O “processo sinodal” supostamente começa no próximo mês. Algo está acontecendo? Artigo de Massimo Faggioli

Foto: Vatican Media

09 Setembro 2021

 

“O pontificado de Francisco incorpora uma ordem eclesial diferente. E o sucesso ou fracasso de seu pontificado provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso deste processo sinodal. A sinodalidade eclesial depende tanto do institucional quanto do carismático. É o componente hierárquico da Igreja – o papa e os bispos – que convoca e conduz os sínodos. E, no entanto, não há sínodo sem uma participação espiritual que seja mais forte do que a simples obediência à hierarquia. Com êxito ou fracasso, este processo sinodal contribuirá para despojar o nosso discurso eclesial de pretensão e engano institucional em nome do carisma”, escreve o historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, EUA, em artigo publicado por La Croix International, 07-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

 

O secretariado do Sínodo dos Bispos publicou e apresentou à imprensa o “Documento Preparatório” e o “Vademecum” para o processo sinodal de 2021-2023 que o Papa Francisco convocou para a Igreja universal.

Este talvez seja o mais audacioso projeto do seu pontificado.

O lançamento oficial do processo sinodal ocorrerá em Roma, nos dias 09 e 10 de outubro. Seu propósito é engajar toda a Igreja na preparação para a próxima assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos, que ocorrerá em outubro de 2023 em Roma, e focará sobre o tema da sinodalidade.

Igrejas locais em todo o mundo estão agendados para iniciar seu engajamento no processo sinodal no próximo dia 17 de outubro.

Pelo menos isso é o que deveria acontecer, de acordo com os documentos do secretariado do Sínodo.

“O bispo diocesano celebrará o mesmo programa (que o papa celebrará uma semana antes): 1) Abertura das sessões e tempo para reflexão; 2) Orações litúrgicas e celebração da Eucaristia”.

Mas na realidade, não está claro o que vai acontecer nas Igrejas locais.

 

O silêncio das lideranças católicas nos EUA

 

Curiosamente, ouvi de muitos amigos e colegas em todo o mundo que em suas dioceses nada está acontecendo: eles não ouviram nada sobre a preparação para a celebração dos sínodos locais, nem de seu bispo nem de seu pároco.

Nas Igrejas de dois países em particular – Alemanha e Austrália – iniciou-se um processo sinodal ante litteram, isto é, antes que Francisco o fizesse um projeto para toda a Igreja Católica.

Em outros países, como Itália e Irlanda, os bispos iniciaram o processo. E na América Latina já existe uma cultura sinodal existente desde antes do pontificado de Francisco (e da qual vem o papa argentino); portanto, este processo sinodal pode se inserir perfeitamente na vida de muitas Igrejas locais.

Mas nos Estados Unidos, por exemplo, nada foi anunciado ou dito em nível nacional pela Conferência Episcopal (USCCB). Em vez disso, houve um silêncio total.

O “Plano Estratégico da USCCB 2021-2024” não menciona o processo sinodal – nem mesmo de passagem.

E o mesmo pode ser dito para a maioria das dioceses.

As experiências de sinodalidade a nível diocesano são muito raras nos Estados Unidos – um sinal de subdesenvolvimento eclesial, mesmo dentro de uma Igreja que é muito mais sociologicamente vital do que as Igrejas na Europa, por exemplo.

 

Um referendo sobre o pontificado de Francisco

 

Vamos lembrar que o impulso do papa para a sinodalidade começou muito antes de maio de 2021. Na verdade, foi em outubro de 2015, durante uma assembleia do Sínodo dos Bispos.

Este é um momento delicado para o pontificado de Francisco. É verdade – como disse na longa entrevista que a rádio católica espanhola, COPE, transmitiu no dia 1º de setembro – que “sempre que um papa está doente, há uma brisa ou um furacão de conclave”.

Na mesma entrevista, Francisco disse que a ideia de renunciar nunca lhe passou pela cabeça.

O perigo para o papa neste momento não consiste nos rumores sobre o próximo conclave, mas no tipo de referendo episcopal que ele convocou para si mesmo nos últimos meses.

 

Bispos cautelosos e pouco entusiasmados

 

Primeiro, havia o motu proprio Traditionis custodes, que ele emitiu em 16 de julho. Este dá a cada bispo a autoridade para decidir sobre a celebração da missa pré-Vaticano II em sua diocese.

Pelo que vimos até agora, a maioria dos bispos, mesmo os mais fervorosos defensores da reforma litúrgica do Vaticano II, foram cautelosos e bastante pragmáticos ao abraçar o impulso do papa para reduzir e limitar o uso do missal pré-conciliar.

