Cresce o número de trabalhadoras domésticas com curso superior na região metropolitana de Porto Alegre. Entrevista especial com depoimentos de mulheres sobre a pandemia

Crise sanitária global tem impactado de forma mais grave e intensa as mulheres, o que traz um novo, mas nada surpreendente, retrato da desigualdade sistêmica que define o Brasil

Foto: PxHere

12 Junho 2021

 

A análise da pesquisadora e professora doutora Marilene Maia e do economista João Conceição publicada pelo ObservaSinos, do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, faz um raio-x sobre os impactos da pandemia no mundo trabalho feminino na região metropolitana de Porto Alegre, no RS. Dentre as principais constatações está o fato de que o trabalho doméstico passou a ser mais visibilizado.

 

Essas atividades podem corresponder a algo da ordem de 11% do PIB e, como descrevem os autores da análise, o trabalho doméstico tem a ver com a “’economia do cuidado’, sendo um conjunto de atividades, como a limpeza da casa, preparação de alimentos e os cuidados com crianças, idosos e doentes, entre outras”.

 

Todas essas nuances ficam bem exemplificadas e ilustradas nos depoimentos de seis mulheres, de diferentes grupos sociais, que têm vivido as dificuldades da pandemia de forma distinta. Ao final da reportagem, apresentamos as impressões de Gislaine da Silva, Daíse Moraes, Fernanda Bragatto, Luísa Molina, Marinês de Fátima e Jaqueline dos Santos Rodrigues.

 

Marilene Maia é doutora e Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília - UnB. Especialista em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP/FIOCRUZ, Especialista em Administração e Planejamento de Bem Estar Social pela PUCRS. Graduou-se em Serviço Social pela PUCRS. É professora adjunta da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos no curso de Serviço Social, onde também coordena o Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos / Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

 

João Conceição Formando em Ciências Econômicas na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos e integrante do Instituto Humanitas Unisinos - IHU

 

Confira a reportagem.

 

Os dados divulgados até o momento sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus apontam que a Região Metropolitana de Porto Alegre foi uma das mais impactadas. Está entre as que mais perdeu renda do trabalho, especialmente entre a parcela da população mais pobre. Esse cenário impactou a migração do trabalho formal para o informal, ao mesmo tempo que aumentou em 78% o número de trabalhadoras domésticas com ensino superior.

Muitos consideram o trabalho doméstico como a “economia do cuidado”, sendo um conjunto de atividades, como a limpeza da casa, preparação de alimentos e os cuidados com crianças, idosos e doentes, entre outras. De acordo com a pesquisa realizada pela pesquisadora Hildete Pereira de Melo, professora de economia da Universidade Federal Fluminense - UFF, o trabalho doméstico equivalia a 11% do Produto Interno Bruto - PIB brasileiro. Em valores, foram cerca de R$ 634,3 bilhões em 2015.

Em entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, a socióloga Luana Simões Pinheiro pontuou que “a pandemia contribuiu para retirar o véu da invisibilidade que marca o trabalho doméstico (seja ele remunerado ou não). De repente, aquele trabalho tido como menos importante e menos valorizado (que nem trabalho é considerado) tornou-se um ‘elefante na sala’”.

 

 

Entretanto, em relação ao trabalho doméstico remunerado, Pinheiro lembra que “é caracterizado, ainda hoje, por uma extrema precariedade e vulnerabilidade. Não apenas o nível de proteção social é muito baixo (menos de 30% possuem carteira de trabalho assinada), como há uma grande desvalorização social e econômica (as trabalhadoras domésticas ainda ganham menos que um salário mínimo por mês, na média), bem como muitos casos de abuso e assédio moral e/ou sexual, culminando, inclusive, com trabalhadoras em situação análoga à escravidão.”

 

 

Luana também destaca que “as trabalhadoras domésticas são basicamente mulheresnegras e de baixa renda, juntando em um mesmo corpo (e em uma mesma ocupação) o tripé de desigualdades que nos caracteriza enquanto sociedade: as desigualdades de gênero, raça e classe”, apontou na entrevista.

 

Os dados apresentados abaixo vão nessa direção.

 

Trabalho doméstico na Região Metropolitana de Porto Alegre

 

O trabalho doméstico registrou queda de 9,2% entre o primeiro trimestre e o último trimestre de 2020 na Região Metropolitana de Porto Alegre. Observa-se que no primeiro trimestre de 2020 existiam 35,5 mil trabalhadores domésticos que possuíam vínculo formal, este número passa para 33,3 mil no quarto trimestre do mesmo ano, uma redução de 2.292 (6,4%) trabalhadores. Quando o olhar passa para os trabalhadores domésticos que se encontram na informalidade nota-se que eles passam de 77 mil no primeiro trimestre para 68,9 no quarto trimestre, uma queda de 8,1 (10,5%).

