Distritão: O fim dos partidos políticos e a volta dos coronéis

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Por: Cesar Sanson | 26 Mai 2015

"O que me tira o sono é que muita coisa vai mudar no Congresso Nacional e, por tabela, no Brasil, porque irá mudar para pior, muito pior. O que me tira o sono é que a maioria dos brasileiros, mais uma vez, nem sabe do que se trata e só irá saber quando tudo já estiver consumado". O comentário é de Fabiana Agra, advogada e jornalista, em artigo publicadao no portal Paraíba Geral, 25-05-2015.

Eis o artigo.

O chamado “distritão”, novo sistema eleitoral proposto pelo relator da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), é apontado por especialistas e setores mais progressistas da sociedade como um grave retrocesso para a nossa democracia, pois trata-se de um modelo não proporcional, ainda pior do que o atual sistema brasileiro, porque acentua o personalismo e o abuso do poder econômico, em detrimento de partidos, ideologias e propostas.

É considerado tão ruim e ultrapassado que só é adotado em dois países do mundo: Afeganistão e Jordânia. Ainda assim e por causa disso, Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, está trabalhando dia e noite para aprová-lo ainda este mês. E não duvido que o malcheiroso distritão passe, não duvido nada, porque a grande mídia nada fala sobre o assunto e você, que só assiste à “grande mídia”, certamente ainda não sabe o que significará a aprovação do monstrengo.

Na semana passada, li uma entrevista na “Carta Maior” que agora reproduzo, pela sua relevância. De acordo com o deputado Henrique Fontana (PT-RS), um dos maiores especialistas em reforma política, o canto de sereia do “distritão” se baseia na simplicidade, já que os deputados mais votados são os eleitos. Por isso, se apresenta de forma atraente, com o discurso de que é uma solução para a distorção verificada hoje com o efeito puxador de votos, ou o chamado “Efeito Tiririca”, que ocorre quando um deputado muito votado consegue eleger também outros nomes de sua legenda com votação inexpressiva. No entanto, apresenta desvantagens graves se comparado com outros sistemas proporcionais, mais abertos à participação das minorias.

No sistema proporcional, todos os votos dados pelos cidadãos são contados na hora de definir quem vai ocupar as cadeiras do parlamento. “No proporcional, não se joga voto fora. No distritão, o candidato mais votado ganha a eleição e os outros votos todos vão para o lixo”, diz o deputado. Segundo ele, no sistema proporcional, candidatos com bandeiras específicas ou minoritárias têm muito mais chances de se eleger. No distritão, a tendência é que sejam eleitas as celebridades e os candidatos popularescos e muito radicais.

Outro problema do distritão é que favorece um pluripartidarismo acentuado, problema não detectado nem mesmo em outras variações do modelo, como o distrital misto adotado na Inglaterra. “Se hoje nos temos 28 partidos com representação no parlamento, com o distritão, a expectativa é que este número chegue, rapidamente, em 40 ou 45”, prevê Fontana. E tem mais: no “distritão” defendido pelo PMDB, os partidos sequer importam. “Cada deputado é praticamente um partido”, resume Fontana. “O deputado organiza sua própria campanha, não precisa ter nenhuma solidariedade para construir votação de legenda. Não precisa do partido para nada e não se dedica em nada ao partido. É cada um para si e deus para todos”, denuncia.

Para Fontana, o modelo terá impactos graves na já difícil governabilidade do país. “Cada votação terá que ser negociada não com partidos ou blocos, mas individualmente, com cada um dos 513 deputados”, exemplifica. Segundo ele, o sistema acaba com os partidos políticos ideológicos. “Uma democracia representativa não pode ser feita por personalidades isoladamente”, afirma.

