Paróquia: casa da iniciação e comunidade de sujeitos eclesiais

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29 Junho 2021


"É urgente refletir a eclesiologia do laicato e dos demais sujeitos eclesiais a partir da configuração eclesial comunidade de comunidades, e essa a partir do estatuto de sujeitos eclesiais, tendo como pano de fundo a iniciação em Jesus Cristo e na comunidade de fé", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Paróquia: casa da iniciação e comunidade de sujeitos eclesiais (Vozes, 2020, 151 p.), de autoria de Dr. João Fernandes Reinert.

 

Eis o artigo.

 

Três documentos eclesiais oferecidos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) -, são objetos de reflexão do livro: Paróquia: casa da iniciação e comunidade de sujeitos eclesiais (Vozes, 2020, 151 p.) -, de autoria de Dr. João Fernandes Reinert – professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF), em Petrópolis, RJ.

Trata-se dos documentos intitulados: “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia – A conversão pastoral da paróquia” (Doc. 100); “Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: sal da terra e luz do mundo” (Doc. 105); e “Iniciação à vida cristã: itinerário para formar discípulos missionários” (Doc. 107). Esses documentos são frutos de assembleias dos bispos e cada uma destas temáticas busca iluminar a reflexão pastoral na prática evangelizadora da Igreja em nosso país.

Metodologicamente, o autor, busca dialogar com os temas tratados nestes documentos captando a relação entre eles e evidenciando o que há de comum entre essas três realidades pastorais. “Analogamente, as três realidades pastorais aqui estudadas dependem uma das outras, enriquecem-se mutuamente, triangulam-se, formando uma unidade eclesiológica orgânica” (p. 10), por isso “comunidade de comunidades, sujeito eclesiais e iniciação à vida cristã não somente estão inter-relacionados, como também trazem em si o DNA da relação” (p. 10). A relacionalidade é, portanto, o elemento primordial entre os três temas abordados.

A presente obra está estruturada em seis capítulos:

No primeiro capítulo, intitulado “A emergência do sujeito moderno e a interdependência entre o local e o global” (p. 13-21), a partir de um olhar sociológico, mais especificamente no pensamento do sociólogo Alain Touraine, busca-se traçar um olhar sobre o sujeito na era contemporânea, na assim chamada virada antropológica, na qual se dá a emergência da subjetividade (p. 13-17). Diante disso, apresentam-se algumas características da atual cultura: do pluralismo, da mobilidade e da interdependência que estão em sintonia com o tema da comunidade, do sujeito eclesial e da iniciação à vida cristã. O autor entende que “a reflexão sobre o sujeito na era contemporânea, sobretudo no pensamento de Touraine, lança luzes para os temas do nosso estudo, pois o cristão que não tem consciência de ser sujeito corre o risco de alienação, de acomodação e de indiferença.

Na mesma perspectiva, repensar a renovação da paróquia desassociada da afirmação da pessoa como sujeito eclesial e social parece no mínimo inconsequente, sem alicerce que a possa sustentar, qual a casa construída sobre a areia. Fato é que por várias razões, mais do que no passado, temos hoje as condições eclesiais, as condições sociais, políticas e culturais e as bases eclesiológicas para que o cristão leigo exerça sua missão como autêntico sujeito eclesial, apto a atuar na Igreja e na sociedade e a promover uma relação construtiva entre ambas” (p. 17).

No segundo capítulo, "Jesus, a Igreja primitiva e a dignidade dos sujeitos sociais e eclesiais" (p. 22-40), Reinert entende que para resgatar o ser humano em sua dignidade social e religiosa se faz necessário percorrer o caminho de Jesus. Isso porque a relação entre sujeito eclesial/social e comunidade de comunidades é evidente no ministério de Jesus – Ele resgatava a dignidade das pessoas e propôs uma nova forma de comunidade, fundada em novos relacionamentos (p. 22-24). Em seguida, o olhar se dirige para as comunidades primitivas (p. 25-40), chamando a atenção para o fato de que os “historiadores são unânimes em afirmar a inexistência das categorias clero e leigo nas primeiras horas do cristianismo” (p. 25). Os rápidos cortes históricos, feitos pelo autor chamam a atenção para a relação entre clericalismo e perda da centralidade da comunidade cristã, perda do sujeito eclesial e perda da qualidade da iniciação à vida cristã. Diante disso, Reinert chama a atenção para a atualidade do axioma “cristãos não nascem, se tornam” (p. 30-34), e, para a urgência da consolidação do binômio comunidade-carismas e ministérios (p. 35-40).

No terceiro capítulo, "Comunidades de comunidades, sujeito eclesial e iniciação à vida cristã: em busca de identidade" (p. 41-72), aborda a identidade de cada um dos temas em questão, mostrando em que sentido a relacionalidade é o fio condutor destas três realidades pastorais. Inicialmente o autor propõe-se responder a seguinte questão: a que se propõe a configuração paroquial comunidades de comunidades, a consolidação de todos os fiéis como sujeitos eclesiais e a iniciação à vida cristã de inspiração catecumenal (p. 41-46), em seguida, busca-se alargar o horizonte de compreensão de comunidades de comunidades, sujeitos eclesiais e iniciação à vida cristã objetivando repensar com profundidade as relações teológicas e eclesiais entre os vários sujeitos eclesiais, entre as instâncias, as comunidades, os organismos, as metodologias, as pastorais e movimentos que formam a comunidade eclesial (p. 46-52).

É preciso também, segundo Reinert, ater-se a importância das definições e seu contexto eclesial (p. 52-57), configurar-se de forma condizente com sua autodefinição (p. 57-60), promoção da cultura de encontro (p. 60-64), a importância da iniciação à vida cristã como o encontro entre dois sujeitos: Jesus Cristo e o iniciado (p. 64-67), e, para a espiritualidade da configuração eclesial comunidades de comunidades, da cidadania dos cristãos sujeitos eclesiais e da iniciação à vida cristã (p. 67-72).