 

 

Apesar dos duros avanços conquistados para maior formalidade, 67,4% ainda estavam na informalidade, de acordo com os últimos dados. Nota-se também uma migração do formal para o informal durante a pandemia, ao mesmo tempo em que a escolaridade dos trabalhadores domésticos também aumenta.

Outra questão é as diferenças salariais entre os trabalhadores com e sem carteira assinada. Na faixa salarial abaixo de R$ 700, por exemplo, 2,7 mil formais recebiam esse valor, enquanto os informais eram 21,3 mil.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD indicam que durante o primeiro ano da pandemia aumentou consideravelmente o número de pessoas com ensino superior incompleto e completo como trabalhador doméstico. Inversamente, diminuiu o número de trabalhadores analfabetos e com ensino fundamental incompleto e completo. 

Quando se repara pela escolaridade dos trabalhadores formais, pode-se perceber que ocorre uma queda na força de trabalho de 52,7% nos que possuem ensino fundamental, 12,3% nos possuem o ensino médio e 23,5% nos trabalhadores com ensino superior, enquanto cresce em 3 vezes a força de trabalho doméstica que possuem ensino superior incompleto.  

Ao analisar pela escolaridade dos trabalhadores informais, percebe-se que ocorre um aumento em quase todas as escolaridades analisadas, a força de trabalho doméstica com ensino fundamental cresce em 2%, o que possuem ensino médio em 17,5% o ensino superior incompleto cresce em 3,4 vezes e o ensino superior em 2,8 vezes.

 

 

Os trabalhadores domésticos autodeclarados brancos são 71,1% na Região Metropolitana de Porto Alegre. No entanto, a variação do número de trabalhadores brancos antes da pandemia e no fim de 2020, foi de 12%, já para aqueles tidos como pretos, foi de 34,4%. Outro ponto importante apresentando nos dados é que antes de começar a pandemia, não havia nenhum trabalhador doméstico indígena. No fim de 2020, existiam 592 indígenas desemprenhando essa ocupação. A mesma situação aconteceu com as pessoas autodeclaradas amarelas. 

Por fim, como já citado, o trabalho doméstico é desempenhado em quase sua totalidade por mulheres. Na Região Metropolitana de Porto Alegre não é diferente, elas representavam 90,2%, participação percentual que aumentou durante a pandemia. Idosos e jovens representavam 32,4% dos trabalhadores domésticos no final de 2020, participação que se manteve praticamente a mesma do primeiro trimestre.

 

Mulheres são a maioria também no desalento

 

Não é apenas no trabalho doméstico que as mulheres são mais impactadas. Desde 2012, quando a PNAD começou a ser realizada, as mulheres foram a maioria das desalentadas na Região Metropolitana de Porto Alegre, representando 60,7% em 2020. No primeiro ano da pandemia, houve um crescimento de 170,1% em relação ao ano de 2019. Enquanto isso, para os homens, o aumento foi de 75,8% em um ano.

 

 

Ainda de acordo com a PNAD, 272,2 mil recorreram a empréstimos com instituições financeiras, amigos e parentes em 2020. Desse total, 53,1% foram buscados por mulheres da Região Metropolitana de Porto Alegre. Quase 40% do empréstimo adquirido com banco ou financeira foi por pessoas com ensino superior completo ou com pós-graduação.

 

Contexto da metrópole na pandemia

 

A pandemia colaborou para uma perda média de 12,5% na renda dos trabalhadores, sendo a quarta região com maior queda, quando comparada com outras regiões metropolitanas do Brasil. Ficou atrás somente de Maceió, Salvador e Recife. A perda da renda do trabalho é o dobro da média das demais regiões metropolitanas e do Brasil como um todo.

 

 

Em 2020, a queda da renda do trabalho foi de 40,4% para os mais pobres, enquanto para os 10% mais ricos, a queda foi de apenas 10,6%. Comparativamente com as demais regiões metropolitanas do país, a metrópole de Porto Alegre foi uma onde os mais pobres foram os mais afetados. A queda ficou acima da média do Brasil, enquanto nas metrópoles da Região Sul foram de menos de 20%.

