Eleições 2018 e a economia. Um cenário nada animador. "O maior desafio é político". Entrevista especial com Marcelo Manzano

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Por: Patricia Fachin | 09 Outubro 2018

O resultado do primeiro turno das eleições “não é muito animador” do ponto de vista econômico, avalia Marcelo Manzano à IHU On-Line, na entrevista a seguir concedida por e-mail. Segundo ele, “a onda antissistema que foi capitalizada pelo Bolsonaro carrega consigo uma agenda econômica ultraliberal que não tem nenhuma chance de ter êxito em uma economia com as características da brasileira: sem uma moeda forte (conversível), periférica, dotada de um parque industrial relativamente importante - mas obsoleto - e com uma estrutura produtiva bastante complexa”. De outro lado, “a candidatura do PT, que apresentou em seu Plano de Governo uma agenda econômica bastante ousada e consistente, com uma clara estratégia de retomada da produção, do emprego e da renda, será tentada no segundo turno a ‘ceder os anéis’, o que poderá comprometer parte daquela salutar ousadia que a meu ver garantiria um salto de qualidade na política econômica e o retorno a um ciclo de crescimento econômico mais robusto e prolongado”.

Apesar disso, pontua, o cenário econômico para 2019 “não é dos piores” e está “muito melhor do que o de 2003 ou o de 2015”, porque o “câmbio desvalorizado, por sua vez, favorece as exportações e abre espaço para o produtor nacional no mercado interno, uma vez que a concorrência dos importados tende a diminuir”, e “a Selic está relativamente baixa e não precisará voltar aos patamares proibitivos que vigoraram nos últimos vinte e tantos anos”. Além disso, frisa, “as famílias, embora endividadas e com queda da renda domiciliar, estão com o consumo reprimido pela longa crise e, no caso de uma retomada do emprego e da renda, tendem a responder muito positivamente, impactando rapidamente o consumo agregado”. Nesse cenário, pondera, “uma vez reformadas as regras fiscais que imobilizam o setor público - e essa é uma questão fundamentalmente política, não econômica - haverá boa perspectiva de crescimento do PIB”.

Daqui para frente, adverte, “temos que levar a sério um projeto de reindustrialização do país”. Para isso, diz, é preciso “adotar um regime cambial que evite a valorização excessiva de nossa moeda e que não permita flutuações da taxa de câmbio como ocorre atualmente. Não há empresa ou banco que seja capaz de apostar em projetos de longo prazo com uma taxa de câmbio que seja tão volátil e que esteja à mercê dos fluxos de capital especulativo. Além disso, precisamos dedicar especial atenção a setores industriais com que ainda temos condições de competir internacionalmente. O ramo de petróleo e gás obviamente é um deles. O setor de fármacos e equipamentos para o setor de saúde é outro (já que temos o maior sistema público de saúde do mundo). O setor de biotecnologia é outro. O de processamento de alimentos, mais um. E o setor de aeronáutica está nos escapando. Mas nos restam algumas frentes e precisamos garantir seu desenvolvimento e sustentabilidade por meio de estímulos, crédito, compras públicas e políticas de apoio científico e tecnológico”.

Marcelo Manzano | Foto: Arquivo pessoal

Marcelo Manzano é doutor em Desenvolvimento Econômico e mestre em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Atualmente é pesquisador no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que avaliação faz do resultado das eleições de domingo?

Marcelo Manzano - Do ponto de vista econômico, o resultado do primeiro turno não é muito animador. A onda antissistema que foi capitalizada pelo Bolsonaro carrega consigo uma agenda econômica ultraliberal que não tem nenhuma chance de ter êxito em uma economia com as características da brasileira: sem uma moeda forte (conversível), periférica, dotada de um parque industrial relativamente importante - mas obsoleto - e com uma estrutura produtiva bastante complexa. A contar com as promessas do "posto Ipiranga" que assessora o candidato do PSL, o setor estatal será esvaziado, o comércio exterior radicalmente liberalizado, razão pela qual uma eventual vitória de Bolsonaro levaria inescapavelmente a uma grave desorganização do tecido econômico nacional, com consequências sociais e políticas imprevisíveis. Por outro lado, a candidatura do PT, que apresentou em seu Plano de Governo uma agenda econômica bastante ousada e consistente, com uma clara estratégia de retomada da produção, do emprego e da renda, será tentada no segundo turno a "ceder os anéis", o que poderá comprometer parte daquela salutar ousadia que a meu ver garantiria um salto de qualidade na política econômica e o retorno a um ciclo de crescimento econômico mais robusto e prolongado.

