América Latina e seu labirinto econômico

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Por: Jonas | 08 Agosto 2014

Em meio ao debate decorrido das negociações com os fundos abutres, o programa internacional de Radionauta FM, L’Ombelico del Mondo, conversou com o economista Pedro Páez Pérez, superintendente de Controle do Poder do Mercado no Equador, e principal pensador da Nova Estrutura Financeira Latino-Americana.

A reportagem é de Federico Larsen, publicada pelo sítio argentino Notas, 04-08-2014. A tradução é do Cepat.

O debate em torno do pagamento aos fundos abutres na Argentina gerou uma grande quantidade de opiniões a respeito do marco das finanças, em nível global, no qual se dá esse fato. A cessão de soberania jurídica e a inclusão subordinada dos países latino-americanos ao mercado global, consagrados em letra pequena neste tipo de transação, são hoje – junto com a legitimidade das dívidas externas – o principal foco de discussão para aqueles que propõem alternativas ao atual sistema econômico. E, neste contexto, é que reabilitam velhas propostas.

A partir da ascensão do presidente equatoriano Rafael Correa, em 2007, começou-se a trabalhar com um grupo de economistas que conseguiram mudar profundamente a estrutura econômica desse país. Pedro Páez Pérez era, nesse momento, diretor da Comissão Técnica Presidencial do Equador para a Nova Arquitetura Financeira. Hoje, é um dos mais lúcidos economistas do continente e um dos idealizadores da proposta que tenta reverter o modo de entender a economia também em nível de América Latina.

“A pertinência da proposta equatoriana se vê claramente agora”, explicou em conversa com L’Ombelico del Mondo, programa internacional de Radionauta FM. “Acredito que é indispensável colocar todas as forças para abrir esse debate. Nós, economistas, inclusive os heterodoxos, temos a responsabilidade de contribuir com soluções concretas para os problemas de nossos povos e, sobretudo, defender os processos democráticos e sociais que estão ocorrendo contra as agendas de desestabilização que combinam elementos financeiros macroeconômicos e políticos, para provocar a ruptura dos avanços nas conquistas sociais que estão sendo conseguidas”, disse.

Por outra parte, referindo-se à atualidade, acrescentou que “os acontecimentos dos últimos dois ou três meses são vistos com cuidado. Pode se ler com muita clareza a importância estratégica que tem a constituição imediata dos três pilares que defendemos”. Ali, enumerou alguns quesitos: um banco de desenvolvimento “de novo tipo”, que inclua a utilização de moedas nacionais; uma rede financeira com um fundo de estabilização “alternativo ao FMI e ao sistema global de reservas da liquidez da transnacionalidade que o dólar” possui; e, finalmente, a disputa do próprio conceito de moeda, “com base no fortalecimento dos intercâmbios baseados no trabalho das pessoas, por meio dos sistemas de compensação de pagamentos, como o Sistema Unitário de Compensação”.

Para o economista, o “exemplo” que os BRICS estão dando, “mostra claramente que isso é a resposta adequada para poder nos defender, e nem se trata de se defender dos Estados-nação de países imperiais, mas, sim, do que está levando ao abismo esses próprios países e suas elites. Essa é a corrosão da política global em que o sistema embarcou”.

No entanto, Páez Péres, que hoje atua como superintendente de Controle do Poder do Mercado no Equador, admite que alguns dos passos já se concretizaram. “Não somente houve um avanço de forma muito lenta, como também o pouco que se avançou corre o risco de ser sequestrado e desnaturalizado para tornar, por exemplo, o Banco do Sul em uma réplica caricaturada do Banco Interamericano de Desenvolvimento”, apontou a esse respeito.

“Caso se obrigue o Banco do Sul a funcionar com dólares, o músculo financeiro será insignificante, além disso, irá apertar funcionar no mesmo sistema de quem se é chamado a criticar. O mesmo aconteceu com o Banco dos BRICS”, explicou. A iniciativa original, inspirada nos fundamentos teóricos discutidos em torno da nova arquitetura financeira latino-americana, lançados no comunicado dos BRICS de março de 2012, “concebia um grande banco de desenvolvimento, com um capital social de 250 bilhões de dólares, contribuído de forma igual, em moedas nacionais”.

