As Universidades dos Estados Unidos, inclusive Georgetown, dos jesuítas, começam a enfrentar seu passado escravista

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05 Setembro 2016

A universidade jesuíta Georgetown anuncia que dará facilidades de acesso aos descendentes de 272 escravos vendidos em 1838.

A reportagem é de Cristina F. Pereda e publicada por El País, 03-09-2016. A tradução é de André Langer.

“Meu nome é Joe Stewart e sou descendente de um dos 272. Vocês garantem que a única coisa que falta neste debate são os rostos dos atingidos. São estes”, disse somente este homem afro-americano apontando com sua mão para quatro mulheres que, junto com ele, participavam de um ato solene na Universidade de Georgetown (Washington). Os 272, seus ancestrais, eram os escravos que os jesuítas venderam em 1838 para saldar uma dívida e garantir a sobrevivência da que hoje é uma das melhores universidades do mundo: 115 mil dólares na época – 3,3 milhões de dólares atuais – por um grupo de famílias que foram separadas por seus compradores ao chegar a Luisiana contra o que fora inicialmente prometido.

Os pesquisadores da universidade garantem que os jesuítas possuíam mais de mil escravos nas plantações da região. Não eram os únicos. Brown, Princeton e Emory também tiveram escravos. Embora este episódio fosse amplamente conhecido pelos historiadores, o assunto protagoniza um intenso debate público desde o ano passado, quando o movimento estudantil contra a discriminação racial chamou a atenção sobre o fato. E agora faz parte do debate sobre a brecha racial do país.

Georgetown, a primeira instituição educativa católica dos Estados Unidos e uma das mais prestigiosas do país, deu um passo histórico na última quinta-feira ao anunciar que oferecerá reparações aos descendentes dos 272 e lhes dará preferência para estudar em suas salas de aula. O centro também anunciou que um dos seus prédios passará a se chamar Isaac, nome de um dos escravos vendidos, e outro será rebatizado em honra de uma professora afro-americana que pertenceu à ordem católica.

“O demônio que definiu os primeiros anos da República estava presente aqui”, assegurou na quinta-feira o presidente da Universidade de Georgetown, John DeGioia, ao anunciar sua decisão, que coincide com a publicação de um relatório realizado pelo próprio centro sobre seu passado escravista. A instituição jesuíta celebrará, além disso, uma missa na qual “suplicará o perdão por ter participado na instituição da escravidão, especificamente pela venda de 272 crianças, mulheres e homens que deveriam ter sido considerados membros da nossa comunidade”.

“A Georgetown merece o reconhecimento por ter tomado esta decisão que demonstra seu compromisso de participar de uma conversação de longo prazo sobre como curar as feridas”, afirma Craig Steven Wilder, autor do livro Ebony & Ivy, dedicado à herança escravista das universidades estadunidenses. “Mas, os relatórios e as conversações não curam. Precisamos de ações concretas”. O especialista sente falta de um compromisso econômico mais sólido por parte da Georgetown e medidas que favoreçam a entrada de mais estudantes afro-americanos, que representam agora 6% dos seus 18.500 alunos.

Karran Harper Royal também. Ela foi encarregada, na sexta-feira, de ler o comunicado dos descendentes dos 272. Enquanto a Georgetown investigava seu rastro com especialistas em genealogia, esta trabalhadora social de Luisiana começou pela internet, continuou pelos arquivos dos museus e viajou a antigas plantações. “É uma descoberta que estou aprendendo em tempo real, há milhares de pessoas conectadas”, explica, “e eu precisava saber por que sou quem sou”. Graças aos testes de DNA, sabe que seu marido e seus filhos descendem de um dos escravos vendidos pela universidade. “A Georgetown deu um bom passo, mas queremos trabalhar com eles para que vão ainda mais longe”.

Wilder garante que os 272 pertenciam à última geração escravizada na universidade, onde há mais de 50 anos eram empregados em trabalhos de construção, manutenção ou no atendimento de trabalhadores e estudantes. Assim como a Georgetown, também a Brown University anunciou em 2006 a criação de um instituto para o estudo da escravidão e um monumento em homenagem às suas vítimas. Outros centros deram passos similares, mas nunca na forma de retribuição econômica.

“A palavra reparação lhes dá medo e temem abrir um precedente que teria um custo alto”, explica o historiador do Massachusetts Institute of Technology. “Estamos falando de algumas das instituições mais ricas do país”. O escritor documentou em seu livro como a época de maior crescimento nas universidades dos Estados Unidos, em meados do século XVIII, coincidiu com um dos picos históricos do tráfico de escravos. Nessa época, tinham cerca de 400 mil pessoas escravizadas. Um século depois eram quatro milhões: um quinto da população.

A identificação dos descendentes diretos era praticamente impossível pela falta de registros oficiais. Universidades como a Brown, Princeton e Emory não registraram a venda de escravos, já que isso correspondia às famílias às quais pertencia cada instituição. Em Georgetown, a história é diferente. “É mais fácil identificá-los, porque os jesuítas guardavam arquivos de todas as suas atividades empresariais”, afirma Wilder.

Os protestos estudantis dos últimos anos, que reivindicavam gestos como os da Georgetown, coincidiram, além disso, com a publicação de novas pesquisas e trabalhos sobre a herança da escravidão em empresas, instituições e universidades de todo o país que apontaram seu êxito econômico com o trabalho da mão de obra escrava.

É a última tentativa para recuperar o debate da reconciliação iniciado por Boris Bitker em 1971 com seu Argumento pelas reparações a afro-americanos para “curar as feridas (...) daqueles que carregaram durante décadas as cicatrizes de séculos de escravidão”. Em termos similares, Harper Royal explicou na sexta-feira na Georgetown que querem “desencadear os corações e as mentes daqueles que nunca foram fisicamente escravizados, mas mesmo assim trabalham sob os vestígios da escravidão em nosso país”.

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