IHU On-Line - Qual é o significado político desse resultado?

Marcelo Manzano - Muito preocupante. Embora a centro-esquerda tenha se mantido praticamente do mesmo tamanho, essa eleição reduziu dramaticamente a centro-direita em favor de uma ultradireita com baixíssimo coeficiente de racionalidade. O jogo oportunista que a grande mídia e o "mercado" patrocinaram desde a eleição de Dilma em 2014 "deu ruim". Produziram um aglomerado político disforme e radical cuja única razão de ser é a repulsa à classe política e às instituições que muito precariamente serviam de alicerce à nossa intermitente democracia. A esta altura, mesmo na hipótese heroica de conseguirmos amalgamar uma frente política em defesa da democracia e do Estado Social que estava inscrito na Constituição Federal de 1988, será muito difícil conter os instintos selvagens que ganharam a legitimidade do voto nessa eleição de domingo. Nesse contexto, imagino que seria um equívoco enorme ceder na agenda econômica para atrair as forças de centro que fazem o jogo do mercado. O desafio, portanto, é dar concretude a uma pauta econômica heterodoxa e ousada - uma espécie de New Deal tropical -, não apenas porque é a única alternativa para retirar a economia do quadro depressivo em que se encontra, mas também porque esta seria a melhor maneira de resgatar parte do eleitorado que foi encantado pela candidatura antissistema e que não tem ouvidos para as meritórias temáticas da democracia e dos direitos civis e sociais.

IHU On-Line - O senhor tem chamado atenção para a gravidade da situação econômico-social atual, especialmente considerando o número de desempregados no país neste momento. Quais são os problemas mais graves em relação à situação econômico-social hoje, segundo seu diagnóstico?

Marcelo Manzano - O Brasil vive hoje a pior crise econômica e social de sua história. O PIB per capita caiu fortemente entre 2015 e 2016 (quase 10%) e desde então a economia segue rastejando, com o PIB per capita variando próximo de 0%. Isso é absolutamente inédito, pois nos outros episódios recessivos que tivemos, (1981-83) (1990-1991) e (2009), foram observadas recuperações rápidas e intensas nos anos que se seguiram aos mergulhos recessivos. Agora, por conta da insistência no receituário ortodoxo, que aposta todas as fichas na redução dos gastos públicos, nada consegue animar o investimento produtivo. Trata-se de um problema clássico.

Em crises depressivas, com alto desemprego, queda na renda e elevado endividamento, nenhum agente econômico privado (famílias ou empresas) se sente apto a aumentar o seu padrão de gasto. Pelo contrário, para se defenderem da crise, todos ficam cautelosos e se retraem. Nesse contexto, só uma ação anticíclica do Estado, ampliando suas despesas, gastando mais com salários e benefícios e fazendo encomendas junto ao setor privado é capaz de reverter a espiral depressiva e dar novo arranque no motor da economia.

Mas, infelizmente, desde 2015 até hoje, com o lamentável governo de Michel Temer, o comando da economia brasileira está entregue a economistas alinhados com a miragem simplista do neoliberalismo. Apoiados em teorias econômicas muito bonitas pela sofisticação, mas absolutamente descoladas da realidade, defendem que cabe ao Estado se comportar tal qual um agente privado, como o dono de uma padaria que, durante o período de vacas magras, corta despesas, demite funcionários e abandona qualquer plano de expansão.

Ora, ora... mas definitivamente o Estado não é isso. Pela sua dimensão, o governo é o único ator em uma economia capitalista que é capaz de impactar diretamente a dinâmica econômica dos demais agentes. Portanto, em quadros depressivos como o atual, cabe ao setor público coordenar um plano de expansão dos investimentos e do consumo que seja capaz de reverter a expectativa negativa que predomina entre empresas e famílias, sinalizando que haverá “demanda” para bens e serviços adicionais que venham a ser produzidos.

