Joseph Moingt (1915-2020): apaixonado pela compreensão da fé. Artigo de Christoph Theobald

Joseph Moingt | Foto: Stephane Guiochon - Le Progres

04 Setembro 2020

"Joseph Moingt foi realmente um apaixonado pela compreensão da fé. Sua escrita é caracterizada por um estilo especulativo pessoal e luminoso, que muito deve ao quarto Evangelho e ao prólogo de João", escreve Christoph Theobald, jesuíta, professor de teologia fundamental e dogmática no Centro Sèvres de Paris e diretor da revista Recherches de Science Religieuse, em artigo publicado por Garrigues et Sentiers, 27-08-2020. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.

Christoph Theobald é autor do livro A recepção do Concílio Vaticano II. Volume 1: Acesso à fonte, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2015.

Nos Cadernos Teologia Pública, publicou os seguintes artigos:

 

Eis o artigo.

 

Nascido no início da Primeira Guerra Mundial, Joseph Moingt pertence a um grupo provavelmente muito restrito de pensadores e teólogos cristãos que viveram quase todo o século XX e marcaram com sua presença uma parte não insignificante do século XXI. Entrou na Companhia de Jesus em 1938 e passou o período da Segunda Guerra Mundial como prisioneiro na Alemanha antes de ser ordenado sacerdote em 1949. A imensa obra que nos deixa traz os sinais da rápida evolução cultural do nosso continente e, em seu rastro, da Igreja Católica por volta do Concílio Vaticano II e, sobretudo, do final do século passado.

 

Certamente, podem-se distinguir três ou mesmo quatro etapas no percurso intelectual, espiritual e apostólico de Joseph Moingt. Ele começou sua carreira intelectual no Colégio Jesuíta de Lyon-Fourvière, onde ensinou a história dos dogmas e da teologia dogmática entre 1955 e 1968. Nesse período em Lyon, Joseph Moingt participou da renovação patrística, em particular com sua monumental tese sobre a Teologia Trinitária de Tertuliano, cujos quatro volumes, publicados entre 1966 e 1969 (1), continuam a inspirar muitos especialistas. Na mesma época, ele empreendeu uma infinidade de pesquisas sobre os atos dos grandes concílios, mas ainda mais sobre todos os textos dos Padres da Igreja, gregos e latinos e dos teólogos medievais, que coletou em seus ensinamentos, aos quais deu a forma, inspirada por Hegel, de uma "lógica da história" para favorecer uma compreensão da fé para os dias de hoje. Joseph Moingt tornou-se então uma das principais testemunhas da passagem da Nova Teologia dos anos pré-conciliares, elaborada tanto no Saulchoir, na esteira da renovação tomista (os padres Chenu e Congar), quanto em Fourvière, graças a um renovado contato com os Padres da Igreja (os padres Fontoynont, de Lubac e Daniélou), para uma nova configuração da paisagem espiritual e intelectual, inaugurada pelo Vaticano II e pela revolução das mentalidades em 1968.

 

Chegando a Paris naquele ano memorável, Moingt já se encontrava em um ambiente intelectual novo e mais aberto, fortemente abalado e fecundado pelas evoluções culturais recentes – na filosofia (com Merleau-Ponty) e sobretudo nas ciências humanas (era a época do estruturalismo) –, mas também pela teologia, especialmente não católica, de Bultmann a Pannenberg e de Moltmann a Jüngel. Ele enfrentou novos públicos no Institut Catholique de Paris e se viu envolvido na reformulação de programas e métodos de ensino. Os numerosos contatos pastorais e militantes, tanto em Paris como em toda a França, permitem-lhe aprofundar as transformações que afetam as condições da , sobre a crise do cristianismo como religião da Europa e sobre o crescimento da indiferença em relação a ele, mas permitem-lhe também participar nas novas iniciativas que estão florescendo em todos os lugares. As relações com alguns amigos desaparecidos desempenharam um papel importante durante esse período de intensas pesquisas, especialmente Michel de Certeau com suas reflexões sobre o "credível disponível" e "a instituição do crer".

 

Nomeado chefe da revista Recherches de Science Religieuse (RSR) em 1968, Joseph Moingt muito rapidamente transformou essa instituição no laboratório de uma nova forma de fazer teologia, baseando-se não apenas no trabalho em equipe, mas também na contribuição interdisciplinar de alguns de seus colegas, que se posicionavam de forma diferente da sua. Uma rápida olhada nas conferências bianuais, organizadas pelo conselho editorial e publicadas na revista, mostra a amplitude dos temas tratados nos trinta anos em que a dirigiu. E como raramente recusou pedidos de intervenção ou de artigos, os mesmos temas e muitos mais encontram-se noutras revistas e publicações destinadas ao grande público. Com sua inspiração, a revista RSR encontrou sua configuração atual e, acima de tudo, seu caráter interdisciplinar e internacional.

 

Servo bom e fiel”, durante todo aquele tempo teve que deixar de lado muitas pesquisas pessoais em prol de um trabalho de “artesanato” que naqueles tempos distantes ainda era a preparação de uma revista. Mas significaria não conhecer o temperamento especulativo do Padre Moingt, pensar que ele se contentaria definitivamente com uma fragmentação do seu pensamento, imposta, durante um certo período, pelo exigente cargo de Diretor de Recherches. Iniciada em Fourvière e abandonada em 1968, uma obra de cristologia com um título evocativo, L'homme qui venait de Dieu (2), renasceu lentamente das cinzas e viu a luz em 1993, de uma forma inteiramente nova; acrescenta-se um importante volume de “miscelâneas”, oferecido ao Padre Moingt por muitos colaboradores (3).

 

A cristologia de Joseph Moingt despertou grande interesse, mas também problemas, em primeiro lugar no que diz respeito ao epílogo que delineia a perspectiva trinitária do autor no quadro de uma razão narrativa. Mas a obra atravessa muitos outros pontos doutrinários, no âmbito da soteriologia, da eclesiologia, etc., a ponto de propor, de fato, o esboço de toda uma dogmática; os trabalhos desse segundo período do teólogo jesuíta o anunciavam, pelo menos implicitamente. Por fim e sobretudo, a leitura teológica da modernidade, pressuposta pelo conjunto do percurso, não poderia permanecer no estado implícito. Depois de deixar a direção da Recherches de Science Religieuse em 1997 (aos 82!), Joseph Moingt então corajosamente voltou ao trabalho e entre 2002 e 2006 publicou sua obra-prima que, como o título indica Dieu qui vient à l'homme, constitui a continuação da sua cristologia, mas amplia o seu pensamento a toda a fé cristã e a inscreve na história moderna e contemporânea. Os subtítulos das duas partes – Du deuil au dévoilement de Dieu e De l'apparition à la naissance de Dieu – expressam toda a sua ambição (4).

 

Poder-se-ia acreditar que agora tudo havia sido dito. Mas se descobre um novo horizonte, que direciona a pesquisa para o que estava subjacente aos volumes anteriores: acreditar ... Croire au Dieu qui vient (5) e, em forma de livro testamento, L'Esprit du christianisme (6). Até esses dois últimos trabalhos, o Padre Joseph Moingt não parou, com inquietação crescente, de reelaborar seus questionamentos, "esquecendo o caminho percorrido, e todo orientado para a frente" ("esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão diante") (Fp 3,13). Com preocupação: de fato, com o passar dos anos, o seu diagnóstico do momento presente foi se apurado e afirmado: num contexto de "crise" das nossas sociedades europeias e da Igreja, a fé dos cristãos é "pouco segura, incerta dos seus objetos e dos seus critérios, ansiosa pelos seus amanhãs”, segundo as expressões que ele utilizava. Desde que saiu de Fourvière e chegou a Paris em 1968, tem-se confrontado com essa crise cada vez mais profunda, traçando pacientemente um caminho que permite transitar da crença ao que chama de "fé crítica", toda imbuída de um novo humanismo evangélico.