Na palestra realizada pelo IHU, o economista Róber Iturriet pondera que esses indicadores não é sintoma apenas da pandemia. Para ele, um dos principais responsáveis por essa situação é as políticas implementadas pelos governos, com cortes na saúde, educação e assistência social. “O contexto macroeconômico influencia nessa situação: foram três reformas trabalhistas nos últimos anos com o objetivo claro de redução de salário e retirada de direitos trabalhistas. Essa precariedade impacta na desigualdade”, afirmou Iturriet.

 

 

Os dados apresentados fazem parte do estudo “Mundo do trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre” desenvolvido pelo Observatório do Vale do Rio dos Sinos e o Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas. Todos os artigos produzidos podem ser acessados na página especial da pesquisa, que tem o objetivo de acompanhar os dados do trabalho e dos trabalhadores durante a pandemia do novo coronavírus.

 

Confira os depoimentos.

 

Gislaine da Silva, 31 anos
Mãe e Moradora da ocupação Steigleder

 

Gislaine (Foto: Arquivo pessoal)

Desde o início da pandemia tem sido bastante desafiador para todas as famílias da ocupação o convívio com o vírus. Nós não temos condições de manter o isolamento social completo, pois por mais que tentemos é bem difícil e uma das causas são as enchentes que nos afetam no inverno. Nas águas de esgoto é um dos lugares que mais têm vírus e como não temos saneamento, quando dá enchente com aquela água podre, cheia de vírus e contaminação, muitas pessoas têm que cruzar passando pela água.

 

A sobrevivência nas ocupações tem sido, também, muito desafiadora, pois como a gente faz para sobreviver com esse vírus? Como a gente faz isolamento social em uma casa onde mal contém dois quartos? Como fazer isso em casas que têm apenas um quarto para três, quatro, cinco pessoas? Por outro lado, uma das melhorias que tivemos foi a solidariedade que aumentou, pois passamos a ser vistos por mais pessoas. Temos sido vistos por pessoas que também precisam de ajuda, mas estas têm sido mais solidárias conosco e temos recebido bastante auxílio, também com a Rede Solidária que tem nos apoiado bastante, sendo que quinzenalmente eles entregam cestas básicas para as famílias, o que nos ajuda.

 

Na minha casa moramos eu, meu marido e meus cinco filhos. Tentamos nos cuidar o máximo possível, fazer isolamento, mas estamos lutando e tentando. Meu marido trabalha com reciclagem (recolhendo) e tentamos nos cuidar o máximo possível, mas não é muito fácil. Higienizamos as mãos com álcool em gel, lavamos as mãos quando voltamos para casa depois de sair para trabalhar e usamos máscaras. Assim que tentamos manter o controle e nos cuidarmos.

 

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Daíse de Moraes, 45 anos
Professora, mãe e diretora de escola pública

 

Daise (Foto: Arquivo pessoal)

O trabalho não parou em momento algum. Como trabalho na educação pública, as atividades triplicaram. No meu caso nem fiquei em isolamento. Trabalhei presencialmente na escola na maior parte do tempo, com carga horária maior que o normal.

 

O que mudou foi a forma de trabalhar, com a comunicação entre o grupo de trabalho passando a ser somente virtual. E também a comunicação com o público-alvo do meu trabalho dificultou muito, por ser somente virtual. Então a adaptação na forma de trabalhar teve que acontecer. Os resultados demoram mais ainda a acontecer.

 

Em minha casa moram eu e meus dois filhos adolescentes. Ambos estudando de forma remota. A rotina de casa alterou completamente e surgiram problemas... que tiveram que ser solucionados com uma nova rotina (que ainda está em fase de adaptação, pois para eles não há horários de compromissos, apenas prazos). Muitas vezes há conflitos, com mais frequência que o normal. Bem difícil, mas com paciência vamos levando. Como são adolescentes não atrapalhou a minha rotina de trabalho, pois conseguem ficar sozinhos nos turnos manhã e tarde. Resumindo, a vida para mim continuou da mesma forma, com o mesmo emprego e meus filhos com as mesmas atividades. Porém o que mudou foi a forma de realizá-los, demandando mais tempo e novos aprendizados. Mas tudo entrando em uma nova rotina.

 

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Fernanda Bragatto
Professora universitária e mãe

 

Fernanda Bragatto (Foto: Ricardo Machado | IHU)

Desde que foi decretada a cessação das atividades presenciais na universidade, tenho trabalhado exclusivamente em casa. Isso inclui ministrar aulas, orientar alunos, fazer reuniões, participar de eventos e dar entrevistas de forma totalmente on-line. Viagens, deslocamentos no trânsito e dentro do espaço de trabalho e contato pessoal com colegas e alunos foram totalmente suprimidos da minha rotina. Leituras e produção de textos eram atividades que eu costumava realizar em casa, então isso não mudou.

