Esquerda latino-americana debate seus erros e desafios do presente frente avanço conservador

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19 Janeiro 2017

Após, aproximadamente, uma década e meia de vitórias eleitorais e conquista de governos em vários países, a esquerda latino-americana defronta-se hoje com uma realidade extremamente adversa. Representantes da Venezuela, Uruguai, Peru, Chile, México e Brasil participaram, na tarde desta quarta-feira (18), no Auditório Araújo Viana, de um seminário sobre a conjuntura latino-americana que debateu essa nova realidade, marcada por uma ofensiva conservadora, golpes, perdas de direitos e derrotas eleitorais. As realidades apresentados pelos painelistas desenharam um futuro ainda mais difícil e repleto de desafios do que o cenário atual.

A reportagem é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 18-01-2017.

O sociólogo Edgardo Lander, professor titular da Universidade Central da Venezuela e participante do Fórum Social Mundial desde as suas primeiras edições, apresentou um panorama sobre a situação política em seu país. Lander disse que a Venezuela vive uma profunda crise política e não poupou críticas ao governo de Nicolas Maduro. Reconhecendo os avanços sociais e políticos do período de Hugo Chávez, o sociólogo assinalou que a morte do principal líder da revolução bolivariana, o colapso do preço do petróleo e a contraofensiva da direita venezuelana, apoiada pelos Estados Unidos, contribuíram decisivamente para mergulhar o país na crise atual.

“Apesar de todas as mudanças que ocorreram, a Venezuela vive uma profunda crise política, econômica e ética. Há uma escalada da inflação, escassez de produtos básicos, insegurança crescente e colapso das reservas internacionais, entre outros problemas”, assinalou. Lander citou recentes pesquisas que apontam que o governo Maduro tem cerca de 80% de rejeição popular. A resposta do governo a isso, segundo o sociólogo, tem sido fechamento de canais de diálogo, autoritarismo e aumento da repressão.

A socióloga Marisa Glave, militante e parlamentar da Frente Ampla, do Peru, defendeu que a esquerda latino-americana deve fazer uma reflexão mais profundo sobre o avanço de políticas de direita na América Latina. “Devemos nos perguntar, por exemplo, por que os movimentos sociais e organizações populares não conseguiram evitar o golpe no Brasil. Há uma necessidade de autocrítica para entendermos direito o que aconteceu”, afirmou. O Peru, destacou Glave, segue sendo uma sociedade pós-conflito, que ainda está muito marcada pelas mais de 70 mil mortes que ocorreram no confronto entre forças de segurança e grupos armados, como o Sendero Luminoso. Essa ferida, segundo ela, ainda está aberta. Outro elemento complicador é o que chamou de “traição de Olanta Humala”, presidente eleito com apoio da esquerda em 2011, com uma agenda progressista que foi sendo progressivamente abandonada ao longo do seu governo.

Essa traição, acrescentou, ajuda a entender a afinidade que existe hoje entre setores populares, que perderam a confiança na esquerda, e um campo político ultra conservador com propostas fascistas que quase ganhou as últimas eleições presidenciais com a candidatura de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Para Marisa Glave, há um desafio central que está colocado para a esquerda peruana e de todo o continente: “Precisamos questionar o modelo extrativista neoliberal que capturou todos os nossos estados, apostar numa democracia radical e reivindicar uma agenda de justiça social, ambiental e de direito à cidade”.

Indigenista há 26 anos e coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-Sul), Roberto Liebgott falou sobre o impacto dessa conjuntura nos povos indígenas. Um impacto que, na verdade, não chega a ser uma novidade. “A história do Brasil é uma história de genocídios. Desde o século XVI até hoje, centenas de povos indígenas foram extintos. A escravidão dos povos indígenas e, depois, dos povos negros foi se aprofundando ao longo dos séculos e seus efeitos e práticas perduram até hoje. O Brasil foi construído sob o alicerce do genocídio. Essa história a gente não pode apagar”. Ainda no terreno das lutas dos povos indígenas, a chilena Ximena Montoya falou sobre os conflitos socioambientais em territórios indígenas no Chile e sobre as formas de luta e organização dentro desses espaços locais e territoriais. Montoya mencionou também o grave problema vivido hoje no Chile na área da Previdência. “Com a privatização da Previdência, durante a ditadura de Pinochet, houve uma apropriação privada de recursos públicos. Toda a seguridade social foi privatizada na ditadura. Nos últimos anos, milhares de pessoas entraram em idade de aposentadoria, e com a quebra dos fundos privados de previdência para os quais contribuíram, hoje estão na pobreza”, relatou.

Uma das falas mais aplaudidas foi a do ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, que reafirmou sua posição em defesa de uma profunda autocrítica, por parte do PT, sobre os erros que o partido cometeu nos últimos anos e que contribuíram para o aprofundamento da atual crise política. Destacando os avanços sociais ocorridos durante os governos Lula e Dilma, Olívio Dutra defendeu, por outro lado, uma reflexão sobre o que faltou fazer neste período. O dirigente petista também criticou aqueles que enxergam a candidatura de Lula em 2018 a solução para os problemas que a esquerda vive hoje.

“Temos muita reflexão a fazer sobre nossas experiências mais recentes. As alternativas que temos não são de curto prazo e não vão se resolver em uma eleição. Não será logo ali, na próxima eleição, que vamos recuperar o que perdemos, em especial no Brasil. Construímos políticas sociais importantes, como a inclusão de mais de 40 milhões de brasileiros, mas não fomos capazes de fazer as mudanças mais profundas, como as reformas agrária, urbana e tributária, que deveríamos ter feito”, afirmou.

Ao completar 50 anos de militância política, a uruguaia Lilian Celiberti lembrou, fazendo uma comparação com os problemas atuais enfrentados pela esquerda, que a sua geração enfrentou ditaduras e saiu íntegra para a luta pela redemocratização. “O que precisamos nos perguntar hoje é o que nós não mudamos, o que fomos deixando pelo caminho”. Uma dessas coisas deixadas pelo caminho, assinalou, foi o distanciamento entre a teoria e a prática que marcou, e segue marcando, o comportamento de muitos militantes de esquerda.

“Como feminista, sempre tivemos que lutar, dentro de nossos próprios partidos, por questões que não eram específicas, mas sim diziam respeito a visões de mundo. Um dos principais desafios que temos pela frente é o de descolonizar nossos imaginários, libertá-lo dos valores que caracterizam a sociedade de consumo”, defendeu. Lembrando a realidade do México e o que está acontecendo agora nos presídios brasileiros, Lilian Celiberti também chamou atenção para a crescente predominância da violência e do sangue como elementos de poder na América Latina.

A mexicana Rosa Elva reforçou a advertência de Lilian Celiberti afirmando que seu país vive hoje uma situação de horror.

“O México é uma grande fossa, com milhares de mortos e pessoas desaparecidas. A cada dia, estudantes são assassinados, mulheres são assassinadas por seus parceiros, pessoas desaparecem”. E essa situação, segundo ela, pode ficar ainda pior.

“Tememos o que está por vir. Há uma tormenta no horizonte e precisamos estar preparados para ela”, alertou, defendendo a construção urgente de frentes latino-americanas de solidariedade.

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