"Nenhum de nós deve se sentir 'superior' a ninguém", nem "olhar os outros de cima para baixo", diz Francisco aos novos cardeais

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29 Junho 2018

“Nenhum de nós deve se sentir ‘superior’ a ninguém. Nenhum de nós deve olhar os outros de cima para baixo [...]. A maior promoção que pode nos ser outorgada é: servir a Cristo no povo fiel de Deus, no faminto, no esquecido, no encarcerado, no enfermo, no toxicodependente”, e não se deixar corroer por “intrigas asfixiantes que secam e tornam estéril o coração e a missão”. São claras e nada fáceis as palavras que o Papa Francisco pronunciou na breve homilia, durante o Consistório público para a criação de 14 novos cardeais. O Pontífice concluiu com uma citação sobre a pobreza, do testamento espiritual de São João XXIII.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 28-06-2018. A tradução é do Cepat.

Os novos purpurados, um por um, desfilam diante do Papa para receber de suas mãos o barrete vermelho (de cor púrpura, que indica o juramento de servir ao Bispo de Roma e à Igreja usque ad sanguinis effusionem, até o derramamento do próprio sangue), o anel cardinalício e o pergaminho com o “título” que designa a cada um uma igreja paroquial da diocese de Roma, com o qual entram a título pleno no clero romano, ainda que exerçam seu ministério em lugares longínquos.

Os novos purpurados são: Luis Raphael I Sako, patriarca de Babilônia dos Caldeus, no Iraque; Luis Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; Angelo De Donatis, vigário de Roma; Giovanni Angelo Becciu, substituto da Secretaria de Estado; Konrad Krajewski, esmoleiro pontifício; Joseph Coutts, arcebispo de Karachi, no Paquistão; Antonio dos Santos Marto, bispo de Leiria-Fátima; Pedro Ricardo Barreto Jimeno, arcebispo de Huancayo, Peru; Désiré Tsarahazana, arcebispo de Toamasina, Madagascar; Giuseppe Petrocchi, arcebispo de Áquila, Itália; Thomas Aquino Manyo Maeda, arcebispo de Osaka, Japão. Além deles, há outros três que possuem mais de oitenta anos: Sergio Obeso Rivera, arcebispo emérito mexicano; Toribio Ticona Porco, prelado emérito de Corocoro, na Bolívia; e o padre espanhol Aquilino Bocos Merino, dos missionários claretianos, o único que não é bispo.

Em sua saudação ao Papa, o primeiro dos nove cardeais, o iraquiano Luis Sako, recordou que “alguns muçulmanos que foram me felicitar expressaram sua admiração pela abertura da Igreja e por estar sempre perto das pessoas em suas preocupações, medos e esperanças”. Sako se referiu aos sofrimentos dos cristãos: “Seu chamado paternal é para nós de animação em nossos sofrimentos e nos dá a esperança de que a tormenta atual passará e será possível viver juntos harmoniosamente. Creio firmemente na fecundidade do amor impelido até o final. Este sangue dos mártires não é por acaso, Santidade, asseguramos-lhe nosso apoio e nossa colaboração ainda mais intensa para promover a cultura do diálogo, do respeito e da paz, por todas partes e em particular onde mais se necessita”.

A imposição dos barretes foi acompanhada pelos aplausos dos fiéis (mais consistentes quando passaram os purpurados italianos, pois contavam com mais acompanhantes). Foram significativos os abraços do Papa com os novos cardeais, com seus colaboradores mais próximos (De Donatis, Ladaria, Becciu e Krajevski), mas foi longo e comovedor também o abraço com outros, como com o arcebispo de Karachi, Joseph Coutts, e com o arcebispo de Joseph Coutts, Giuseppe Petrocchi. Um barrete diferente dos normais foi entregue ao patriarca iraquiano: em lugar do tradicional “tricórnio”, recebeu um de forma cilíndrica semelhante a um gorro.

Francisco meditou sobre a passagem do Evangelho de Marcos, lido apenas na passagem em que se descreve a subida de Jesus a Jerusalém, enquanto caminha frente a seus discípulos. Cristo precede, primerea, disse Bergoglio, aos seus, na hora “das grandes determinações e decisões”.

“Todos sabemos – acrescentou o Papa – que os momentos importantes e cruciais na vida deixam falar ao coração e mostram as intenções e as tensões que nos habitam. Tais encruzilhadas da existência nos interpelam e conseguem trazer à luz buscas e desejos nem sempre transparentes do coração humano”. Diante do terceiro e mais duro dos anúncios da paixão, o evangelista Marcos não teme revelar “certos segredos do coração dos discípulos: busca dos primeiros postos, ciúmes, invejas, intrigas, arranjos e acomodações; uma lógica que não só carcome e corrói a partir de dentro as relações entre eles, como também os encerra em discussões inúteis e pouco relevantes”. Mas, Jesus lhes diz com força: “Não deve ser assim entre vocês: quem quiser ser grande entre vocês, que seja o servidor”.