 

A principal dificuldade foi conciliar trabalho e cuidado dos filhos. Por mais que em alguns dias eu contasse com a ajuda de babá, as crianças sempre demandam muita atenção. A necessidade de auxílio à filha mais velha em etapa de alfabetização, controlando os horários das aulas e auxiliando-a psicologicamente a aceitar a nova modalidade, foi algo que dificultou muito a minha rotina a ponto de eu renunciar a um cargo de chefia (coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito/UNISINOS) em setembro.

 

As mudanças foram inúmeras, a começar pela migração para o ambiente virtual e pelas novas formas de utilização da comunicação ágil e instantânea que nos proporcionou contatos que, antes, faríamos apenas se tivéssemos recursos financeiros.

 

Nessa migração, senti um aumento do volume de trabalho, eis que o tempo que antes usávamos para deslocamentos e viagens tornou-se um tempo usado na realização efetiva de trabalho. Isso faz com que tenhamos mais horas livres que acabamos preenchendo com mais trabalho. A tarefa que antes eu levava mais tempo para cumprir, agora é cumprida mais rapidamente, abrindo-se espaço para mais trabalho. Isso gera uma sensação de permanente disponibilidade para o trabalho e dificuldade de descanso.

 

Na minha casa moram quatro pessoas; meu marido trabalhou fora durante toda a pandemia (é médico) e eu ainda estou em home office. As duas crianças passaram a maior parte do tempo com aulas on-line, apenas recentemente retornaram à escola. Eu trabalho na sala ou, quando preciso de silêncio e não ser interrompida, me tranco em um quarto com escrivaninha. A filha de 7 anos assistia às aulas em uma escrivaninha em seu quarto. O filho de 4 anos esteve na escolinha de dezembro a fevereiro e retornou agora. Quando não esteve na escola, não assistia a aulas on-line.

 

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Luisa Molina, 32 anos
Mãe e Doutoranda em antropologia na Universidade de Brasília e pesquisadora do Laboratório de Antropologias da T/terra

 

Gislaine (Foto: Arquivo pessoal)

 

Tem sido bem difícil. Há bastante esforço para não sucumbir, pois todo dia é uma experiência de resistência, afinal é preciso manter o ritmo e o fluxo mesmo sem ter perspectiva no horizonte, tentando me manter criativa e atuante, fazendo planos e projetos mesmo sem expectativa clara. É como se a gente andasse no escuro com base na fé de que uma hora vai desanuviar.

 

Em termos mais objetivos, tenho tentado articular, sopesar, equilibrar minha vida entre pesquisa, trabalho, vivência como mãe e no terreiro com essas coisas todas, que parece um malabarismo com coisas de tamanhos e formatos diferentes, que exigem de mim uma perícia específica para não deixar nada cair no chão. É exaustivo o esforço de não deixar nada cair no chão, mas tem dado certo, embora de vez em quando eu dê uma sucumbida de cansaço.

 

Mas tenho a sensação também que o período mais duro para mim foi quando estava me adaptando à rotina extenuante no meio de um vendaval que foi a chegada da pandemia no contexto do Tapajós, onde trabalho fazendo pesquisa junto aos Munduruku. Foi um horror, totalmente desestruturante, então quando as coisas se acalmaram por lá, eu consegui me acalmar por aqui. Vamos dando jeitos de resistir e criar alternativas e espaços de respiração dentro e fora da gente. O fato de ser mãe me ajuda bastante. Apesar de me cansar, me dá força, me ancora e me dá uma coragem que talvez eu não teria se não tivesse filho. Isso é fortalecedor, em todos os sentidos, apesar dos desafios.

 

Minha rotina mudou completamente, pois antes eu saía de casa, levava meu filho à escola e ficava trabalhando na tese e nos outros projetos. Agora tenho que trabalhar em casa, com o filho em casa, e tenho que dedicar meu tempo a ele, sem contar os trabalhos domésticos. Isso tem sido muito difícil e durante bastante tempo, principalmente no ano passado, eu tinha que trabalhar à noite, que era quando eu tinha um pouco de paz para escrever a tese. E eu fiquei exausta. Cuidar do filho e da casa de dia e escrever a tese de noite deixou-me extenuada.

 

Somos três e não saímos. Só saio para ir ao terreiro, mas no geral não saímos. Os cuidados têm sido aqueles que são possíveis de fazer. Comprei muita [máscara] PFF2, distribuí para as pessoas próximas. Quando saímos é com elas, e mantemos os demais cuidados.

