A geração que não assiste mais TV e corre atrás dos 'youtubers'

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15 Agosto 2017

São 21 horas de uma terça-feira no Rio e Mateus Sales, um garoto loiro e meigo de 13 anos, aguarda com pulinhos de impaciência para tirar uma foto com algum de seus ídolos. O pequeno está tão emocionado que nem atende sua mãe no telefone e minimiza as mais de sete horas de plantão que leva à frente de um galpão na zona portuária da cidade. Os ídolos que Mateus e mais seis amigos esperam não são futebolistas, nem apresentadores de televisão, nem cantores. Tampouco atores.

A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 14-08-2017.

Estamos às portas de um evento do YouTube cujas estrelas são Júlio Coccielo, Luba ou Whindersson Nunes, youtubers com milhões de seguidores na rede, que se tornaram os pop-stars de uma geração que não assiste mais TV. Mateus e seus amigos não sabem o que é almoçar com a trilha do Jornal Hoje nem vão dormir após o fim da novela das 21h. “Se eu assisto a TV? TV normal? Como assim?”, questiona o garoto. “Bom, só se houver jogo”. “A experiência de ver televisão não é mais familiar, é individual. Foi uma mudança comportamental das novas gerações”, afirma a diretora do YouTube no Brasil, Fernanda Cerávolo.

Os novos hábitos dos mais jovens, as chamadas geração Z e os millennials, começam a aparecer nas pesquisas. Embora a TV aberta continue sendo campeã de audiência no Brasil, o tempo que o brasileiro passa assistindo a vídeos na Internet vem crescendo em maiores proporções, segundo um estudo de 2016 apresentado pelo YouTube em parceria com o site Meio&Mensagem e a consultoria Provokers. “Os brasileiros são consumidores compulsivos de conteúdo em vídeo”, diz Cerávolo.

Os números da enquete revelam inclusive que o conteúdo da Internet já é mais procurado que o da televisão a cabo: enquanto 82 milhões de brasileiros, 42% da população, têm costume de assistir a vídeos na rede, os que assistem a TV por assinatura representam 37%. A pesquisa, que ouviu 1.500 pessoas entre 14 e 55 anos, das classes A, B e C, revela também que entre os adolescentes a televisão recebe cada vez menos atenção: 89% declarou estar conectado enquanto está diante da tela tradicional.

Mais próxima dos ídolos aos que Mateus mal consegue ver está Larissa Mariana, de 21 anos. A gritaria durante o show de Wesley Safadão, outra mina de ouro para o YouTube, faz impossível ouvir qualquer coisa a não ser na área externa do galpão. “TV? O que que é isso? Só ligo se alguém falar que está acontecendo algo importante, fora isso pega poeira”, diz a jovem.

Larissa dedica boa parte do dia a assistir vídeos sobre jogos, humor e ativismo LGBT. Questionada pela última publicação de um dos seus youtubers favoritos ela gargalha. No sketch, o jovem parodia o desespero de estar na casa do namorado ou namorada, ter diarreia, e não encontrar nem papel higiênico nem chuveirinho no banheiro. “Eu sei que é coisa de doido, mas é engraçado. São pessoas normais que falam de situações comuns”. Além de humor, Larissa encontra acolhida na comunidade virtual. “Eu me identifico muito com esse pessoal. Também há discursos sobre violência e fala-se de momentos difíceis. Me dá a sensação de não estar sozinha, de que, se eu precisar, vou ser ouvida”.

Os mais influentes do Brasil

Boa parte dessas “pessoas normais” parodiando o cotidiano têm produtores, assessores de imprensa e até mais de 20 milhões de seguidores nos seus canais. Vivem disso. São estrelas. Whindersson Nunes, que apesar de se encontrar na mesma sala da reportagem se recusou a dar entrevista, conta com mais de 22 milhões de pessoas seguindo seus vídeos de humor. Ele, de regata, tênis e bermuda esportiva como pronto para uma aula de educação física, é, conforme a pesquisa do YouTube, a segunda personalidade mais influente para os jovens brasileiros. Na frente apenas Luciano Hulk. Os youtubers como Nunes estão desbancando míticos apresentadores de televisão e atores como celebridades nas quais se espelhar. Nessa lista das dez personalidades mais bem colocadas, na qual aparecem Danilo Gentile, Taís Araujo, Lázaro Ramos e Tatá Werneck, metade são youtubers. Neles, os entrevistados veem autenticidade, originalidade, senso de humor e inteligência.

Os jovens fãs desses vloggers, além de ser uma audiência massiva, são incansáveis. Capazes de aguardar horas num shopping por algo tão vintage como um autógrafo, também averiguam os endereços de hotel onde ficam seus ídolos e os perseguem por apenas uma foto. Lucas Rossi, conhecido como Luba – 4,6 milhões de assinantes e o sexto na lista de mais influentes –, já teve seu prédio invadido. “Seria bom fazer a mesma coisa, não sendo tão famoso”, lamenta ele, youtuber profissional desde 2014 e um dos mais queridos por intercalar discursos de tolerância e autoestima entre suas palhaçadas.

Luba, que coleciona momentos hilários com a mãe, acredita que a chave do sucesso é a proximidade com a audiência.

“Diferentemente de artistas, atores ou cantores, a gente está muito próximo de quem nos vê. Fazemos vídeo do quarto, da sala... A relação é mais pessoal e nos veem como amigos”. Ele, com 27 anos, se considera, no entanto, dessa geração que assistia ao JH na hora do almoço e fica surpreso diante mudanças tão rápidas. “O filho de sete anos de uma amiga estava assistindo TV em casa porque tinha caído a Internet. Ele não gostou do desenho animado e pediu para trocar. Mas quando a mãe lhe explicou que não dava, que tinha que aguardar até o episódio terminar, a criança ficou confusa”, relata. “Como você explica hoje para um menino de sete anos que você não pode pausar, pular ou escolher outro episódio? Eles não entendem!”.

Filtro e conteúdos inadequados

A mudança de hábitos das novas gerações também têm atraído anunciantes a plataformas digitais fazendo de Facebook e Google, dona do YouTube, colossos que, praticamente, têm o monopólio do que fazem. As marcas veem neles uma via rápida para se dirigir diretamente ao seu público alvo. Este ano, de fato, o valor gasto globalmente em publicidade na Internet prevê superar a publicidade televisiva pela primeira vez, segundo cálculos da agência de mídia Zenith, recolhidos pela revista britânica The Economist.

Mas esse potencial escancara também uma fraqueza: a falta de controle e filtro dos conteúdos. Um desafio que não só incomoda aos usuários, mas também aos anunciantes. Segundo a revista, um bom número de marcas, incluindo Coca-Cola, Walmart e General Motors, anunciaram planos para suspender seus investimentos em publicidade no YouTube porque os anúncios apareciam em conteúdos ofensivos, como vídeos de grupos jihadistas ou neonazistas. As perdas da Google, com essa crise, poderiam chegar a um bilhão de dólares em 2017, ou cerca de 1% da sua receita bruta em publicidade, segundo The Economist.

No YouTube reconhecem que o controle do que é publicado é um “desafio”, mas que a crise com seus anunciantes já foi resolvida. A companhia criou recentemente filtros mais rígidos para barrar conteúdo com discursos de ódio e terror, mas afirma que depende da própria comunidade de usuários para se autorregular. “O YouTube é uma plataforma muito democrática e a linha entre o que é censura e liberdade é muito tênue”, explica a diretora Cerávolo. “Temos que ter cuidado com isso, porque o que vemos no YouTube é um reflexo do que acontece na sociedade”.

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