"A organização capitalista do trabalho privilegia o poder ao lucro". Entrevista com Thomas Coutrot

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14 Junho 2018

Não faz sentido esforçar-se para ressuscitar um compromisso fordista que está há muito tempo morto e enterrado, estima o economista e estatístico francês Thomas Coutrot, cofundador de Economistes Atterrés e porta-voz da Attac. Diante dos danos das reformas neoliberais trabalhistas sobre a saúde, o meio ambiente e a democracia, a esquerda e os sindicatos devem montar o cavalo da qualidade do trabalho. Repensar o trabalho e liberá-lo é possível, como mostram muitas experiências e novas práticas sociais. Ele acaba de publicar pela Editora Seuil Libérer le travail. Pourquoi la gauche s’en moque et pourquoi ça doit changer (Liberar o trabalho. Por que a esquerda não se importa e por que isso deve mudar).

A entrevista é de Catherine André, publicada por Alternatives Économiques, 12-06-2018. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Qual é a análise que o senhor faz da relação entre o modo como o trabalho é organizado em nossas sociedades e os efeitos sobre os indivíduos – quer seja sobre a sua saúde ou seu comportamento na esfera pública?

Expropriar o saber-fazer dos trabalhadores para estabelecer a dominação do capital é a história sempre repetida da organização do trabalho desde o começo do capitalismo. Embora o taylorismo, isto é, a separação entre o trabalho de concepção “científica” e o trabalho de execução “parcelizado”, tenha sido teorizado por [Frederick Winslow] Taylor apenas no início do século XX, a revolução industrial já se baseava na expropriação do saber dos artesãos e dos operários. Ela tende a tornar-se mais radical nos últimos tempos, com as tecnologias digitais, a maior padronização do trabalho e o controle permanente da atividade.

Anteriormente, os trabalhadores tinham, com frequência, margens de manobras clandestinas para decidir juntos como fazer o trabalho escapando ao olhar dos supervisores. Naquilo que chamo de organização neoliberal do trabalho, as tecnologias permitiram uma radicalização do díptico “comando-controle”: o trabalho é minuciosamente programado e minuciosamente controlado em seus procedimentos e resultados.

Quando se dá essa radicalização?

Ela remonta aos anos 90, e foi feita sob o disfarce da introdução de métodos japoneses, toyotistas.

No Japão, eles deixavam muito espaço à autonomia e à iniciativa dos trabalhadores e das equipes – que é o caso ainda hoje –, mas sua implementação na Europa e nos Estados Unidos foi muito mais rígida. Esses sistemas de trabalho são agora homogêneos na maioria dos países. Essas soluções organizacionais são vendidas prontas para todas as grandes corporações do mundo pelas Big 3 (as três grandes multinacionais em consultoria organizacional).

Hoje, as ferramentas digitais conferem à concepção taylorista da organização um poder maior de penetração no trabalho real, tornando possíveis coisas que antes não eram, tanto em termos de padronização como de controle. Esta é realmente uma tendência pesada, internacional, não exclusiva da França: o debate sobre a intensificação do trabalho, sobre os riscos psicossociais é internacional, inclusive nos países escandinavos. Eles estão em uma situação muito melhor do que a nossa, mas suas condições de trabalho também estão se deteriorando. Na raiz disso está, com certeza, a financeirização da economia, que acirra a concorrência nos mercados financeiros, reforça a pressão e intensifica o trabalho.

Você estabelece uma relação entre essa deterioração da esfera do trabalho e a passividade política.

De fato, as ciências do trabalho mostraram há muito tempo que não há trabalho eficaz sem autonomia, sem criatividade, sem a intervenção mesmo clandestina do trabalhador em seu trabalho: é o que se chama, em oposição ao “trabalho prescrito”, o “trabalho real”, ou com Christophe Dejours, que retoma o termo de Karl Marx, o “trabalho vivo”. Mas a perda de autonomia, a perda de sentido no trabalho, a intensidade emocional no trabalho, produzem um sofrimento, uma incapacidade de trabalhar bem, que se traduz em um aumento de patologias de origem profissional, principalmente distúrbios musculoesqueléticos, patologias psíquicas e doenças cardiovasculares. E isso onera muito os sistemas sociais!