IHU On-Line - Que tipos de políticas poderiam reverter o atual quadro econômico-social?

Marcelo Manzano - Para reanimar a economia no curto prazo, deve-se agir em duas frentes: por um lado, seria fundamental realizar um grande plano de investimento em infraestrutura. Desde 2015 o Brasil tem diminuído drasticamente os gastos (públicos e privados) em infraestrutura. Estamos hoje investindo apenas 1,6% do PIB nesse tipo de atividade, muito abaixo do que fazem, por exemplo, os nossos vizinhos latino-americanos (que investem 5% do PIB) ou os países asiáticos (que investem de 6% a 8% do PIB). Não estamos sequer repondo a depreciação do que já está instalado e precisa de manutenção ou reposição. Mas se conseguirmos rapidamente botar para funcionar as 2.100 obras que estão paradas (por conta da miragem da austeridade fiscal) teremos uma rápida recuperação do emprego na construção civil, além de gerar demanda para diversas outras atividades que fornecem insumos ou serviços ao setor de infraestrutura. Para cada 1 bilhão de investimento adicional no setor, estima-se que sejam criados 26 mil empregos. Se ao longo dos dois ou três próximos anos alcançarmos a meta de 5% do PIB investidos em infraestrutura, estaremos gastando 250 bilhões de reais a mais por ano, o que resultaria em quase 6,5 milhões de novos postos de trabalho.

Por outro lado, para enfrentar a questão mais emergencial, seria importante adotar alguma política que ao mesmo tempo desse suporte financeiro a 27,6 milhões de pessoas que hoje se encontram subocupadas e que conseguisse impulsionar a demanda por meio da expansão do consumo. Entre as alternativas, o setor público, em parceria como o setor privado, poderia realizar a contratação maciça de trabalhadores em regime temporário para atuarem em atividades de manutenção de logradouros públicos ou para fazer o reflorestamento de áreas degradadas. Além disso, a fim de estimular a educação de jovens e diminuir a pressão no mercado de trabalho, certamente seria muito profícuo um amplo programa de bolsa estudantil para que jovens de baixa renda conseguissem concluir o ensino médio.

Por fim, por que não pensarmos em um “cupom” pago pelo governo a todas as famílias brasileiras para que elas utilizem em um prazo de seis meses? O Japão já fez isso décadas atrás e seria como uma rodada experimental da “renda básica da cidadania” que há tanto tempo tem sido defendida pelo tenaz senador Suplicy.

IHU On-Line - Recentemente o senhor mencionou que entre 2013 até junho deste ano o país perdeu três milhões de empregos formais e quase quatro milhões de empregos informais, e alertou para a precariedade dos empregos que estão surgindo. Quais são as causas desse cenário? Ele se explica por conta da crise econômica ou há outros fatores?

Marcelo Manzano - A queda do emprego é sem dúvida uma consequência direta do mergulho recessivo e do corte de gastos promovidos pelo então ministro Joaquim Levy no início de 2015. Mas é também uma expressão evidente da flexibilidade e da desregulação do nosso sistema de relações de trabalho, mesmo sob os marcos da CLT. No Brasil, nunca foi problema demitir o trabalhador, como aliás fica evidente pelo fato de registrarmos uma taxa de rotatividade de mão de obra de aproximadamente 30% ao ano, uma das mais elevadas do mundo.

Quanto à precariedade dos empregos que estão sendo criados, acho que podemos dizer que dois fatores explicam esse quadro: em primeiro lugar, a permanência do quadro de depressão econômica certamente não estimula as empresas a apostarem na contratação de empregados com carteira assinada. Em segundo lugar, a própria reforma trabalhista promovida por Temer e seus aliados no Congresso Nacional parece ter sinalizado aos empregadores que não é vantajoso cumprir as parcas exigências da legislação trabalhista atual.

Talvez porque agora se dificultou o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, porque se enfraqueceram os sindicatos e também porque o quadro de elevado desemprego reduz o poder de barganha da classe trabalhadora, os empregadores parecem dispostos a correr mais riscos e não se comprometerem com as mínimas obrigações legais que ainda persistem.

IHU On-Line - Segundo a Pnad Contínua, 27,6 milhões de brasileiros estão sem trabalhar. Como será possível reverter esse quadro? Qual deve ser o peso da reforma trabalhista no enfrentamento desse cenário?

