Felipe Arizmendi Esquivel, um cardinalato para os povos indígenas

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26 Outubro 2020

Surpreendente designação. Enquanto as fichas do poder eclesiástico poderiam ter se movido por alguma arquidiocese com mais peso e influência no episcopado mexicano, o estilo do Papa Francisco dirige a atenção a essas partes onde o que não é central, ponta a uma preponderância específica para que a Igreja se deixe ver como poliedro e mosaico, não somente como algo plano e uniforme.

A reportagem é de Guillermo Gazanini Espinoza, publicado por Religión Digital, 25-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

E a Igreja do México agora tem um novo cardeal, tal como ocorreu com o falecido Sergio Obeso, a designação do emérito de San Cristóbal de las Casas, Felipe Arizmendi Esquivel, pontaria para o reconhecimento do trabalho pastoral do bispo que por 17 anos serviu a essa diocese; no entanto, a trajetória do bispo mexicano tem uma explicação mais profunda que uma carreira eclesiástica, quando o padre de Toluca foi elevado à dignidade episcopal, por vontade de João Paulo II, para ser bispo de Tapachula, com apenas 50 anos de idade, em 1991.

Um trabalho dedicado aos pobres e à pastoral indígena que se associa à memória de Samuel Ruiz García, o impulsor da teologia indígena e da defesa dos direitos dos povos e comunidades originárias. Arizmendi Esquivel foi relevado da diocese aos 77 anos e assim dava um legado do qual destaca a conformação da pastoral que gerou também os livros litúrgicos para a celebração dos sacramentos em línguas tseltal e tsotsil.

O reconhecimento litúrgico não foi um processo simples. Iniciou desde 2007 e passou pelas instâncias correspondentes da Conferência Episcopal Mexicana e da Congregação para o Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos em Roma. Foi precisamente na instância romana que Arizmendi não teve plena confiança, motivando um encontro com Francisco, a quem apelou em reiteradas ocasiões para reconhecer os textos da pastoral indígena.

O novo cardeal reconheceu ter recorrido diretamente ao pontífice ante a lentidão e burocracia da Cúria Romana. Segundo o emérito de San Cristóbal, Francisco lhe disse que “esta prática deveria mudar, pois é impossível que em Roma se conheçam todas as culturas; não podem definir o que não se conhece. Já há mais de três anos que nos disse que seriam as Conferências Episcopais de cada país que deveriam aprovar estes textos, sempre em comunhão com a Sé Apostólica, pois não se pode ter uma autêntica liturgia católica sem esta comunhão eclesial”.

A luz veio na segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016, quando o Pontífice orou e se pôs diante do túmulo de Samuel Ruiz García na catedral de San Cristóbal, em um sinal de reconhecimento de toda a pastoral e consolidação da teologia indígena e da luta pela defesa dos direitos humanos dos povos originários. Nessa data, Arizmendi vivia o “tempo extra” do seu ministério em San Cristóbal ao ter cumprido em 2015, a idade limite para a apresentação de sua renúncia ante o Papa como marca o direito canônico, porém marcou “por antes e depois”. Não somente o Papa dava o aval à liturgia indígena, também dava pauta para acentuar os gestos de perdão para os povos e comunidades indígenas.

Essa visita marcou uma situação excepcional que agora veio ao cenário político perante a exigência do perdão do Papa aos povos indígenas. Na missa no ginásio desportivo municipal de São Cristóbal, em 2016, o Papa destacou a incompreensão que a cultura do descarte tem sobre os povos indígenas ademais da destruição do seu entorno e do meio ambiente. Ao lado do Papa estava justamente dom Arizmendi, que parecia recompensado pelos esforços que vinham sendo feitos há séculos, com a evangelização de Bartolomé de las Casas, passando pela luta de Orozco Jiménez, “o Chamula”, e levada ao social por dom Samuel Ruiz García.

Esse foi o motivo para escutar o tão esperado perdão que hoje parece esquecido. Assim dizia o Papa: “Não obstante, muitas vezes, de modo sistemático e estrutural, seus povos foram incompreendidos e excluídos da sociedade. Alguns consideraram seus valores inferiores, suas culturas e suas tradições. Outros, mareados pelo poder, pelo dinheiro e pelas leis do mercado, foram despojados de suas terras ou realizaram ações que as contaminavam. Que tristeza! Que bem faria a nós todos fazer um exame de consciência e aprender a dizer: perdão! Perdão, irmãos! O mundo de hoje, despojado pela cultura do descarte, os necessita!”.

Já aposentado, Arizmendi se retirou para uma vida que, segundo ele, diria, transpassa pelo Estado do México, sua terra natal. Entre pregações, retiros e opiniões aos meios de comunicação, o cardeal Arizmendi ainda defende esta teologia indígena e apoia decisões de Francisco como a que deu a volta ao mundo quando fez uma apologia da chamada Pachamama, há quase um ano, em novembro de 2019. Chegou a ser chamado de “bispo da Pachamama” quando explicou uma certa conversão que, no fundo, buscava reconhecer esses aspectos das culturas indígenas. Arizmendi afirma: “Na minha diocese anterior, quando ouvi que com muito carinho e respeito se falavam da “mãe-terra”, fiquei aborrecido, porque disse a mim mesmo: minhas únicas mães são a minha mãe, a Virgem Maria e a Igreja. E quando os vi prostrados para beijar a terra, fiquei mais desconfortável. Mas convivendo com os índios, entendi que eles não a adoram como deusa, mas que querem valorizá-la e reconhecê-la como uma verdadeira mãe, pois é ela quem nos alimenta, quem nos dá água, ar e tudo que nós precisamos para viver: eles não a consideram uma deusa; eles não a adoram; eles apenas expressam seu respeito e oram agradecendo a Deus por ela...”.

Mais recentemente, o neo-cardeal foi vítima de violência quando, em junho passado, em suas terras no Estado do México, um fogo cruzado o feriu no pescoço sem consequências fatais.

O reconhecimento de Arizmendi Esquivel como cardeal não é mais funcional, não implica um trabalho específico na cúria com o Papa. Com 80 anos, o cardeal perdeu praticamente todos os direitos de eleição, não pode votar nem ser votado para a nomeação de um futuro Papa; no entanto, como aconteceu com o emérito de Morelia, o cardeal Alberto Suárez Inda, arcebispo daquela terra “tão quente’ carregada pela violência ou Sergio Obeso Rivera, que foi arcebispo de Xalapa, reconhecido por sua preponderância na constituição jurídica do Igreja mexicana, a nomeação de Arizmendi tenta voltar os nossos olhos para a Igreja das periferias, de uma Igreja tão antiga como a própria Evangelização do México”.

Desde o seu nascimento em 1539, a ex-diocese de Chiapas e hoje a de San Cristóbal, teve bispos excepcionais que deram forma a esta pastoral e teologia indígena: Bartolomé de las Casas, Francisco Orozco Jiménez ou Samuel Ruiz García. Todos eles são reconhecidos na pessoa de Felipe Arizmendi e no símbolo do cardeal que, no fundo, significa que os povos e comunidades indígenas estão na mente e no coração do Papa, como afirmou em San Cristóbal em 2016: “Nisto você tem muito a nos ensinar, a ensinar à humanidade. Seus povos, como reconheceram os bispos da América Latina, sabem se relacionar harmoniosamente com a natureza, que respeitam como fonte de alimento, casa comum e altar da partilha humana”.

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