Mas isso entranha também efeitos políticos, que explicam em parte a ascensão dos populismos. O estudo que realizei para a França, seguindo outros estudos internacionais, mostrou que existe uma ligação entre a perda de autonomia no trabalho e a passividade política ou a adesão a teses autoritárias: a esfera do trabalho acaba contaminando a esfera da democracia. Não se pode imaginar uma democracia plena e completa se as pessoas passam metade do tempo em que estão acordadas obedecendo ordens e preenchendo as tabelas Excel de reporting.

Essa submissão, essa perda de autonomia no trabalho se traduz também em uma perda de autonomia dos indivíduos na vida da cidade. Então, temos ao mesmo tempo uma deterioração da saúde e da democracia. E, naturalmente, do meio ambiente: com efeito, devemos ver que o consumismo é uma compensação – e isso há muito tempo. Para que as condições de trabalho fossem aceitas pelos trabalhadores, o fordismo oferecia compensações pelo consumo. Hoje, a situação está se agravando. Mesmo que os salários estejam entrando em uma fase de estagnação, as pessoas se endividam. Quanto mais a organização do trabalho se torna desumana e alienante, mais as pessoas se refugiam no ideal consumista como uma fuga da alienação no trabalho. Basta ver os tumultos para entrar nas lojas em dias de liquidação de preços, ou o incrível modo dos vídeos “unboxing” (desembalar novos produtos) no YouTube.

Nós não vamos entender a corrida pelo consumo, que tem as consequências que conhecemos sobre o meio ambiente, se não virmos que é em grande parte devido à compensação da perda de sentido e de qualquer dimensão humana no trabalho.

Em termos mais teóricos, é a lógica do trabalho abstrato que torna o próprio trabalhador indiferente aos efeitos concretos de seu trabalho. Ele conta o valor do que poderá comprar com seu trabalho, mas não importa a lógica e o conteúdo deste trabalho para o mundo.

Existem pesquisas que corroborem essa relação entre a alienação no trabalho e o consumismo?

André Gorz afirmou esta relação com muita força e relevância, mas de maneira qualitativa. Eu não conheço nenhuma pesquisa quantitativa sobre o assunto.

No livro, o senhor cita estudos que mostram que, do ponto de vista estritamente econômico, uma organização do trabalho menos hierárquica dá melhores resultados...

Isso é algo que descobri enquanto estava escrevendo este livro: não há muita dúvida agora sobre o fato de que uma organização horizontal do trabalho com uma descentralização de decisões operacionais é mais eficaz em um plano estritamente econômico e por razões que são facilmente compreensíveis. Refiro-me a Friedrich Hayek, que é um grande teórico do mercado. Ele era um fanático do liberalismo, mas o que ele escreveu sobre a eficiência informacional dos mercados é visto com bons olhos e pode ser aplicado (o que ele não viu!) às empresas. Os atores no campo, os operadores de base, são os únicos a ter um conhecimento preciso da situação, das circunstâncias, dos recursos, dos riscos, etc. Eles estão, portanto, em melhores condições do que o diretor da empresa para tomar decisões no dia a dia em suas respectivas áreas de competência, que poderiam, certamente, ser muito maiores hoje.

Isso é mais convincente do ponto de vista econômico, inclusive na lógica do lucro. É, obviamente, mais eficaz também do ponto de vista democrático, da criatividade das pessoas, e isso é crucial do ponto de vista político. Podemos, pois, colocar a seguinte questão: se é mais eficiente do ponto de vista do lucro, por que as empresas estão fazendo o contrário? Penso que a resposta é, afinal das contas, muito simples: o capitalismo não é um sistema que busca acima de tudo o lucro, mas é um sistema de acumulação de poder. Ou seja, o lucro é um meio, não um fim.

Quanto mais dinheiro você tem como capitalista, mais poderoso você é. Mas escolher entre ter mais lucro com menos poder e mais poder com menos lucro, o capitalista sempre optará pela segunda solução. É um sistema baseado na exploração e na subordinação: deixar o poder para os empregados pode ser mais eficaz a curto prazo, mas a longo prazo, politicamente, é perigoso; a estabilidade da dominação estaria ameaçada se houvesse muito poder concedido aos trabalhadores.

O poder seria, portanto, o desafio número um de toda organização humana?

Sim, isso diz respeito não apenas ao capitalismo. No entanto, é interessante ressaltar que o capitalismo enquanto sistema não tem a racionalidade econômica que alega ter. Porque a organização capitalista do trabalho não maximiza a produção do lucro. É verdade que ele desenvolveu a produtividade de maneira considerável. Mas ele sempre privilegia o controle sobre o crescimento.