Marcelo Manzano - Esse quadro só será revertido se conseguirmos engendrar um novo ciclo de crescimento econômico que perdure alguns anos e esteja direcionado ao fortalecimento de atividades produtivas mais intensivas em mão de obra ou de alto valor adicionado. Não resolveremos esse problema se nos limitarmos à produção de commodities agrícolas ou minerais. Elas são importantes para o vigor de nossas contas externas, mas são insuficientes para dinamizar nosso mercado interno de trabalho. Além disso, não recuperaremos nosso mercado de trabalho se o Estado brasileiro continuar submetido às diversas amarras das atuais regras fiscais (“teto de gastos”, “regra de ouro”, “Lei de Responsabilidade Fiscal”).

Quanto à reforma trabalhista, não vejo outra saída que não seja a sua “revogação”, isto é, a adoção de uma nova legislação que resgate aspectos importantes da legislação trabalhista que estavam na CLT e inove em outras questões que de fato precisam ser atualizadas ao contexto econômico e social deste novo século. Acho que o “Estatuto do Trabalho” que foi organizado pelo senador Paulo Paim seria um ótimo ponto de partida.

IHU On-Line - Uma das propostas do governo Temer é que a reforma da Previdência seja votada no início do próximo governo, que inicia em janeiro de 2019. Como o senhor vê essa possibilidade? Votar a reforma logo após as eleições seria uma medida temerária ou necessária?

Marcelo Manzano - Votar a reforma da Previdência imediatamente depois do segundo turno seria mais uma etapa do golpe. Inadmissível. Pela forma com que tomou o poder, Temer nunca teve legitimidade para fazer as alterações constitucionais que se atreveu a realizar. Agora então, no apagar das luzes, seria realmente um desastre, apenas possível se a eleição for vencida por um candidato que esteja sendo apoiado pelos bancos e pelos grandes grupos financeiros. Essa turma do lobby rentista, que cabe em sala 3x4, mas que tem grande poder de persuasão, está de olho gordo nas centenas de bilhões de reais que abocanhariam no caso de uma reforma da Previdência nos moldes que tem sido proposto pelos partidos que apoiaram o governo Temer.

IHU On-Line - Parece que há um consenso entre os economistas em relação ao déficit fiscal das contas públicas. Diante desse cenário, o que é possível esperar para o próximo ano? Que tipo de medida precisa ser adotada de modo que seja possível conciliar o gasto social com o enfrentamento do déficit?

Marcelo Manzano - É preciso ter clareza que não se deve enfrentar o déficit em momentos de contração ou estagnação da economia. Por uma razão muito simples, que infelizmente está à vista de todos nós, mas que poucos se dão conta. Quando a economia está afundando, se o governo tentar ajustar as suas despesas à queda na arrecadação, ele faz a economia afundar ainda mais, o que reduz o recolhimento de impostos, exige novos cortes de gastos e assim sucessivamente, rumo ao buraco. Estamos metidos em uma armadilha exatamente assim e é impressionante constatar que haja no país um grande clamor pelo controle do déficit. Não é hora disso, seja porque é contraproducente, seja porque resulta em rápida deterioração social, como aliás podemos perceber caminhando em qualquer rua das cidades brasileiras.

Isso não significa que não se deve pensar em regras de longo prazo que possibilitem adequar as despesas públicas ao fluxo de receitas tributárias e ao patamar de endividamento. Pode-se pensar, por exemplo, em uma regra que permita expandir o gasto público de acordo com o aumento estimado do PIB, ou até de acordo com uma média do crescimento do PIB nos anos anteriores. Mas, seja como for, é fundamental estabelecer uma cláusula de escape, isto é, um regime de emergência que permita ao governo descumprir a regra em anos de crises recessivas ou estagnações, como é o quadro atual.

IHU On-Line - O salário mínimo é considerado, por alguns sociólogos e economistas, como uma das medidas mais eficientes para reduzir as desigualdades sociais. Por que, na sua avaliação, esse tema não tem sido uma pauta central nas eleições presidenciais deste ano?

