amplo espectro, não importando se de esquerda ou direita. O político assume um discurso do ‘povo contra as elites’”, avalia.

Da liberdade à ressubordinação


Pablo Ortellado

Para Ortellado o PT é um partido de esquerda muito sui-generis em âmbito mundial, pois é o maior partido-movimento de todos os tempos. Em sua análise, há, entretanto, uma diferença significativa entre as dinâmicas dos partidos e dos movimentos sociais. “Por exemplo, vejamos o movimento feminista antes dos anos 1960, ele era prioritariamente sufragista. Após esse período ele luta para mudar as relações entre as pessoas. O movimento negro também, era inicialmente abolicionista e depois, nas décadas de 1960 e 1970 passa a lutar contra a segregação. Só para citar dois casos dos Estados Unidos”, exemplifica. Os partidos, por sua vez, tentam institucionalizar as pautas, o que acaba por cessar a potência criativa dos movimentos.

Retomando a perspectiva de Laclau, um dos efeitos negativos do significante vazio é que ele funciona, também, como uma espécie de cortina de fumaça. “Veja, na perspectiva anti-petista o PT é uma elite privilegiada, então a luta é o 'povo contra o PT’. É daí que vem a força do anti-petismo e essa dinâmica é usada para várias coisas. O Dória, por exemplo, é de direita e implementa políticas de direita, mas ele usa o discurso da anti-política”, analisa Ortellado. Por outro lado, o professor lamenta que o PT e a polarização tenham sufocado os movimentos de rua contra a Copa do Mundo e pela redução do aumento das passagens. “Junho de 2013, que começou com jovens fora de ciclo dos movimentos dos anos 1970, 1980 e 1990, foi um levante da nova geração de esquerda contra a velha, mas que a velha geração conseguiu (re)subordinar”, sustenta. No cabo de guerra da polarização, o terremoto das forças opostas soterrou o debate político de fundo sob os escombros do discurso moralizante.

Pablo Ortellado

Pablo Ortellado é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação - Gpopai, todos na USP.

A programação do ciclo A reinvenção da política no Brasil contemporâneo. Limites e perspectivas pode ser conferida aqui.

Assista a conferência na íntegra

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