No entanto, “quando os tecnocratas sequestraram a decisão presidencial dos líderes, legítimos e democraticamente eleitos, como pode acontecer com a América Latina, transformaram esse capital em dólares, o que tornava o assunto impossível”. Para o Brasil “não havia nenhum problema em emitir 50 bilhões de dólares em reais brasileiros, que não seriam gastos em seu território, portanto, não gerariam pressão inflacionária ou orçamentária, mas, sim, proporcionariam meios para que de outros países fossem ativados fluxos de comércio e investimento que aprofundam a cooperação sul-sul e as possibilidades de outro tipo de relações econômicas muito mais justas”.

E o paralelo com o Banco do Sul resulta óbvio. “O Banco do Sul não poderá cumprir sua obrigação, tornar-se-á outra frustração para os povos, caso não envolva a participação e mobilização de recursos nacionais em sua moeda, a recuperação da aplicação de sistemas soberanos de crédito de todos os países, e esteja se complementando pela integração comercial e produtiva, com a possibilidade, em longo prazo, de repagar esses créditos sobre as bases do intercâmbio comercial, baseado no mecanismo de compensação de pagamentos como o SUCRE, que existe entre os países da ALBA”.

Isto equivale à integração dos três pilares apresentados pelos economistas da nova arquitetura financeira latino-americana. Páez Pérez enfatizou a necessidade de ampliar o funcionamento do Sistema Único de Compensação Recíproca (SUCRE). “O funcionamento do SUCRE, durante estes três ou quatro anos, deu mostras de robustidão apesar da campanha de desprestígio e sabotagem que ocorreu em todas as partes. As condições para que isso se abra para toda América Latina, para proteger fluxos de comércio, fomentar outras linhas de comércio e provocar condições de sustentabilidade na dotação de créditos de moedas nacionais, na condição de pagamento dessas dívidas em médio e longo prazo, abrem as portas para dar viabilidade a um processo de aprofundamento da integração produtiva comercial, social e imediata do continente, que pode ser articulada de maneira absolutamente harmoniosa”.

Isto também pode gerar “as condições para renegociar nossa relação conflitiva com os grandes capitais. E a partir do ângulo da Pátria Grande latino-americana ir aplacando outras condições que permitam proteger a paz e a prosperidade contra essa agenda especuladora”.

Não obstante, o economista advertiu que as vantagens para gerar esta profunda mudança está se encerrando e é necessária uma ação sobre possibilidades que são imediatas. “O problema é que a oportunidade para o continente pode ser encerrada muito rapidamente, em razão do grau de desespero que essas elites no norte possuem”.

Para Páez Pérez é “muito provável” que o caso dos fundos abutres “esteja relacionado não apenas com uma agenda de desestabilização da América Latina, mas também que sinalize para uma guerra financeira que contrapõe diferentes facções dessas elites, também no marco de uma geopolítica em disputa no declive da hegemonia norte-americana e a ascensão de um capital produtivo monopólico, realocado para os BRICS, o sul, América Latina, com projeções políticas que vão para além do que eles quiseram”.

Nesse sentido, ressaltou que “é indispensável criar uma pressão social sobre a base da decência, reconhecendo a urgência da conjuntura. Reconhecendo o risco de que o território latino-americano se torne outro cenário das disputas geopolíticas internacionais. Reconhecendo o risco imediato da ruptura dos processos democráticos que vem sendo construído no continente e não me refiro apenas aos governos progressistas”.

“Esse risco”, destacou, “pode transtornar de maneira muito rápida as expectativas e horizontes que assumimos como evidentes até o momento. Hoje, temos a possibilidade de uma guerra financeira entre as facções suicidas do poder nas altas cúpulas. Que as taxas de juros subam é a marca da fragilidade da situação macroeconômica e financeira do continente. Há uma necessidade imediata de tornar realidade o que já foi decisão política”.

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