O que é surpreendente hoje é que estamos assistindo simultaneamente a um aumento sem precedentes no controle, que descrevi anteriormente, e a uma desaceleração sem precedentes dos ganhos de produtividade. Eu não sei se os dois movimentos estão diretamente relacionados, mas, em todo caso, é perturbador. Poderíamos pensar que as tecnologias digitais melhorariam a produtividade, mas, por enquanto, esse não é o caso.

Isso não está no meu livro, mas essa predominância da lógica do poder sobre a lógica do lucro emerge claramente do fenômeno das fusões e aquisições. Este é um dos mistérios do capitalismo financeiro: por que os grupos se comem uns aos outros? O motivo oficial é que, ao crescer, poderão aumentar suas fatias de mercado, seu poder de monopólio e, portanto, seus preços de venda e sua rentabilidade. Mas, na realidade, os custos associados à desorganização são tais que não funciona completamente, ou apenas no muito longo prazo. Por que tantas OPAs (oferta pública de aquisição) quando muitos estudos mostram que a empresa que absorve a outra vê seu crescimento declinar e sua rentabilidade ser afetada de forma duradoura pela OPA?

Uma corrente de literatura econômica (ver, por exemplo, este link) aponta para a importância do que esses autores chamam de “narcisismo do CEO”. Estudos estatísticos mostram que o melhor fator preditivo de se uma empresa ou um grupo vai lançar uma OPA hostil no ano n, é o tamanho da foto do dirigente no relatório anual da empresa no ano n-1. Isso pode parecer anedótico, mas não é, porque com esses mecanismos de fusões e aquisições nos situamos no coração do capitalismo contemporâneo, e isso sugere que não estamos em uma lógica do lucro, mas do poder.

Por que se questiona tão pouco a organização hierárquica, tendo em vista os freios que ela acarreta?

Concentro-me em dois aspectos: o primeiro é a importância da abstração do trabalho no capitalismo – destacado por Marx e revisitado mais recentemente pelo sociólogo americano Moishe Postone. O trabalho é abstraído de suas características concretas: para vendê-lo como mercadoria, é necessário abstrair a força de trabalho de suas peculiaridades, de suas condições concretas de exercício, é necessário decompor o trabalho em tarefas elementares que, na sequência, serão recombinadas para realizar a produção. Isso permite conferir a cada uma dessas tarefas um preço. É assim que a força de trabalho pode ser negociada em um mercado, o mercado de trabalho. Então, desde que a força de trabalho nos assalariados foi valorizada por meio de sua abstração, os trabalhadores aceitaram que seu trabalho fosse organizado por outra pessoa, dividido em pequenas parcelas e normalizado, padronizado. Isso faz parte do contrato de trabalho, que é uma relação de subordinação: ao assiná-lo, o trabalhador aceita a despossessão e, finalmente, a abstração, a indiferença em relação ao trabalho concreto.

O segundo aspecto é o mito científico, isto é, a crença cega no progresso técnico, com a mesma ideia de que dividir o trabalho em tarefas homogêneas é racionalizá-lo. O que é, repito, um grande absurdo do ponto de vista da eficiência econômica, mas muito necessário do ponto de vista do controle. E isso leva a essa despossessão e, finalmente, a essa indiferença dos trabalhadores, dos sindicatos e da esquerda em relação à questão do trabalho concreto, real, o “trabalho vivo”. E esse desinteresse e essa despossessão diz respeito não apenas à esquerda estatista, à esquerda científica, que achava que era, afinal de contas, suficientemente lógico ser arrastado para esse mito do progresso, mas também à esquerda autogestionária e libertária, exceto por alguns episódios isolados – como na Espanha durante a guerra civil e na Itália no início dos anos 1970 com “a experiência operária italiana”. No movimento sindical, e mesmo no movimento cooperativo, esta questão da organização do trabalho não foi posta e muito dificilmente o é hoje.

Por exemplo, as experiências de empresas autogestionárias não contemplam, atualmente, as cooperativas. Estão completamente ausentes do movimento cooperativo tradicional. Nas cooperativas que surgiram mais recentemente, estamos começando a encontrar questionamentos e preocupações sobre como trabalhar de forma diferente. Há a experiência da Ambiance Bois, em Creuse, ou das cooperativas de atividade e de emprego como a Coopaname. Em meu livro, cito o Grupo Mondragon, a maior experiência de cooperação de produção do mundo, com 80 mil trabalhadores, incluindo 50 mil cooperadores. Nesse grupo, todas as empresas têm uma organização hierárquica e taylorista, com exceção de uma empresa, a Irizar, que fabrica, por exemplo, os Ouibus, e opera por equipes autogovernadas. E que acaba de deixar o Grupo Mondragon...

