Alemanha. Para enfrentar a pandemia, esquerda propõe uma semana de trabalho de quatro dias

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01 Setembro 2020

“A história do trabalho também é uma história da redução do trabalho”. Esta frase foi confrontada, há poucos dias, pelos leitores do jornal conservador e pouco amigo do progressismo alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. O artigo que continha essa afirmação levava no título uma eloquente pergunta: “Trabalhar apenas quatro dias?”.

A reportagem é de Aldo Mas, publicada por El Diario, 30-08-2020. A tradução é do Cepat.

O fato deste jornal, considerado um dos bastiões do ordoliberalismo teutônico, dedicar suas páginas a essa pergunta, mostra o caminho que está percorrendo no país da chanceler Angela Merkel a ideia de reduzir a jornada de trabalho para quatro dias semanais. Algumas semanas atrás, veio à mesa pela deputada e copresidente do Die Linke, Katja Kipping.

Ela defendeu a proposta como "uma utopia realista" que para muitos pode soar mais como a realidade. Acima de tudo, porque o principal e influente sindicato da indústria alemã, o IG-Metall, também apoia esta redução da jornada de trabalho. Além disso, nestes dias, ouve-se também essa defesa por parte de economistas, gestores do mundo empresarial e até do Governo alemão, que há poucos dias concordou em ampliar, até o final de 2021, o mecanismo dos kurzarbeit, o equivalente ao ERTE espanhol, para parar a destruição do trabalho devido à crise do coronavírus.

Em tempos de pandemia, o argumento mais poderoso de Kipping provavelmente é que uma jornada de trabalho mais curta é, em última análise, uma questão de saúde pública. Em seu entender, ajudaria a romper com uma cara dinâmica da qual se fala pouco no mercado de trabalho alemão. “A duração média das licenças médicas por doenças relacionadas ao estresse é três vezes maior do que para outras doenças”, segundo destacou a líder do Die Linke, que defendeu que em setores como o das novas tecnologias a redução da semana de trabalho não tem nada de utópico.

Kipping citou o exemplo da empresa estadunidense Microsoft, que registrou a experiência de colocar seus funcionários para trabalhar quatro dias semanais e ver a produtividade de seus funcionários crescer “quase 40%". Mas a redução do trabalho semanal vai além do setor de informática. Caso contrário, o IG-Metall não teria se manifestado a favor da ideia.

Jörg Hofmann, presidente desse sindicato, destacou em entrevista recente ao Süddeutsche Zeitung que trabalhar menos traz mais benefícios do que os relacionados à saúde pública e ao aumento da produtividade. “A semana de quatro dias seria a resposta para a mudança estrutural em setores como a indústria automobilística”, segundo Hofmann.

E assim, faz alusão à difícil situação em que se encontra o estratégico setor automobilístico alemão, agora atingido pela crise da Covid-19, mas, sobretudo, pelo que parece ser o inexorável futuro elétrico da mobilidade. Nesse contexto, já existem empresas, como o consórcio da montadora alemã Daimler, em que se aplica a ideia de reduzir a jornada de trabalho para salvar empregos.

Para Hofmann, reduzir o tempo de trabalho semanal tem muito a ver com a proteção do emprego. “A transformação não deve levar a demissões, mas a um bom trabalho para todos. Nesse sentido, os empregos industriais podem ser mantidos e não eliminados”, afirma o presidente do IG-Metall.

Economistas e empresários a favor

Vários economistas aproveitaram o debate para apontar que essa proposta não consiste em um "devaneio", termo usado, por exemplo, pelo semanário Der Spiegel. O economista Heinz-Josef Bontrup, professor emérito da Universidade de Gelsenkirchen, também destacou, em recente entrevista ao Frankfurter Rundschau, que “já existem estudos suficientes que comprovam que quem trabalha menos é mais produtivo”.

Também foram ouvidas vozes favoráveis à conveniência da semana de quatro dias pelo Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW, em sua sigla em alemão). Seu presidente, Marcel Fratzscher, tem se pronunciado a favor, embora também tenha assinalando que a ideia só faria sentido no caso de que se aceite receber menos e não o mesmo por menos horas de trabalho.

Nesses dias, muitos lembram que, nos anos 1990, a fabricante de carros Volkswagen, para enfrentar a crise que sofria naquele momento, conseguiu garantir empregos reduzindo as semanas de trabalho para 28,8 horas. Talvez diante de experiências como essa, já existam associações patronais que veem com bons olhos a ideia.

Um exemplo é a Associação Bávara da Indústria Elétrica e do Metal (VBM), cujo presidente, Bertram Brossardt, parece até aprovar a ideia. "Tudo o que garanta emprego está bom", disse recentemente Brossard ao jornal Handelsblatt. “Uma redução salarial que esteja alinhada à jornada de trabalho ajuda as empresas a manterem a liquidez”, segundo Brossardt.

A manutenção da liquidez nas empresas tem sido uma das prioridades do executivo da grande coalizão liderada pela conservadora chanceler Angela Merkel. Este é um dos objetivos do Fundo de Estabilização da Economia, dotado com 600 bilhões de euros e uma das iniciativas levantadas pelo Governo Alemão para enfrentar a crise da Covid-19.

Evitar um insustentável aumento do desemprego é outra das prioridades de Merkel e companhia nesta crise. Talvez por isso mesmo o Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, o social-democrata Hubertus Heil, se pronunciou a favor da ideia do Die Linke e do IG-Metall.

“A redução da jornada de trabalho com uma parcial compensação salarial pode ser uma medida razoável, caso os atores sociais entrem em acordo a esse respeito”, disse Heil ao grupo midiático Funken Mediengruppe.

No seu entender, não é que a redução da jornada de trabalho seja uma "utopia", nem que seja um "sonho". Nestes tempos de desaceleração econômica devido ao coronavírus, esta proposta parece ter um lugar entre as "medidas pragmáticas e boas que são necessárias para sairmos juntos da crise".

 

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