Em segundo lugar, existe o tipo de referendo que nas próximas semanas e meses dará aos bispos locais individuais o poder de votar: uma votação sobre se e como eles desejam participar do “processo sinodal”.

Devemos estar preparados para a possibilidade de que, em algumas Igrejas locais e nacionais, a sinodalidade nunca chegue, ou pelo menos não durante este pontificado.

Em alguns casos, isso ocorre porque as condições objetivas e materiais da Igreja local não permitem a celebração de sínodos diocesanos e nacionais.

Em outros casos, é uma questão de condições eclesiais e teológicas: clero local, bispos e outros atores eclesiais influentes que nunca ouviram falar da sinodalidade.

Alguns acham que é uma perda de tempo ou um substituto para a evangelização.

 

Uma história de falhas

 

O processo sinodal visa “ajudar a desenvolver a conversão sinodal da Igreja”, disse a subsecretária do secretariado sinodal, irmã Nathalie Becquart, durante a coletiva de imprensa de 7 de setembro, no Vaticano.

É de se esperar que na Igreja Católica global haja uma grande variedade de tipos de recepção – e mesmo de não recepção – do convite de Francisco para o processo sinodal 2021-2023.

Isso não é novo. Os historiadores sabem bem que a história dos sínodos é, do ponto de vista institucional, também uma história de fracasso.

O Concílio de Trento determinou que os bispos realizassem sínodos diocesanos e metropolitanos regulares: um sínodo provincial a ser celebrado a cada três anos e um sínodo diocesano todos os anos (Concílio de Trento, vigésima quarta sessão, 11 de novembro de 1563, decreto de reformatione, capítulo II).

Uma norma semelhante pode ser encontrada no Código de Direito Canônico de 1917, que então ordenou que os sínodos diocesanos fossem realizados a cada dez anos (CIC 1917, cân. 356-362).

Claro, os sínodos que Trento e o Código de 1917 tinham em mente eram diferentes do sínodo que o Papa Francisco está defendendo. Eles são menos participativos e menos inclusivos dos leigos. Em todo caso, a celebração regular dos sínodos locais nunca realmente saiu do papel.

Deve-se notar que João Paulo II renunciou à ideia de sínodos frequentes.

O Código de Direito Canônico revisado, que ele promulgou em 1983, diz: “Um sínodo diocesano deve ser celebrado em cada uma das Igrejas particulares quando as circunstâncias o sugerirem no julgamento do Bispo diocesano depois de ter ouvido o conselho presbiteral” (cân. 461 , 1).

 

Visibilidade e verificabilidade

 

Há uma diferença entre a não celebração de sínodos na Igreja depois de Trento ou de acordo com o Código de 1917 e a possível falha, nas Igrejas locais, em receber o convite do Papa Francisco para participar do processo sinodal 2021-2023. É uma diferença de visibilidade e verificabilidade.

Agora é instantaneamente possível para qualquer católico ver a distância que existe entre uma diocese na Alemanha e nos Estados Unidos, por exemplo, ou mesmo entre dioceses do mesmo país e até mesmo do mesmo estado, como San Diego e San Francisco (ambos na Califórnia, mas liderados por dois bispos muito diferentes).

Também será possível ver se o processo sinodal na Igreja local é genuíno ou apenas para exibição.

Também há uma diferença de ordem eclesial.

Na Igreja de Trento e do Código de 1917, era o elemento institucional, hierárquico, que cobria todos os tipos de pecados.

Na Igreja contemporânea, a liderança carismática – pelo menos até recentemente – deveria sustentar a credibilidade da Igreja, mesmo quando ela era confrontada com o insustentável.

Essa ordem eclesial institucional e carismática foi varrida por forças massivas: a crise dos abusos, a globalização da Igreja e um novo ecossistema de mídia, só para citar alguns.

O pontificado de Francisco incorpora uma ordem eclesial diferente. E o sucesso ou fracasso de seu pontificado provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso deste processo sinodal.

A sinodalidade eclesial depende tanto do institucional quanto do carismático.

É o componente hierárquico da Igreja – o papa e os bispos – que convoca e conduz os sínodos. E, no entanto, não há sínodo sem uma participação espiritual que seja mais forte do que a simples obediência à hierarquia.

Com êxito ou fracasso, este processo sinodal contribuirá para despojar o nosso discurso eclesial de pretensão e engano institucional em nome do carisma.

Mas o sucesso ou fracasso do pontificado de Francisco provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso desse processo sinodal.

 

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