Marcelo Manzano - Esse tema até aparece com destaque nas propostas de governo dos candidatos do campo da centro-esquerda. Mas, de fato, a grande mídia, quando pauta o debate eleitoral, se limita a temas que interessam mais ao dito "mercado" do que àqueles que dizem respeito à vida da grande maioria da população. Eu não tenho dúvida da importância de se manter a política de elevação do salário mínimo que foi inaugurada ainda no primeiro mandato do Lula e que oficialmente se encerra em 2019.

Espero que o próximo presidente prorrogue a legislação para mais quatro anos, garantindo ganhos de renda real a quase 45 milhões de brasileiros que têm sua renda vinculada ao valor do salário mínimo. Não custa lembrar que de acordo com diversos estudos, nacionais e internacionais, essa política foi a principal responsável pela queda da pobreza no Brasil e pela redução das desigualdades de renda entre os trabalhadores assalariados.

IHU On-Line - Como as pautas econômica e da empregabilidade têm sido discutidas nas eleições presidenciais deste ano?

Marcelo Manzano - A questão de emprego tem sido colocada em segundo plano no debate eleitoral, pois aos olhos das cinco famílias que controlam o noticiário no país, o que importa é garantir a permanência de uma política econômica ortodoxa, fundada na austeridade fiscal, que perpetue os ganhos rentistas abusivos que fazem a alegria daquelas famílias e de seus patrocinadores. Além disso, claro, aos olhos dos grandes grupos econômicos estrangeiros, a agenda da liberalização radical da economia brasileira também é um tema que sempre lhes interessa. Em última instância, para essa gente o mercado de trabalho é uma variável dependente da saúde fiscal do setor público brasileiro. Profetizam — mas não são capazes de dar um único exemplo exitoso — que se o Estado estiver equilibrado e subordinado a rígida disciplina fiscal, o resto vem por gravidade. Assim, reduzem toda a questão econômica a uma dicotomia simplista entre confiança x desconfiança. É uma pena.

Na verdade, o debate econômico foi deslocado para uma dimensão abstrata que não dialoga com as questões concretas que dizem respeito à produção e ao emprego e, em última instância, à vida das pessoas. Se limita a uma perspectiva um tanto moralista sobre a virtude de um Estado austero. E na verdade, essa concepção suscita uma questão curiosa: um estado que poupa é aquele que retira dinheiro do bolso das famílias e das empresas e não devolve na forma de serviços, certo? Faz algum sentido esse tipo de gestão das contas públicas?

IHU On-Line - Alguns economistas têm depositado suas expectativas no futuro da economia a partir do resultado das próximas eleições. Que tipo de perspectivas em relação à economia será possível ter a partir das eleições deste ano?

Marcelo Manzano - Acho que o cenário econômico para 2019 não é dos piores. Muito melhor do que o de 2003 ou o de 2015. Uma vez reformadas as regras fiscais que imobilizam o setor público — e essa é uma questão fundamentalmente política, não econômica — haverá boa perspectiva de crescimento do PIB. Por conta da crise dos últimos quatro anos, a inflação está em patamar bastante baixo, já tendo incorporado inclusive os choques provocados pela desvalorização do real, pelos ajustes das tarifas de energia e pelos aumentos dos combustíveis. O câmbio desvalorizado, por sua vez, favorece as exportações e abre espaço para o produtor nacional no mercado interno, uma vez que a concorrência dos importados tende a diminuir. A taxa básica de juros (a Selic) está relativamente baixa e não precisará voltar aos patamares proibitivos que vigoraram nos últimos vinte e tantos anos. As famílias, embora endividadas e com queda da renda domiciliar, estão com o consumo reprimido pela longa crise e, no caso de uma retomada do emprego e da renda, tendem a responder muito positivamente, impactando rapidamente o consumo agregado. Nossas reservas internacionais são elevadas e servem de proteção a choques externos ou até mesmo para nos blindar de eventuais chantagens que o mercado queira praticar contra as candidaturas não alinhadas a seus interesses.

Enfim, por tudo isso, acho que as condições econômicas são bastante razoáveis para retomarmos o crescimento já em 2019, talvez até apostaria em uma taxa de 4%. Claro que a condição primeira é repensar as regras fiscais, focando em uma estabilidade de longo prazo que não constranja a importante capacidade do Estado de mobilizar a demanda agregada no curto prazo.

