O fim do Estado Islâmico como território

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25 Junho 2017

O fim do breve califado será reafirmado se o autoproclamado califa realmente estiver morto, assassinado por um ataque aéreo perto de Raqqa há cerca de três semanas, como afirmara o vice-ministro das Relações Exteriores russo.

A reportagem é de Patrick Cockburn, publicada por Página/12, 24-06-2017. A tradução é de André Langer.

A explosão, por parte do Estado Islâmico, da mesquita de Al-Nuri, em Mosul, marca uma derrota decisiva para o califado declarado por Abu Bakr Al-Baghdadi na mesma mesquita há três anos. O Estado Islâmico vai continuar lutando como força guerrilheira, mas será o fim de um estado que uma vez teve o tamanho da Grã-Bretanha e desdobrou uma força militar mais poderosa que muitos membros das Nações Unidas. É de se supor que o Estado Islâmico tenha decidido destruir a antiga mesquita e seu famoso minarete, um símbolo de Mosul, para evitar que as forças de segurança iraquianas levantassem triunfalmente a bandeira iraquiana sobre um lugar tão intimamente associado ao Estado Islâmico.

O fim do breve califado será reafirmado se o autoproclamado califa realmente estiver morto, assassinado por um ataque aéreo perto de Raqqa há cerca de três semanas. Oleg Syromolotov, vice-ministro russo das Relações Exteriores, reiterou na sexta-feira uma afirmação feita na semana passada, mas com maior certeza, dizendo que a nova informação mostrou que havia “um alto grau de probabilidade” de que Baghdadi estivesse morto, assassinado enquanto o lugar onde estava participando de uma reunião foi o alvo de aviões russos.

O Estado Islâmico está perdendo seus últimos e mais importantes centros urbanos. Centenas de combatentes ainda controlam partes da Cidade Velha de Mosul, onde as ruelas e as casas muito próximas uma da outra são o terreno ideal para a movimentação de seus franco-atiradores e suicidas. Mas, todo o lado oriental de Mosul, que está dividido em dois pelo Rio Tigre, está agora nas mãos do governo iraquiano, assim como a maior parte do lado oeste da cidade, além de um pequeno enclave abatido.

Foi um lugar épico. O assalto a Mosul começou no dia 17 de outubro do ano passado, quando as forças terrestres iraquianas, apoiadas pelo poder aéreo massivo da coalizão encabeçada pelos Estados Unidos, começaram a operação. Os generais iraquianos e estadunidenses esperavam pesados combates nos arredores de Mosul, mas tinham a expectativa de um avanço muito mais rápido uma vez que suas defesas exteriores fossem derrotadas. Este tinha sido o padrão quando as forças do governo reconquistaram Ramadi e Falluja na Província de Anbar a oeste de Bagdá em ofensivas anteriores. Aconteceu exatamente o contrário: o Estado Islâmico adotou táticas diferentes e mais eficazes baseadas na defesa fluida das áreas urbanas. Em vez de defender pontos fixos até o último homem, seus franco-atiradores, equipes de morteiros e atacantes suicidas que conduziam veículos carregados de explosivos mudavam constantemente suas posições para que não fossem localizados facilmente e destruídos por aviões e artilharia.

As forças iraquianas levaram três meses para conquistar a parte oriental da cidade e encontrariam a batalha ainda mais dura no oeste. Em 29 de março, haviam perdido 774 soldados e 4.600 feridos desde outubro, de acordo com um alto oficial estadunidense. Foi relatado que cerca de 3.500 combatentes do Estado Islâmico foram mortos nos arredores da cidade entre outubro e maio.

As baixas do governo são ainda mais sérias do que parecem, porque as boas tropas de combate iraquianas são limitadas em número, concentrando-se principalmente nos serviços de luta contra o território (Divisão Dourada), a polícia federal e a divisão de resposta de emergência. Os soldados que costumavam ocupar território capturado são de uma qualidade muito mais duvidosa, muitas vezes pertencentes às milícias xiitas ou às Hashd Al Shaabi (Forças de Mobilização Popular).

No começo do cerco, a ONU calculou que havia cerca de 1,5 milhão de civis em Mosul. Informou-se que há cerca de 100 mil civis ainda presos na cidade velha controlada pelo Estado Islâmico. O Estado Islâmico proibia a população de sair e seus combatentes atiravam em qualquer pessoa que tentasse fugir. Aproximadamente 231 civis foram executados pelo Estado Islâmico nas últimas semanas, enquanto tentavam fugir, segundo a ONU. O Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados disse que desde que começou a ofensiva, em outubro passado, cerca de 606 mil pessoas foram deslocadas de Mosul, 190 mil das quais voltaram. O nível de destruição no oeste de Mosul, de acordo com as fotografias aéreas, parece muito grande, assim como as baixas civis, porque não há maneira de separar os combatentes do Estado Islâmico dos civis que vivem nas mesmas casas.

O Estado Islâmico sofreu uma séria derrota política e militar em Mosul, embora os combates de rua na Cidade Velha pudessem durar meses. Mas o Estado Islâmico havia resistido a forças superiores apoiadas pela devastadora potência de fogo dos aviões durante mais de sete meses, muito mais tempo do que o esperado. Além disso, o grupo retirou muitos dos seus combatentes veteranos e pessoal administrativo que podem buscar refúgio nas zonas rurais do Iraque e da Síria que o Estado Islâmico ainda controla. O movimento é famoso por sua crueldade e fanatismo, mas também tem um alto nível de especialização e experiência militar. Previu uma derrota inevitável em Mosul e também em Raqqa, sua capital de fato síria, e retirou forças de fortalezas de longa data em lugares como Hawaija, a oeste de Kirkuk, e em território na Síria a leste de Deir ez-Zor no Eufrates e arredores de Mayadeen.

O Estado Islâmico começou a perder a guerra quando, confiante em que suas grandes vitórias no Iraque e na Síria em 2014 tinham sido divinamente inspiradas, declarou guerra ao mundo. Por conseguinte, tem uma longa lista de inimigos que agora o estão cercando. Na segunda metade de 2014, voltou-se contra os curdos no Iraque e na Síria, provocando, assim, a intervenção militar estadunidense contra o Estado Islâmico em ambos os países. Estados sunitas como a Turquia, Arábia Saudita e Catar, que uma vez toleraram ou ajudaram veladamente os salafi-jihadistas, ficaram mais cautelosos.

Mesmo que Baghdadi possa estar morto e as forças sobreviventes do Estado Islâmico estejam sendo empurradas a enclaves cada vez menores no Iraque e na Síria, o grupo continuará lutando. Pode ativar células e simpatizantes de todo o mundo para cometer atrocidades de alto perfil que garantem dominar os noticiários. As celebrações sobre a derrota do Estado Islâmico podem ser interrompidas e, aparentemente, contraditas por sua contínua capacidade de provocar estragos.

O Estado Islâmico também pode obter conforto das crescentes divisões entre seus inimigos, cuja colaboração foi apoiada anteriormente pelo medo dos jihadistas. À medida que este medo diminui, há cada vez mais atritos entre Estados Unidos e Rússia, Estados Unidos e Irã, os curdos sírios e a Turquia e, mais distante, o confronto entre o Catar, por um lado, e a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, por outro. O Estado Islâmico sempre foi capaz de fincar raízes e crescer em meio ao caos e à guerra.

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