Matopiba: A última fronteira agrícola do mundo

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16 Setembro 2016

A região, formada por porções do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é vista pelo Ministério da Agricultura como estratégica para a a ascensão social dos pequenos produtores e para o incremento da produção e da exportação agropecuária do país. Mas o grande investimento ainda é voltado para o agronegócio. O comentário é de Caroline Nascimento Pereira, economista,é assistente de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutoranda em Desenvolvimento Econômico - Instituto de Economia/Unicamp em artigo publicado por Brasil Debate, 15-09-2016.

Eis o artigo.

A expressão Matopiba é um acrônimo criado a partir das iniciais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, os quais participam com porções distintas dos seus territórios para a formação dessa região de alto potencial agropecuário, considerada a última fronteira agrícola do mundo e caracterizada pela expansão a partir do uso de tecnologias modernas de alta produtividade.

Tamanho dinamismo se reflete em números expressivos, como a produção de 16,6 milhões de toneladas de grãos (foram considerados arroz, algodão, herbáceo, feijão, milho, soja e sorgo), representando 8,8% do total produzido no Brasil, em 2014.

O Matopiba se tornou um grande produtor nos últimos anos, com crescimento de 239% na quantidade total produzida, entre 2000 e 2014, baseado nas boas condições de clima, solo e relevo da região, assim como pelo preço baixo das terras, uso de tecnologia, máquinas etc. O considerável aumento de área e produção trouxe crescimento econômico para a região, refletido no produto interno bruto de 73 bilhões de reais em 2013, ante os 11,4 bilhões em 2000.

Enquanto o pib per capita do Brasil em 2013 foi de 26 mil reais e do Nordeste 12,9 mil reais, o pib per capita do Matopiba foi de 11,8 mil em 2013 – porém, avariação no pib per capita ao longo dos anos 2000 foi maior na região do Matopiba do que entre os estados isolados e até mesmo em relação ao Brasil. Enquanto o Brasil apresentou crescimento de 281% no pib per capita, entre os anos 2000 e 2013, a região do Matopiba apresentou crescimento de 431%, maior do que a região Nordeste como um todo, que cresceu 321%.

Entretanto, a distribuição de renda não apresentou ganho proporcional ao aumento da riqueza, pois até o momento não se observou o desenvolvimento econômico na região. Os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano mostram que houve sutil melhora nos índices socioeconômicos do Matopiba, o qual apresentou crescimento populacional de 15,4%, com diminuição da população rural de 39% para 35%, entre os anos 2000 e 2010.

A evolução pode ser considerada sutil, dado o vigoroso aumento do pib na região. O percentual da renda apropriada pelos 60% mais pobres na região não superou a casa dos 20% e o percentual da renda apropriada pelos 10% mais ricos se manteve superior a 40% durante a década, ou seja, a desigualdade de renda não diminuiu na mesma intensidade com que se produziu soja, algodão e milho.

Porém, algo deve ser notado: a porcentagem de pessoas pobres reduziu de 61% para 38% e os extremamente pobres de 36% para 21%, fato que se deve às políticas públicas de inclusão social, como o Bolsa Família, o qual aumentou em 123% o número de benefícios concedidos, saindo de 337.793 para 753.670, entre 2000 e 2010.

Considerando que a população cresceu apenas 15,4%, é possível notar que o BF aumentou para além do crescimento populacional, ou seja, o BF tem participação importante na diminuição dos pobres e extremamente pobres. Se no ano 2000 havia 3,1 milhões de pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza, em 2010 havia 2,2 milhões, fruto de políticas sociais e também pela absorção pelo mercado de trabalho da região.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região subiu de 0,45 para 0,63, entre os anos 2000 e 2010. As faixas do IDHM vão de muito baixo (0 – 0,499), baixo (0,500 – 0,599), médio (0,600 – 0,699), alto (0,700 – 0,799) e muito alto (0,800 – 1).

