“Não fomos capazes de vos reconhecer, apreciar e defender na vossa peculiaridade”. Papa Francisco pede perdão aos ciganos

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03 Junho 2019

No último compromisso da viagem à Romênia, o Papa Francisco encontrou-se com a comunidade cigana. Na ocasião pediu perdão, “em nome da Igreja ao Senhor e a vós, pois no curso da história nos vos discriminamos, maltratamos ou olhamos de maneira errada, com o olhar de Caim ao contrário daquele de Abel”.

O discurso é publicado pela Sala de Imprensa do Vaticano, 02-06-2019.

Eis o discurso.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Estou feliz por vos encontrar e agradecido pela vossa recepção. Padre Ioan, não te enganas, quando afirmas estar certo desta verdade, segura mas às vezes esquecida: na Igreja de Cristo, há espaço para todos. A Igreja é lugar de encontro, e precisamos de o lembrar, não como um belo slogan, mas como parte do nosso cartão de identidade de cristãos. Tu no-lo recordaste, dando como exemplo o bispo mártir Ioan Suciu, que soube plasmar em gestos concretos este desejo de Deus Pai: encontrar-se com cada pessoa na amizade e na partilha. O Evangelho transmite-se na alegria de encontrar-se e saber que temos um Pai que nos ama. Sob o olhar d’Ele, compreendemos como olhar-nos entre nós. Com este espírito, quis cumprimentar-vos, fixar os meus olhos nos vossos, fazer-vos entrar no coração, na oração, com a confiança de entrar, também eu, na vossa oração e no vosso coração.

No coração, porém, trago um peso. É o peso das discriminações, segregações e maus-tratos sofridos pelas vossas comunidades. A história diz-nos que os próprios cristãos, os próprios católicos não são alheios a tanto mal. Quero pedir perdão por isso. Em nome da Igreja, peço perdão, ao Senhor e a vós, por todas as vezes que, ao longo da história, vos discriminamos, maltratamos ou consideramos de forma errada, com o olhar de Caim em vez do de Abel, e não fomos capazes de vos reconhecer, apreciar e defender na vossa peculiaridade. A Caim, não importa o irmão. É na indiferença que se alimentam preconceitos e fomentam rancores. Quantas vezes julgamos, imprudentemente, com palavras que doem, com atitudes que semeiam ódio e criam distâncias! Quando se deixa alguém para trás, a família humana não avança. Não somos completamente cristãos, nem sequer humanos, se não soubermos ver a pessoa antes das suas ações, antes dos nossos juízos e preconceitos.

Sempre houve, na história da humanidade, Abel e Caim. Há a mão estendida e a mão que fere. Há a abertura do encontro e o fechamento do desencontro. Há a hospitalidade e há o descarte. Há quem veja no outro um irmão e quem nele veja um obstáculo no próprio caminho. Há a civilização do amor e há a do ódio. Cada dia, há que escolher entre Abel e Caim. Como sucede perante uma encruzilhada, frequentemente impõe-se-nos fazer uma escolha decisiva: seguir o caminho da reconciliação ou o da vingança. Escolhamos o caminho de Jesus; trata-se dum caminho que exige esforço, mas é o caminho que conduz à paz. E passa através do perdão. Não nos deixemos arrastar pelos ressentimentos que incubamos dentro de nós: não demos qualquer espaço ao rancor. Porque nenhum mal resolve outro mal, nenhuma vingança satisfaz uma injustiça, nenhum ressentimento faz bem ao coração, nenhum fechamento aproxima.

Como povo, queridos irmãos e irmãs, tendes um papel de protagonista a assumir e não deveis ter medo de partilhar e oferecer as caraterísticas específicas que vos moldam e marcam o vosso caminho e de que tanto precisamos: o valor da vida e da família em sentido alargado (primos, tios...); a solidariedade, a hospitalidade, a ajuda, o apoio e a defesa dos mais frágeis no seio da sua comunidade; o respeito e valorização dos idosos; o sentido religioso da vida, a espontaneidade e a alegria de viver. Não priveis destes dons as sociedades onde vos encontrardes, e disponde-vos também a receber todas as coisas boas que os outros vos possam oferecer.

Por isso, desejo convidar-vos a caminhar juntos, lá onde estiverdes, na construção dum mundo mais humano, ultrapassando medos e suspeitas, deixando cair as barreiras que nos separam uns dos outros, alimentando a confiança mútua na busca, paciente e nunca vã, da fraternidade. Esforçar-se por caminhar juntos com dignidade: a dignidade da família, a dignidade de ganhar o pão de cada dia – é isto que te faz continuar – e a dignidade da oração. Sempre olhando para diante (cf. Encontro de oração com o povo Rom e Sinti, 9 de maio de 2019).

Este encontro é o último de minha visita à Romênia. Vim a este país lindo e acolhedor como peregrino e irmão para encontrar o seu povo. E agora volto para casa enriquecido, levando comigo recordações de lugares e momentos, mas sobretudo de rostos. Os vossos rostos vão colorir as minhas recordações e povoarão a minha oração. Agradeço-vos e levo-vos comigo. E agora abençoo-vos, mas antes peço-vos um grande favor: rezai por mim. Obrigado!

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