"Francisco enfrenta os mais conservadores”. Entrevista com Marco Politi

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19 Junho 2019

Francisco está sozinho e as batalhas que estão ocorrendo, são muito difíceis. Esta é a ideia de Marco Politi, um dos mais renomados vaticanistas na Itália, jornalista, escritor, professor universitário, em seu último livro intitulado "A solidão de Francisco: Um Papa profético, uma Igreja na tempestade". Não é a primeira vez que Politi dedica um livro ao papa argentino. Já em 2015, dois anos depois de ser eleito pontífice, ele dedicou "Francisco entre os lobos: o segredo de uma revolução" que foi traduzido para várias línguas e até publicado na Argentina. Como um vaticanista, ele trabalhou para importantes jornais na Itália, dentre os quais por quase 20 anos para o La Repubblica, e colabora com a televisão e a rádio em vários países.

A entrevista é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 18-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis a entrevista.

Você intitulou seu livro "A solidão de Francisco". Mas o ex porta-voz do Vaticano, padre jesuíta Federico Lombardi, que participou da apresentação de seu livro, disse que, em sua opinião, Francisco, "um profeta em um mundo de caos global", não está tão só como pode parecer.

"La solitudine di Francesco"
Marco Politi
Editora Laterza

Francisco tem um alto consenso nas pesquisas, tanto internacionalmente quanto na Itália, inclusive entre os crentes de outras religiões, agnósticos e ateus. Mas, em seu esforço de reforma, não conseguiu mobilizar o mundo católico como era o caso na época do Concílio Vaticano II, quando os reformadores estavam muito ativos nas paróquias, nas dioceses. Francisco enfrenta a parte mais conservadora da Igreja, mas também fora da Igreja.

A situação geopolítica do mundo mudou. Há o presidente dos Estados Unidos que tem uma agenda completamente oposta à do papa. É contra os acordos climáticos, contra os acordos sobre migrantes propostos pelas Nações Unidas, contra o acordo com o Irã, entre outros. E isso está ligado ao fato de que na Itália, pela primeira vez, há um líder no governo que se opõe à linha do papa sobre os migrantes, sobre a recepção daqueles que têm uma cultura e religião diferentes. Tudo isso cria uma situação de isolamento para Francisco.

O isolamento dentro do Vaticano também se deve ao fato de que há setores muito conservadores que defendem interesses ligados aos Estados Unidos e o papa não?

A solidão é notada em muitos níveis. Francisco nestes anos não criou dentro da Cúria uma equipe de trabalho que esteja alinhada com suas ideias. Na estrutura do Vaticano existem muitos oponentes e, acima de tudo, muitas pessoas que fazem resistência passiva. Porque eles não compartilham a posição doutrinária de Francisco em favor da comunhão para os divorciados re-casados por exemplo, nem a sua abertura para o mundo dos homossexuais, etc.

Mas esta oposição também existe na Igreja de muitos países, entre os bispos, no clero, porque eles não compartilham dessas opções do Papa. E essa oposição interna junta-se à oposição em ambientes políticos e econômicos que não concordam com o Evangelho social de Francisco, nem com seu compromisso contra a "economia do roubo", nem sua posição sobre a mudança climática porque, devemos lembrar, Francisco acredita que a degradação ambiental está intimamente ligada à degradação social. E, consequentemente, entre aqueles que estão com Francisco, como o cardeal alemão Walter Kasper, há uma percepção de que os interesses econômicos de direita, muito presentes nos Estados Unidos, se unem intrinsecamente à oposição teológica contra Francisco.

'O fato de um ministro do governo italiano, Matteo Salvini, tirar uma foto com uma camisa que dizia 'Meu papa é Bento', mas com o rosto de Bergoglio, em uma expressão de espanto, significa que se opõe abertamente a Francisco não?

"Francesco tra i lupi"
Marco Politi
Editora Laterza

Na história da República Italiana, nunca aconteceu que um líder do governo fosse abertamente contra o papa. Salvini dirigiu-se abertamente à parte da população católica conservadora, que não é apenas contra a imigração irregular, mas também contra as "portas abertas" de que Francisco fala. Tudo isso é um projeto político preciso. E não é uma coincidência que nas últimas eleições europeias, praticamente um católico em três, tenha votado a favor de Salvini. E entre católicos praticantes descontínuos, 40% votaram em Salvini. Em suma, Salvini decidiu se aliar ao mundo católico ao contrário de Francisco. E isso é visto nas relações que o ministro mantém, entre outros, com o cardeal americano Raymond Leo Burke, que lidera os opositores de Francisco. Mas também em suas relações com o ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, um católico ultraconservador que agora vive na Europa, onde está tentando unir os diferentes movimentos soberanistas.

Quais são as mudanças que o Papa Francisco conseguiu fazer?

Quando o Papa fala de desigualdades sociais, imigração, nova escravidão, ele está tocando em grandes questões do mundo contemporâneo. No nível interno da Igreja, Francisco a libertou da obsessão por questões sexuais. Por um lado, abriu o caminho para a comunhão dos recém-divorciados, mostrou respeito pelos casais homossexuais (recebeu alguns deles dentro e fora do Vaticano), iniciou uma Reforma da Cúria, fez uma grande operação de limpeza dentro do Instituto para Obras Religiosas, ou Banco do Vaticano, onde agora existem regras muito mais rígidas. Sobre este último ponto, o Vaticano fez acordos de cooperação legal com muitos países europeus e americanos para perseguir crimes financeiros. E acima de tudo, pela primeira vez, ele autorizou os processos contra os ex-líderes do banco do Vaticano por má administração. Um árduo caminho de descentralização também começou. Antes, todas as decisões tinham que ser tomadas em Roma, mas agora os bispos locais em certas situações podem tomar algumas decisões.

Você diz no livro que o "segundo tempo" do pontificado de Francisco começa. Quais serão os principais desafios agora?

As grandes batalhas que o Papa deve enfrentar são principalmente a questão das mulheres e do abusos sexuais na Igreja. Desde o início do pontificado, Francisco disse que as mulheres tinham que ocupar lugares na Igreja onde decidem e têm autoridade. Mas, além de alguns casos de subsecretárias, em alguns dicastérios vaticanos ainda não houve uma inclusão importante de mulheres em cargos de responsabilidade. A comissão sobre o diaconato feminino, além disso, terminou seu trabalho sem um resultado preciso. E isso aumenta a desilusão do mundo católico mais comprometido.

Sobre o abuso sexual, Francisco seguiu uma linha de "tolerância zero" no Vaticano, expulsou alguns cardeais do colégio cardinalício e demitiu alguns bispos culpados de abuso. Um caso simbólico foi o do então núncio (embaixador do Vaticano) na República Dominicana, Józef Wesołowski. Acusado de abuso sexual no país latino-americano, ele foi convocado para Roma e o papa ordenou um processo canônico no Vaticano e forçou-o ao estado laico. Sobre os abusos, 90% das conferências episcopais praticamente não fizeram nada. Francisco deu a todas elas um ano para criar as estruturas necessárias e processar esses abusos, para ouvir as vítimas e abrir o processo contra os agressores. Francisco também explicou em um novo documento, como os bispos que escondem as acusações contra os membros da Igreja devem ser processados. Tudo isso deve ser feito efetivamente dentro de um ano. Caso contrário, o próximo escândalo atingirá, não os bispos de qualquer país, mas o prestígio de Francisco e do Vaticano.

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