IHU On-Line - Que tipo de desenvolvimento econômico seria fundamental para o Brasil não apenas superar a crise econômica dos últimos anos, mas se desenvolver sustentavelmente a longo prazo?

Marcelo Manzano - Temos que levar a sério um projeto de reindustrialização do país. Não há outra alternativa. Mas isso não é tarefa fácil. Entre outros desafios, precisamos adotar um regime cambial que evite a valorização excessiva de nossa moeda e que não permita flutuações da taxa de câmbio como ocorre atualmente. Não há empresa ou banco que seja capaz de apostar em projetos de longo prazo com uma taxa de câmbio que seja tão volátil e que esteja à mercê dos fluxos de capital especulativo. Além disso, precisamos dedicar especial atenção a setores industriais com que ainda temos condições de competir internacionalmente. O ramo de petróleo e gás obviamente é um deles. O setor de fármacos e equipamentos para o setor de saúde é outro (já que temos o maior sistema público de saúde do mundo). O setor de biotecnologia é outro. O de processamento de alimentos, mais um. E o setor de aeronáutica está nos escapando. Mas nos restam algumas frentes e precisamos garantir seu desenvolvimento e sustentabilidade por meio de estímulos, crédito, compras públicas e políticas de apoio científico e tecnológico.

E não custa lembrar, uma reforma urbana que altere os modais de transportes, que resolva o problema do déficit habitacional e que regularize a oferta de bens púbicos (saneamento, energia, saúde, educação) nas grandes cidades traria efeitos econômicos gigantescos, gerando demanda para o setor de construção civil e para as empresas de serviços industriais de utilidade pública que garantiriam boa propulsão ao desenvolvimento econômico do país por um longo tempo.

IHU On-Line - Entre os possíveis candidatos à presidência da República, algum sinalizou ter um programa econômico adequado para o Brasil ou apresentou alguma preocupação com um projeto de país?

Marcelo Manzano - A meu ver os dois candidatos com os melhores programas são o Haddad e o Boulos, não apenas porque propõem políticas de enfrentamento do lastimável quadro de degradação social que nos encontramos, mas também porque são os que apostam em um programa mais estruturante da economia brasileira. Ciro Gomes também tem propostas importantes, com uma perspectiva focada na retomada do setor industrial. Peca, entretanto, em suas propostas para a previdência — a ideia de implantar um sistema de capitalização me parece desastrosa, como bem mostra a experiência chilena — e para o gasto público. Ao dizer que pretende implantar o sistema de "orçamento anual base zero", Ciro coloca em risco uma conquista civilizatória alcançada com a Constituição Federal de 1988 que estabeleceu vinculações orçamentárias e patamares mínimos de gastos para políticas públicas consideradas essenciais (especialmente saúde e educação). A proposta de "orçamento base zero", na medida em que abre a possibilidade de completo remanejamento das despesas públicas, é uma séria ameaça ao nosso ainda frágil Estado Social que a duras penas foi rascunhado em 1988. Fico imaginando, por exemplo, o enorme estrago que Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco teriam feito se pudessem alterar a seu bel-prazer a destinação da maior parte do Orçamento Geral da União.

IHU On-Line - Do ponto de vista econômico, quais são os principais desafios do próximo presidente a partir de 2019?

Marcelo Manzano - O maior desafio, como eu disse antes, não é econômico, mas antes político. O próximo presidente precisará de muita força no Congresso para se desvencilhar da camisa de força da lei do teto de gastos e de outras idiossincrasias de nossas regras fiscais. Além disso, terá que revogar diversas reformas regressivas que foram aprovadas por Temer e tentar recolocar a Petrobras como principal exploradora de petróleo do país.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Marcelo Manzano - Em meus sonhos, imagino o que seria deste país se tivéssemos outras cinco ou dez empresas do porte da Petrobras, atuando em outros setores de atividade, induzindo o investimento em cadeias produtivas estratégicas. Teríamos então demanda e previsibilidade para milhares de empresas privadas de menor porte, as quais por sua vez poderiam ofertar empregos de melhor qualidade para esse grande contingente de brasileiros cheios de energia que, incrivelmente, não conseguem encontrar lugar em um país que tem tudo a ser feito.

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