 

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Marinês de Fátima, 45 anos
Diarista

 

Uma das primeiras dificuldades quando começou a pandemia foi a questão do transporte. Como eu trabalhava em Porto Alegre e preciso usar ônibus, trem e ônibus de novo, foi bem complicado, porque os horários foram bastante reduzidos. Pessoalmente eu tomo meus cuidados, usando máscara, álcool em gel, trocava a roupa e fazia a higiene das mãos. O trem era também um problema, porque estava sempre superlotado, mas no ônibus as pessoas iam sentadas, sem ninguém de pé, normalmente ocupando somente um banco. Nas casas onde trabalho, as pessoas mantêm um certo distanciamento e todas usam máscara.

 

No começo da pandemia, em 2020, eu fiquei 45 dias sem trabalhar, mas continuei recebendo pagamento das pessoas que eu limpava a casa. Mas se eu não recebesse esse dinheiro não teria nenhuma outra opção de sustento. É claro que se eu precisasse trabalhar em outra coisa, eu trabalharia, daria um jeito, mas a minha renda é deste trabalho.

 

Na minha casa moramos eu e meu esposo. Nós dois trabalhamos fora, ele também em Porto Alegre, na área de manutenção do Barra Shopping, mas ele continuou trabalhando normalmente. Claro que ficamos inseguros, porque, como disse, o trem tinha muita gente e é muito lotado. Na plataforma, tem distanciamento, mas dentro do trem não tem o que fazer. Sendo bem honesta, eu não queria ter ficado aquele tempo sem trabalhar no começo da pandemia, mas foi preciso, porque estava muito complicado.

 

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Jaqueline dos Santos Rodrigues, 37 anos
Mãe e Moradora da ocupação Steigleder

Gislaine (Foto: Arquivo pessoal)

Já se passou um ano da pandemia e estamos vivendo aqui na ocupação, mas também em outros lugares, uma dificuldade enorme. Porque eu, como mulher, preciso ser mãe, esposa, dona de casa, professora, afinal as crianças estão sem ir à escola e temos que auxiliar a fazer as tarefas da escola. Como mãe, tenho uma família enorme para cuidar, sem contar que como esposa sou casada há 18 anos. Na realidade do dia a dia, em nossa ocupação temos vivido momentos bastante difíceis, porque a pandemia veio para todo mundo e tem afetado muito a nossa comunidade.

 

Com a pandemia tivemos que redobrar os cuidados por conta do vírus. Uma das maiores dificuldades da Ocupação Steigleder é a questão da água, pois o acesso à água potável é precário e muito difícil. Em função do vírus temos que lavar as mãos toda a hora, além de ter que lavar as roupas e tomar banho. Também não pudemos sair para trabalhar, pois a maior parte dos moradores são catadores de material reciclável e enfrentamos muitas dificuldades de ir para as ruas. Claro que isso não nos impediu, porque precisávamos disso para poder manter nossa família e colocar o alimento na mesa. Além disso, não poder ver alguns familiares por conta desse vírus é muito difícil.

 

Houve muitas mudanças, pois junto com a pandemia veio a rede solidária, que tem nos ajudado muito com alimentos e produtos de higiene. Por meio dessa iniciativa muita gente pôde saber que havia gente na ocupação que precisava de apoio e ajuda, que passaram a nos ajudar com cesta básica, álcool em gel e mesmo alimentos prontos. Para nós foi uma grande mudança, pois como muitas pessoas saem para buscar material, às vezes, chegam ao meio-dia ou à tarde e ainda têm que preparar o alimento, mas com as doações de comidas prontas a pessoa pode pegar a comida, ir para casa, almoçar e, depois, voltar para o seu trabalho.

 

A minha família é composta por sete pessoas, dois adultos e cinco crianças. Para tomarmos os devidos cuidados de higiene, usamos álcool em gel, água sanitária para lavar as máscaras e tentamos manter o máximo possível o isolamento social, o que em uma casa com sete pessoas é bem difícil. Os filhos querem sair e passear, mas não podem e isso é bastante difícil. Mas o que temos feito para se prevenir é usar máscara, lavar as mãos e usar álcool em gel.

 

Reportagem

Jaqueline é também a personagem central da reportagem O Natal Solidário da Jaqueline, de autoria de Thariany Mendelski, aluna do curso de jornalismo da Unisinos, republicada nesta edição da revista. Acesse e leia a matéria na íntegra.

 

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