Há uma resistência dos próprios indivíduos em questionar a organização hierárquica? Cadê o papel da educação?

O sistema escolar é organizado de maneira a produzir essa resignação. Há muito a ser dito sobre como a pedagogia (ou melhor, a não-pedagogia), no sistema escolar francês em particular, se baseia na ruptura taylorista entre professor e alunos e funciona como um instrumento de conformação de indivíduos para a hierarquia. Por que isso não é mais contestado? Penso que repousa sobre esse compromisso histórico entre o capital e o trabalho: a subordinação versus consumismo, do qual não conseguimos sair. Mas é um compromisso que já não funciona mais: já não há mais aumentos do poder de compra, mas, pelo contrário, um recuo nos ganhos salariais e da seguridade social, enquanto, ao mesmo tempo, a subordinação tornou-se intolerável e a crise ecológica está nos impedindo de crescer.

A esquerda, em sua grande maioria, quer retornar a esse compromisso, retornar a um passado que, por outro lado, não era tão desejável. Portanto, quer-se relançar o crescimento através do consumo, do aumento dos salários; este permanece sendo o alfa e o ômega das políticas fordistas-keynesianas propostas pela esquerda radical. Vemos um pouco de tudo: vemos que há quem admite que devemos produzir qualquer coisa, que precisamos de investimentos massivos na transição ecológica. Mas permanecemos presos ao esquema “poder de compra-crescimento-emprego”, sem questionar realmente a subordinação e a degradação do trabalho, ao passo que o crescimento tornou-se impossível e é a partilha de riqueza que deve ser favorecida para melhorar a situação dos mais necessitados.

A esquerda, incluindo a esquerda radical, vê que o trabalho tornou-se insustentável, mas traz como resposta apenas a redução do tempo de trabalho. A redução do tempo de trabalho é muito útil contra o desemprego, mas isso não deve mais ser pensado como uma compensação para a insustentabilidade das condições de trabalho.

É possível entrar em um círculo mais virtuoso?

A principal contradição do capitalismo é que ele tenta eliminar o “trabalho vivo”, mas, ao mesmo tempo, é absolutamente dependente dele. O trabalho humano e a inteligência humana permanecem indispensáveis para a produção e o lucro. A administração tenta, por todos os meios, erradicar o trabalho vivo, com todas as consequências que vemos na saúde das pessoas, mas, se isso fosse acontecer, seria um desastre para a própria administração! Além disso, muitos gerentes estão percebendo isso hoje, e a moda das empresas autogestionárias prova que elas estão à procura de outra coisa.

Mas, atualmente, a contradição está se aguçando. Fomos longe demais no controle e na mutilação do trabalho vivo; ao mesmo tempo, não podemos realmente voltar atrás, porque isso significaria ceder poder. Na minha opinião, a esquerda deve entender o seguinte: é preciso forçar o capital a ceder na organização do trabalho; há aí uma alavanca extremamente valiosa de reconquista de um poder de ação, de um poder social a partir do trabalho.

Isso é possível, e isso pode ser visto em algumas experiências que se dão nas margens e nos interstícios do capitalismo, como o trabalho colaborativo na internet, os softwares livres como o Linux, essas formas de auto-organização produtiva em escala muito grande que são extremamente eficientes e que em grande parte escapam da influência do capital. Há também, por exemplo, o movimento de comunas cooperativas, particularmente na Catalunha. E as pesquisas-ação sobre a qualidade do trabalho realizadas por algumas equipes sindicais. Tudo isso produz experiências sociais inovadoras que podem ser disseminadas no corpo social.

Qual é o seu balanço sobre as “empresas liberadas”?

Há muita comunicação gerencial em torno da “empresa liberada”, inúmeros artigos e manuais de gestão, mas poucos estudos sérios. Nós precisaríamos de pesquisas de campo independentes para entender o que realmente está acontecendo. Mas a partir da documentação disponível hoje, meu sentimento é o seguinte: em algumas PMEs independentes com um patrão atípico, capaz de “ceder” no controle do trabalho, surgem experiências realmente interessantes de autogoverno de equipes e de desempenho econômico e democrático real. Mesmo se o patrão geralmente guarda para si a maior fatia dos ganhos...