 

Joseph Moingt foi realmente um apaixonado pela compreensão da fé. Sua escrita é caracterizada por um estilo especulativo pessoal e luminoso, que muito deve ao quarto Evangelho e ao prólogo de João.

 

Mas desde sua chegada a Paris, ele também preservou uma concepção de teologia comprometida, aliás, "militante": um número considerável de conferências, de compromissos desempenhados fielmente na capelania do ensino público, em comunidades de base, etc ..., e muitos escritos circunstanciais, que falam de uma nova figura da Igreja, testemunham a sua preocupação com o futuro do cristianismo em solo europeu, o seu humor crítico e sempre bem direcionado que colocava um pouco de “sal” onde a presença de um pensamento demasiado tradicional arriscava fazer desaparecer a dureza da nossa realidade sócio-política e eclesial.

 

Um último aspecto, talvez mais escondido, da existência apostólica de Joseph Moingt deve ser ressaltado: a tenacidade espiritual com que acreditou até ao fim na possibilidade de reconciliar a fé “estabelecida” da Igreja" e a razão "iluminada". Na Croire au Dieu qui vient encontramos uma expressão que nos faz meditar: até que se abra um caminho [e Moingt acrescenta entre parênteses "uma voz"] de conciliação entre fé "estabelecida" e "razão iluminada" ("Jusqu'à ce que s'ouvre une voie [et Moingt ajoute entre parenthèses «voix»] de conciliation entre foi 'établie' et raison 'éclairée''"). Referida nas últimas páginas dessa obra à vinda do Espírito de Deus, este "caminho" constitui o ritmo de toda a sua obra e do longo percurso histórico da humanidade onde talvez se ouça uma "voz" como sugere Moingt com hesitação e discrição, voz que vem do futuro que o chamou e que chama todos os seres humanos, voz silenciosa do Deus que vem. Essa tenacidade espiritual, aliada a um grande sentido de serviço e discrição, impressionou e comoveu muito os que conheceram o Padre Moingt nestes últimos anos. Com muita paciência e com plena consciência enfrentou a última fase da sua vida quando, após uma queda no início do ano e uma longa hospitalização, teve que se transferir recentemente para a comunidade jesuíta de Vanves e à EHPAD (ou seja, a RSAMaison Soins et Repos. Dia após dia, ele viveu entre nós como se a eternidade fosse simplesmente desde agora ou, para usar as palavras de Santo Irineu, como "um homem que vive como justo na terra e se esquece de morrer".

 

Notas:

(1) Joseph Moingt, Théologie trinitaire de Tertullien, col. “Théologie”, n° 68-71, Paris, Aubier, 1966-1969.

(2) L'homme qui venait de Dieu, col. “Cogitatio fidei“, n° 176, Paris, Le Cerf, 1993.

(3) Joseph Doré et Christoph Theobald (éd.), Penser la foi. Recherches en théologie aujourd'hui. Mélanges offerts à Joseph Moingt, Paris, Le Cerf et Assas Editions, 1993.

(4) Dieu qui vient à l'homme. Tome I, Du deuil au dévoilement de Dieu, col. “Cogitatio fidei”, no 222, Paris, Le Cerf, 2002 ; Tome II, De l'apparition à la naissance de Dieu (2 vol.), col. “Cogitatio fidei”, n. 245 et 257, Paris, Le Cerf, 2005/2006.

(5) Croire au Dieu qui vient. Tome I, De la croyance à la foi critique, Paris, Gallimard, 2014 ; Tome II, Esprit, Église et monde : de la foi critique à la foi qui agit, Gallimard, 2016.(6) L'esprit du christianisme, Temps Présent, Paris, 2018.

 

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