O Matopiba dos anos 2000 possuía um IDHM muito baixo, alcançando em 2010 a faixa média do IDHM. Porém, essa melhora foi puxada por algumas microrregiões, principalmente no Tocantins, o qual apresentou melhora nos três indicadores que compõem o IDHM (longevidade, educação e renda), com IDHM de 0,53 para 0,70. Por outro lado, as porções do Piauí e Maranhão componentes do Matopiba saíram de IDHM de 0,42 para 0,59 e 0,60, respectivamente. O IDHM entre os 337 municípios do Matopiba saiu de 88,4% de municípios pertencentes à faixa muito baixo para 47,5% baixo e 47,8% médio.

De todo modo, os indicadores de longevidade e educação foram os que tiveram melhor desempenho na composição do IDHM, e em menor medida o indicador de renda. Como o indicador de longevidade é reflexo de aspectos relativos à saúde e nutrição, e o indicador educação baseia-se na escolaridade da população adulta e no fluxo escolar da população jovem, com forte relação com o programa Bolsa Família, o qual condiciona o pagamento à presença das crianças nas escolas e a realização do pré-natal pelas futuras mães.Temos que o papel do Estado foi determinante para a sutil evolução no índice de desenvolvimento humano. A modesta evolução se torna visível também pela porcentagem da população com 18 anos ou mais com fundamental completo, que passou de 21,7% para 41% entre 2000 e 2010. Embora tenha havido aumento, o resultado ainda está muito aquém do desejável, pois menos da metade da população acima de 18 anos possui ensino fundamental completo.

Apesar dos resultados ainda tímidos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) considera o Matopiba estratégico para a ascensão social dos pequenos produtores locais e para o incremento da produção e da exportação agropecuária do país.

Entretanto, a região do Matopiba possui gargalos que precisam ser transpassados para que a produção cresça, por meio do investimento e melhorias dos portos, rodovias, ferrovias, armazenamentos etc. Além disso, há outras questões negativas para a região, como recente elevação do preço da terra, frouxidão da política fundiária e aprofundamento da inserção externa das cadeias agroindustriais.

A infraestrutura adequada para o desenvolvimento agrícola da região também pode trazer impactos positivos para diminuir a desigualdade social local. A partir de eletrificação rural, aumento da capacidade de armazenamento de grãos, melhoria de estradas, terminais portuários etc., é possível aumentar a competitividade dos grãos para exportação e até mesmo atrair empresas para a criação e abate de animais, resultando em maior acesso à alimentação para a população local e novas oportunidades de trabalho e renda.

Há também a intenção de criação de uma agência de desenvolvimento com maior base tecnológica, com investimento em capacitação, inovação, pesquisa, agricultura de precisão e assistência técnica. De todo modo, a participação do Estado ainda se dá através da construção de infraestrutura voltada para o agronegócio, com recursos financeiros e pesquisa destinados às commodities, podendo trazer crescimento econômico para a região, mas sem garantias de melhora na qualidade de vida da população.

Enfim, o crescimento do agronegócio no Matopiba não foi capaz de diminuir a desigualdade social na região, que ainda permanece como um “arquipélago de ilhas de prosperidade num mar de pobreza e miséria rural”, segundo Evaristo Miranda do GITE/Embrapa, referindo-se à questão da concentração de renda, a qual é um ponto crucial na região, pois os fatores terra, capital e tecnologia se concentram em poucas mãos.

Além disso, por se tratar de agricultura baseada em grandes latifúndios com monoculturas de algodão, milho e soja, temos uma situação de enclave, pois é uma região sob domínio de dois agentes econômicos: os grupos multinacionais do agronegócio e grandes proprietários fundiários.

Assim sendo, o Matopiba é uma fronteira agrícola que só tende a crescer, o que pode ser realizado da forma menos danosa possível se o Estado continuar com as políticas sociais, o que reduziria a faixa de pessoas em condições de pobreza e extrema pobreza, além de investir ainda mais em saúde e educação, melhorando a condição de vida da população e também permitindo a incorporação de trabalhadores na agricultura local caracterizada pelo maior uso do fator capital e outros serviços derivados do agronegócio.

Além de criar condições de trabalho e infraestrutura para as pessoas que não são absorvidas pelo agronegócio, com investimentos na agricultura familiar, para que os pequenos produtores tenham condições de produzir, comercializar e escoar sua produção.

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