Por outro lado, em grandes grupos, em que o reporting financeiro permanece onipresente, a autonomização das equipes continua entravada pela manutenção de objetivos quantitativos e procedimentos de controle; encontramo-nos na injunção paradoxal “seja autônomo!”, mais paradoxal ainda quando os gerentes de fato não cederam. Mas esta é uma contradição empolgante do ponto de vista político: os gerentes estão presos entre sua vontade de experimentar novas formas de organização (porque o hipercontrole tem efeitos perversos de que se tornaram conscientes) e a pressão constantemente renovada dos acionistas e dos mercados, que exigem controle e previsibilidade. Isso abre novos espaços para a intervenção dos sindicatos e dos cidadãos nas questões da qualidade do trabalho.

Por que geralmente a desigualdade é considerada necessária para o desempenho?

No imaginário do “domínio racional”, Cornelius Castoriadis sempre coloca corretamente aspas neste termo, a ação efetiva é aquela planejada de cima, programada como uma máquina, uma sequência lógica de ações parceladas, nenhuma das quais tem qualquer sentido em si, mas que encontra seu sentido na maneira como contribuem juntos para o objetivo final. Portanto, deve haver uma cúpula que pensa e uma base que executa; somente a cúpula tem uma visão do sentido das ações programadas. Hoje, com os paradigmas do trabalho colaborativo e do care, esta visão é fortemente questionada: a inteligência coletiva, a cooperação horizontal, a atenção permanente ao sentido do trabalho, aos seus efeitos sobre a realidade, são, cada vez mais, entendidos como condições de uma eficiência superior.

Afastamo-nos de uma concepção mecânica e hierárquica da organização para nos aproximar de uma visão orgânica: não há mais uma hierarquia rígida, mas níveis de organização aninhados, articulados de maneira flexível com círculos de controle recíproco (do nível superior para o nível inferior e vice-versa). Em vez de sistemas do tipo militar, o trabalho vivo pode se desenvolver muito melhor em ambientes organizacionais inspirados justamente no funcionamento dos sistemas vivos, como a sociocracia ou a holacracia.

Como passar do trabalho morto ao trabalho vivo?

Sempre teremos necessidade de “trabalho morto” (regras de organização, máquinas, sistemas contábeis, etc.), mas deve deixar de ser dominante, esmagar o trabalho vivo, impor uma organização do trabalho indiferente aos seus efeitos concretos sobre o mundo. É o que chamo de “instituir o trabalho concreto”, e isso passa pela definição de objetivos qualitativos estabelecidos para o trabalho e para as empresas: não principalmente o lucro, mas a durabilidade e a beleza dos produtos, a qualidade dos serviços – qualidade querendo dizer adequação precisa e adaptação permanente às necessidades e às expectativas dos trabalhadores e dos usuários. Isso também passa pela transformação dos modos de governança das empresas e dos governos – uma verdadeira partilha do poder. E, com certeza, por uma mudança nos métodos de financiamento. Não podemos conceber a hegemonia do trabalho vivo sob a palmatória dos mercados financeiros e sua obsessão pelo lucro do próximo trimestre...

Qual poderia ser o papel dos sindicatos?

Algumas lideranças sindicais tomaram consciência da natureza estratégica das questões trabalhistas. Para reconquistar uma posição nas oficinas e nos escritórios, e para dar aos funcionários o sentimento de que a sindicalização é útil, os sindicatos trabalham com os empregados as questões relativas à qualidade do trabalho, do poder de agir no trabalho. Isso ainda é muito embrionário, mas há um movimento. Os sindicatos nunca se ocuparam com a organização do trabalho, que era o campo do patrão.

Mas, diante do sofrimento dos trabalhadores e de sua própria impotência nas questões tradicionais do salário e do emprego, os sindicatos estão percebendo que os trabalhadores precisam muito de ajuda. E começam a entender que poderiam recuperar o crédito junto aos trabalhadores organizando a palavra coletiva sobre o trabalho e contribuindo para a sua transformação. Penso que alguns sindicatos estão se movendo lentamente nessa direção. Ao mostrar quão ineficiente é a organização patronal do trabalho, o quanto se baseia em questões de poder e não em eficiência e qualidade, como também destrói a saúde e o meio ambiente, poderíamos lançar uma ofensiva política e ideológica. Montar o cavalo da qualidade do trabalho, em vez de se esforçar para ressuscitar um compromisso fordista há muito tempo morto e enterrado.

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"A organização capitalista do trabalho privilegia o poder ao lucro". Entrevista com Thomas Coutrot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU