Legalidade 50 anos: "Foi um movimento legalista. Não foi sequer nacionalista"

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05 Julho 2011

O radialista João Batista Filho de Melo Filho, mais conhecido como Batista Filho, era locutor de notícias esportivas na Rádio Farroupilha e tinha 20 anos por ocasião da Legalidade. Hoje, ele conduz um programa na TV Assembleia chamado Legalidade, 50 anos, no qual apresenta depoimentos de pessoas que participaram do movimento. Em entrevista à Lorena Paim do sítio Sul21, 05-07-2011, Batista Filho,  rememora os principais acontecimentos daquele agosto de 1961.

Foto: Vozes do Rádio/PUCRS.

Eis a entrevista.

O senhor já era radialista em 1961. Como ficou sabendo da renúncia de Jânio Quadros?

Soube das primeiras notícias e pensei: "vai acontecer alguma coisa; não vai ficar assim". Eu era janguista; com colegas, discutíamos política depois do trabalho. Naquela noite de 25 de agosto de 1961, estava com dois amigos a caminho do American Boite, para dançar um pouco. Foi quando passou um funcionário da Agência Nacional e me disse: "vocês tirem o cavalo da chuva, que os militares não vão deixar o Jango assumir o poder". Aí eu exclamei: "este Denys (ministro da Guerra), este louco vai tentar impedir a posse do Jango". Corri então para o Palácio Piratini, para contar ao Hamilton Chaves, chefe de Imprensa e que era primo do meu pai. Hamilton disse que já sabiam e estavam se preparando.

Como foi essa preparação?

Brizola tinha concedido entrevista para as rádios Gaúcha, Difusora e Farroupilha, mas a Guaíba não transmitiu. Fiquei sabendo que iriam requisitar a Radio Guaíba para Brizola falar do estúdio. Alguém alertou que não teria amparo legal para falar de lá, mas que poderia requisitar a emissora e levar funcionários sob responsabilidade do governo a outro lugar. Alguns alegaram que somente o governo federal poderia requisitar uma concessão federal. Parece que prevaleceu a interpretação do Maya d’Ávila (procurador- geral), de que o Executivo, de qualquer nível, poderia requisitar a rádio. Além disso, o engenheiro Homero Simon, diretor da Guaíba, tinha ligações pessoais com Brizola. Num primeiro momento, foram para o estúdio montado no Palácio os funcionários da Guaíba Celso Costa (operador), Homero Simon, o auxiliar Hélio Custódio, Naldo Charão de Freitas (que foi o locutor praticamente todo o tempo até a adesão do general Machado Lopes), Marcos Aurélio Wensendonck, como locutor reserva.

O senhor chegou a participar, já que era radialista?

Eu me ofereci, mas Hamilton Chaves disse que, naquele momento, os requisitados seriam os locutores da Guaíba. Eu entendi; não tinha o padrão Guaíba. Era uma emissora muito judiciosa, com quatro anos de existência e seus locutores tinham alto nível. Começaram a aparecer locutores voluntariamente. Fiquei encarregado pelo Hamilton de receber essas pessoas e ajudar a fazer uma seleção, pois conhecia todo mundo. Logo que o comandante do III Exército aderiu, foi liberada a Rede da Legalidade, entrando as demais rádios. Os locutores passaram a fazer um revezamento no microfone, de uns 20 minutos para cada um: Lauro Hagemann, Ênio Rockembach, João Carlos Cardoso, Marino Cunha, Carlos Alberto Rockembach. Lauro foi coordenador das transmissões ao exterior e levou Erika Coester para fazer boletins em alemão. Eram tantos e tantos candidatos a locutor, que Hamilton me disse: "vê quem é locutor mesmo e credencia". Eu dizia: "vocês são muito bem-vindos, fiquem ali na frente do Palácio para apoiar o governo, para mobilizar as pessoas".

O senhor ficou quanto tempo no Palácio?

Fiquei umas duas noites e uns três dias. Depois da adesão de Machado Lopes, não precisava de nenhum voluntário, rigorosamente. Era só por entusiasmo, ardor patriótico e um pouco de exibicionismo, pois a coisa estava controlada. Lembro de seu Vicente Gomes, o homem do cafezinho, o Bertonino um faz-tudo, o Alvício, o motorista que servia a Imprensa e o Palácio. Estranhamente, não era confuso. Foi tudo perfeitamente organizado, um trabalho de fôlego principalmente do Naldo e do Celso Costa, que operacionalizou a transmissão no Palácio e na Ilha da Pintada, onde ficavam os transmissores da Rádio.

O rádio foi essencial para o sucesso do movimento?

Brizola sempre foi homem do microfone, se elegeu governador graças ao seu programa da Rádio Farroupilha das sextas-feiras. Mas também influiu a opção daqueles que votaram contra Peracchi Barcelos; foi o voto da represália. A Farroupilha atingia todos os quadrantes do estado, em algumas cidades gaúchas às vezes tinha-se que ouvir o Brizola compulsoriamente, pois era a emissora que chegava ali. E, ainda, Brizola foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro graças à Rádio Mayrink Veiga. Durante a Legalidade, a Rádio Gaúcha foi importante para a mobilização das Câmaras municipais. A Gaúcha transmitia as ações da Assembleia Legislativa durante a Legalidade. E isso durou 17 dias. Seu proprietário, Maurício Sirotsky, chegou a colocar a Gaúcha à disposição de Brizola, para ficar na rede da Legalidade.

Como foi o credenciamento dos jornalistas que vieram fazer a cobertura?

Eram cerca de 400 pessoas, entre mídia impressa e rádio. Fiquei encarregado de identificar o pessoal do rádio. Nessa área eram cerca de150 pessoas.

Quais os momentos mais tensos?

O que teve foi muita versão sobre o bombardeio, sobre os tanques da Serraria que estavam vindo para o Palácio, que pifaram em algum momento. Ninguém nunca confirmou nem viu os tanques. O que houve foi a barricada que fizeram na Praça da Matriz, com caminhões, sacos de areia, automóveis. As pessoas do povo ficavam ali se constituíam em alvo. Não peguei revólver, porque, inconscientemente, nunca acreditei que iam bombardear o Palácio. Não vão ter coragem de fazer isso, matar inocentes na praça – pensei.

Como foi a chegada de Jango a Porto Alegre?

Tancredo Neves levava para Jango, em Montevidéu, o sentimento do Congresso, que não ousaria contrariar a opinião pública: ela não aceitaria o confronto. Tancredo falou em consenso, porque o consenso era ele próprio em 61, assim como foi em 1985. De Porto Alegre, Brizola enviou para falar com Jango o Ajadil de Lemos, que era um homem de sabedoria política como contraponto a Tancredo, mas era um moderado. Se Brizola quisesse sugerir uma posição mais aguerrida, talvez devesse mandar outro emissário. Uma coisa sobre a qual é preciso se refletir. Jango, em 61, esteve certo em dois momentos: ao aceitar o parlamentarismo e já prever o plebiscito. Quando Jango chegou a Porto Alegre e não falou ao povo, o sentimento foi de frustração. Eu também senti, num primeiro momento, mas em seguida vi que ele tinha razão.

Jango tinha, já antes de 61, uma visão universal maior, enquanto Brizola tinha a intuição, a força, o idealismo. Brizola adquiriu essa visão maior no exílio. Mas, naquele momento, a expectativa da grande imprensa era da reação, do confronto. Luiz Carlos Barreto, que era jornalista de O Cruzeiro, protestou, dizendo: "não se pode esperar nada diferente de um fazendeiro rico". Os jornalistas vieram de fora para cobrir o confronto. Daí a explicação sobre um pouco de frustração pessoal e muito de frustração profissional. Devem ter pensado: "vim para cobrir uma guerra e estou cobrindo uma viagem a Brasília. Se era por isso, não precisava ter vindo".

Em geral, todas as forças aderiram à Legalidade?

Sim, não foi uma posição partidária. Foi uma posição de um estado em defesa da legalidade que se estendeu para o país. Foi um movimento legalista, não foi sequer nacionalista.

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