Desta maneira, explicou o Pontífice, “o Senhor busca dar um a novo foca à visão e ao coração de seus discípulos, não permitindo que as discussões estéreis e autorreferenciais ganhem espaço no seio da comunidade. Para que serve ganhar o mundo inteiro, caso se esteja corroído por dentro? Para que serve ganhar o mundo inteiro, caso se viva preso em intrigas asfixiantes que secam e tornam estéril o coração e a missão? Nesta situação – como alguém fazia notar – já se poderiam vislumbrar as intrigas palacianas, também nas cúrias eclesiásticas”.

As palavras evangélicas são utilizadas para analisar a situação atual da Igreja. E essas palavras de Jesus, “não deve ser assim entre vocês”, são um “convite e uma aposta a recuperar o melhor que há nos discípulos e assim não se deixar derrotar e encerrar pelas lógicas mundanas que desviam a visão do importante”, convidando, ao contrário, a se dedicar à missão.

Justamente a missão “supõe deixar de ver e velar pelos próprios interesses para olhar e velar pelos interesses do Pai. A conversão de nossos pecados, de nossos egoísmos não é e nem será um fim em si mesma, mas aponta principalmente a crescer em fidelidade e disponibilidade para abraçar a missão”.

E Francisco convidou a estar “bem dispostos e disponíveis para acompanhar e receber a todos e a cada um, e não nos transformemos em ótimos repelentes por questões de estreiteza de olhar ou, o que seria pior, por estar discutindo e pensando entre nós quem será o mais importante. Quando nos esquecemos da missão, quando perdemos de vista o rosto concreto de nossos irmãos, nossa vida se fecha na busca dos próprios interesses e seguranças. Assim, começa a crescer o ressentimento, a tristeza e a inquietação”.

Na Igreja asfixiada pelas lutas internas, por intrigas de palácio, por grupinhos velhos e novos, “pouco a pouco, resta menos espaço para os outros, para a comunidade eclesial, para os pobres, para escutar a voz do Senhor. Desse modo, perde-se a alegria, e o coração acaba secando”. Ao contrário, Jesus ensina que “aquele que deseja ser primeiro, seja escravo de todos”. É “o convite que o Senhor nos faz para não nos esquecer que a autoridade na Igreja cresce nessa capacidade de dignificar, de ungir o outro, para curar suas feridas e sua esperança tantas vezes danificada”.

Por isso, recordou o Papa apontando o exemplo de Jesus, “a única autoridade credível é a que nasce de se colocar aos pés dos outros para servir a Cristo. É a que surge de não se esquecer que Jesus, antes de inclinar sua cabeça na cruz, não teve medo de se inclinar diante de seus discípulos e lhes lavar os pés. Essa é a maior condecoração que podemos obter, a maior promoção que pode nos ser outorgada: servir a Cristo no povo fiel de Deus, no faminto, no esquecido, no encarcerado, no enfermo, no toxicodependente, no abandonado, em pessoas concretas com suas histórias e esperanças, com suas ilusões e desilusões, suas dores e feridas”.

Só desta maneira, concluiu Bergoglio, “a autoridade do pastor terá sabor de Evangelho, e não será como “um metal que ressoa ou um címbalo que aturde”. Nenhum de nós deve se sentir “superior” a ninguém. Nenhum de nós deve olhar os outros de cima para baixo. Unicamente nos é lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo, quando a ajudamos a se levantar”.

Para concluir, Francisco fez com que ressoassem na basílica vaticana as palavras do testamento espiritual de São João XXIII:

“Nascido pobre, mas de honrada e humilde gente, estou particularmente feliz em morrer pobre, tendo distribuído segundo as diferentes exigências e circunstâncias de minha simples e modesta vida, a serviço dos pobres e da Santa Igreja que me alimentou, o que me chegou às mãos (em medida, aliás, muito limitada) durante os anos de meu sacerdócio e de meu episcopado. Aparências de comodidade, muitas vezes, velaram ocultos espinhos de pobreza que me impediram de dar sempre com a generosidade que gostaria. Agradeço a Deus esta graça da pobreza da qual fiz votos em minha juventude, pobreza de espírito, como Padre do Sagrado Coração, e pobreza real; e que me sustentou para nunca pedir nada, nem postos, nem dinheiro, nem favores, nem para mim, nem para meus parentes ou amigos” (29 de junho de 1954).

Um exemplo, o do Papa Bom que agora é santo, que Francisco expõe a todos, e, particularmente, aos novos e velhos cardeais.

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