No quarto capítulo, "As várias expressões da concretização de comunidades de comunidades" (p. 73-90), Reinert salienta que comunidades de comunidades envolve na rede das relações eclesiais, um conjunto muito amplo de pessoas, organismos e estruturas, por isso, as páginas deste capítulo adentram nas diferentes e complementares expressões nas quais se concretizam o ser “comunidade de comunidades”. Em primeiro lugar, destaca ser o cristianismo comunidade de comunidades – desde sua origem haja vista a pluralidade de eclesiologias existentes no Novo Testamento (p. 73-75).

Em seguida, chama a atenção para a relação entre a Igreja local e a Igreja universal como comunidade de comunidades (p. 75-79); para a comunidade de comunidades no sacerdócio comum de todos os batizados (p. 79-81), para a comunidade de comunidades entre movimentos eclesiais, associações e novas comunidades (p. 81-83). Por fim, entendendo o presbítero como o homem de comunhão eclesial (p. 83-87), o autor, enfatiza a dimensão comunitária do presbitério: comunidade de comunidades no corpo presbiteral (p. 87-90).

No quinto capítulo, "Paróquia, comunidade de sujeitos eclesiais" (p. 91-125), o enfoque específico é o “sujeito eclesial”. “Sujeito eclesial é a comunidade (...), são igualmente o conjunto de instâncias, organismos eclesiais e os mais diversos canais de maturidade cristã” (p. 109). O autor toma como ponto de partida o Concílio Vaticano II uma vez que, este evento eclesial numa atitude de diálogo e serviço reconhece os sujeitos sociais e culturais (p. 91-94), e os sujeitos eclesiais (p. 94-96). Diante disso, “todo o cuidado para não cair no dualismo intra e extraeclesial se faz necessário” (p. 96), pois, “ambas as realidades são lugares do agir de cada cristão” (p. 97). Sujeitos eclesiais na Igreja e na sociedade, sem dicotomia (p. 96-100), com a atenção para Conselhos de Pastoral e assembleias paroquiais (p. 100-105), , a urgência de enfrentar o desafio de crescer na sinodalidade – como expressão de fé e de missionariedade (p. 106-108).

Nas reflexões finais deste capítulo, Reinert chama a atenção para a dimensão celebrativa da fé - a liturgia – a comunidade como o lugar de sujeitos celebrantes (p. 109-115), para as questões econômicos-administrativas: o econômico como sujeito eclesial responsável e solidário (p. 115-119), para a formação dos sujeitos eclesiais (p. 119-122). As conclusões deste capítulo chamam a atenção para a organização do laicato de modo especial o Conselho Diocesano de leigos (p. 123-125).

No sexto capítulo, "Os rostos dos diversos sujeitos eclesiais" (p. 126-139), busca-se nomear os vários sujeitos que aparecem nos Doc. 110, 105, 107. O autor não tem a pretensão de refletir especificamente cada um deles, mas reafirmar mais uma vez que todos, pela graça do batismo, são sujeitos ativos na Igreja, e não meros destinatários da ação evangelizadora de um único sujeito que seria o clero. Uma leitura abrangente permite-nos identificar nestes documentos os seguintes sujeitos eclesiais: os bispos, os presbíteros, os diáconos permanentes, os consagrados, os leigos, as famílias, as crianças da catequese, os jovens, os idosos (p. 127-129). Em seguida, tendo em vista a renovação paroquial, Reinert oferece uma palavra de destaque sobre dois personagens decisivos: as mulheres (p. 129-132) e os pobres (p. 132-135). Na parte final deste capítulo, o autor tece comentários sobre os dois sujeitos principais da iniciação cristã: o iniciando e a comunidade eclesial (p. 135-139).

Concluindo, o autor destaca que “não bastasse toda a riqueza relacional em cada um dos três temas, a densidade da comunhão dessas realidades está igualmente no fato de ser ela, a relação, o elo que as une e o fio que costura os temas entre si. Longe de serem realidades independentes, elas existem na lógica da inter-relacionalidade e da complementaridade; ou seja, cada uma dessas realidades ajuda a desvendar a natureza mais profunda das outras. Cada uma dessas temáticas eclesiológico-pastorais sustenta e exige a outra” (p. 142).

Concordamos com autor quando diz que a principio pode se ter a impressão de estarmos diante de três temas paralelos, com pouca ou nenhuma relação entre si. Contudo, esse modo de pensar pouco diz sobre a lógica dialogante que impulsiona essas realidades pastorais, embora tenhamos que admitir que urge certa sensibilidade pastoral para captar a relação dialética entre elas. É, portanto, o objetivo desta obra.

É urgente refletir a eclesiologia do laicato e dos demais sujeitos eclesiais a partir da configuração eclesial comunidade de comunidades, e essa a partir do estatuto de sujeitos eclesiais, tendo como pano de fundo a iniciação em Jesus Cristo e na comunidade de fé.

As reflexões contidas neste livro lançar luzes e ajudará a responder as seguintes perguntas: qual a relação entre ser sujeito eclesial e ser iniciado na fé? Em que uma paróquia genuinamente configurada como comunidade de comunidades tem a contribuir para a emergência e a consolidação dos sujeitos eclesiais? Ou inversamente: de que modo ser sujeito eclesial é imprescindível para a construção da nova paróquia comunidade de comunidades? Qual a relação entre ser iniciado em Jesus Cristo e ser sujeito na Igreja e no mundo? Por que uma paróquia comunidade de comunidades mais eficientemente é capaz de ser casa da iniciação à vida cristã?

 

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