"Igreja Católica não deveria ficar chocada com o caso do cardeal McCarrick: deveria se envergonhar", afirma editorial de revista jesuíta

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20 Julho 2018

A Igreja Católica não pode fingir que está chocada com o padrão de abusos sexuais de seminaristas adultos pelo cardeal Theodore McCarrick, recentemente detalhado em uma abrangente reportagem do New York Times. Como o Times deixou claro em suas matérias, muitos líderes da Igreja receberam vários avisos do comportamento do cardeal. As dioceses locais foram informadas, o núncio papal em Washington foi informado e, no fim, até mesmo o Papa Bento XVI foi informado.

A opinião é do editorial, duro e contundente, da revista America, 17-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto. A revista América é o tradicional meio de comunicação dos jesuítas americanos.

Mas nenhum desses relatos interrompeu a ascensão do cardeal McCarrick em sua carreira, nem sua nomeação como cardeal, nem sua eventual aposentadoria em 2006 como um respeitado líder da Igreja dos Estados Unidos. Esses relatos também não levaram à sua remoção do ministério público no mês passado, que finalmente foi o resultado de uma credível denúncia de abuso de um menor quase 50 anos atrás, recentemente revelada e implementada pela Arquidiocese de Nova York.

É verdade que nenhum dos relatos de abuso anteriores alegava um comportamento criminoso com menores de idade, mas eram sérios o suficiente para que o cardeal McCarrick fosse chamado a prestar contas do terrível uso indevido de seu cargo e autoridade. A Igreja e suas lideranças deveriam se envergonhar com o seu fracasso em não fazer isso. O progresso lento e hesitante da Igreja nas reformas adotadas em resposta ao abuso sexual de crianças, por exemplo através da Carta de Dallas, tem sido questionado pela revelação de seus contínuos fracassos em lidar com outros relatos de abuso. A mídia, incluindo nós na mídia católica (o cardeal McCarrick era amigo de longa data desta revista e fez a homilia na celebração do nosso centenário em 2009), também não deveria ser absolvida da responsabilidade por qualquer fracasso em levar tão a sério esses e outros rumores e relatos quanto se exigia. Exigir a responsabilização apenas da hierarquia é, em si mesmo, hipocrisia.

A Igreja também não pode fingir que este é um incidente isolado. Há relatos muito provavelmente similares que envolvem outros bispos e lideranças da Igreja que abusaram de sua autoridade ou cometeram ofensas sexuais, que foram ignorados ao longo das últimas décadas. Enquanto as sociedades em todo o mundo contam com o desdobramento do movimento #MeToo, e as vítimas de abuso e assédio sexuais encontram as suas vozes, a Igreja não deve fingir que esse seja meramente um episódio lamentável que logo terminará.

Com toda a probabilidade, ainda há mais relatos por vir, que mostrarão que essa situação é pior do que se sabe até agora. A Igreja deveria lembrar que a melhoria real consiste não na cessação da má imprensa para a Igreja, mas sim no desenvolvimento de uma cultura na qual líderes poderosos não esperem que suas faltas sejam silenciosamente encobertas e na qual as vítimas de abuso e de assédio se sintam apoiadas em suas decisões para confrontar aqueles que as maltrataram.

O que a Igreja pode fazer para ajudar a construir essa cultura?

Primeiro, a Igreja deve explicitar, de uma vez por todas, a sua disposição a ouvir relatos de abuso e de mau uso do poder que têm sido silenciosamente ignorados ou “resolvidos” no passado. As Conferências Episcopais deveriam estabelecer procedimentos claros para relatar preocupações para aqueles que não podem passar pelas estruturas diocesanas locais que respondem ao próprio bispo cuja conduta possa estar em questão.

Segundo, o Papa Francisco e o Vaticano devem mostrar que estão dispostos a remover os bispos e outras lideranças da Igreja que sejam culpados de qualquer forma de abuso, não apenas do abuso sexual de crianças. Uma maneira de fazer isso seria expandir o processo para disciplinar bispos por negligência em resposta ao abuso de menores, definido em 2016, para que incluísse outras formas de abuso. Mas uma reforma ainda mais importante seria uma maior transparência na investigação e na tomada de decisões em casos envolvendo bispos. Isto é, quando um bispo é removido, o Vaticano precisa declarar publicamente por que ele está sendo removido.

Terceiro, mesmo antes da ação de Roma, os bispos podem fazer esforços substanciais para buscar a justiça para as vítimas e para a comunidade eclesial, mesmo às custas de recursos institucionais e de reputação. A decisão de duas dioceses de Nova Jersey de dispensar um dos acusadores do cardeal McCarrick dos acordos de confidencialidade é um bom primeiro passo. Os bispos – ou, de fato, quaisquer ministros que abusam de seu ofício, pressionando as pessoas sob sua autoridade em atividades sexuais – cometem violência tanto a vítimas individuais quanto à comunidade que depositou sua confiança neles. O dano espiritual e psicológico – aos indivíduos e ao povo de Deus – causado por tais abusos é incalculável e duradouro.

A melhor maneira pela qual a Igreja pode começar a se arrepender dos pecados de líderes como o cardeal McCarrick e de todos aqueles que fecharam os olhos diante dos seus erros é que os bispos chamem seus coirmãos bispos e outras lideranças dentro da Igreja a prestarem contas. Seria uma declaração significativa, embora tristemente tardia, de compromisso pastoral que os bispos, juntos, chamem qualquer pessoa que tenha usado de forma errônea o seu ofício eclesial ao abusar sexualmente de alguém sob sua autoridade ou cuidado pastoral a assumir a sua responsabilidade pelo seu fracasso e a apresentar a sua renúncia. Outro caso de abuso episcopal pode eclodir na mídia a qualquer momento. Seria um testemunho profético da graça de Deus para a Igreja abraçar essa oportunidade de arrependimento e a esperança de reconciliação agora, em vez de esperar passivamente que mais segredos sejam revelados.

Jesus disse aos seus discípulos que seria melhor alguém amarrar uma pedra de moinho no pescoço e ser lançado no mar do que levar “esses pequeninos que creem em mim a pecar” (Mt 18, 6). Certamente, seria melhor para a Igreja liderar o caminho ao escutar as pessoas que foram prejudicadas do que continuar defendendo, até mesmo com o silêncio, a autoridade e a reputação de líderes que já traíram suas responsabilidades pastorais.

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