Mas ainda tem mais: o distritão aumentará o custo das campanhas eleitorais para deputados, que atingirão cifras equivalentes as dos governadores. “A tendência é que as 513 campanhas mais caras do país sejam as eleitas. Por isso, o distritão é uma espécie de paraíso para o poder econômico”, destaca Fontana. Segundo ele, como os deputados terão que disputar votos em todo o estado, e não só apenas nas suas regiões, os gastos serão mais altos. “Um deputado que hoje coloca carro de som em 20 municípios terá que colocar em 100”, exemplifica. Outro efeito negativo do distritão é privilegiar o conservadorismo. “O distritão tende a reeleger quem já é deputado”, aponta Henrique Fontana. Conforme ele, os próprios partidos são induzidos a lançarem apenas seus nomes mais conhecidos, impedindo o surgimento de novas lideranças. “Os partidos precisam concentrar os votos dos eleitores que simpatizam com sua sigla. Por isso, têm que concentrar nos nomes mais fortes”, explica.

É por essas e outras que a “grande mídia” anda tão calada sobre o assunto, porque é isso mesmo o que ela deseja que aconteça. E enquanto você fica indignado(a) com as mentiras plantadas pela Globo, Veja & cia, Cunha desfila pelo corredores de Brasília dinamitando cada ponto crucial do sistema democrático – e ele está muito perto de conseguir seu objetivo, não se engane. A facilidade com que foi aprovada a construção do “Shopping do Cunhão” é a prova maior do perigo que está rondando a democracia brasileira.

Na última semana, 60 cientistas políticos do Brasil se reuniram em um documento contra o “distritão”, que foi enviado para Cunha na sexta-feira. Os especialistas definem o distritão como “aberração institucional”. Para eles, o modelo exalta o personalismo dos candidatos, encarece a campanha (o que pode aumentar o financiamento ilegal) e transforma os partidos em meras siglas de registro de candidaturas, enfraquecendo a democracia.

“O distritão exacerba as tendências ao personalismo já presentes em nosso processo político, tornando dispensáveis as identidades partidárias e levará aos píncaros os custos de campanha, pois cada candidato, para ser eleito, precisará ainda mais do que hoje percorrer todo o estado em busca de votos, criando comitês em todos os lugares possíveis, para o que somas vultosas serão necessárias. Nem é preciso dizer que isto aumenta a tentação do financiamento ilegal de campanha”, explica Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas.

Em seu site, o ativista Leonardo Sakamoto rememora que muitos dos jovens que foram às ruas em junho de 2013, reivindicando participar ativamente da política, não estavam pedindo o “distritão”. “Isso é uma resposta escolhida pelo próprio sistema que embalou uma serpente em um pacote reluzente e, sorridente, entrega de presente à população como se um modelo que pode levar a um desequilíbrio na representação política fosse a solução perfeita e final. Não estou demonizando o voto distrital misto de antemão, mas ele pode causar outras distorções e não ajudar no controle do representante pela população ou a baratear campanhas. Mais efeito causaria uma mudança na forma de doação eleitoral por parte de empresas, que deveria ser revisto ou duramente limitado. Mas isso, a maioria dos nobres parlamentares não quer”, escreveu Sakamoto.

“Plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito são os primeiros passos, não os últimos. A política está sendo radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi. Iremos participar em tempo real”, lembrou Sakamoto. Mas ao invés de encaminhar essa discussão, o Congresso Nacional vai no sentido oposto, tentando implementar fórmulas que beneficiam os parlamentares que já estão no poder ou os que contam com currais eleitorais. Modelos que dificultam a eleição de quem está mais à esquerda ou mais à direita no espectro político e poderiam – mais do que os centristas – a forçar por mudanças.

É isso que me tira o sono, e não a conta de luz que veio mais alta, e não meia dúzia de ladrões que estão sendo investigados, enquanto centenas de outros ladrões estão sendo acobertados – todos pelo mesmo motivo. O que me tira o sono é que muita coisa vai mudar no Congresso Nacional e, por tabela, no Brasil, porque irá mudar para pior, muito pior. O que me tira o sono é que a maioria dos brasileiros, mais uma vez, nem sabe do que se trata e só irá saber quando tudo já estiver consumado. Pense nisso.

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