“Bolsonaro não é Mussolini, é pior”. Entrevista com Tarso Genro

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13 Novembro 2018

O futuro do Brasil e da América Latina a partir do avanço da direita neoliberal. A vitória dos meios de comunicação em identificar exclusivamente a corrupção com a esquerda.

Desde uma ala à esquerda no PT, Tarso Genro sempre foi autocrítico com temas como a corrupção e a aliança política com o PMDB do desprestigiado presidente Michel Temer. Aos 71 anos, o ex-ministro da Educação de Lula trabalha no Instituto Novos Paradigmas, com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, entre outros. A vitória do ultradireitista Jair Bolsonaro e suas consequências foram o tema quase excludente de um diálogo que se prolongou por quase uma hora no living do seu apartamento.

A entrevista é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 12-11-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis a entrevista.

Que interesses representa Bolsonaro?

Nas sociedades de classes tradicionais, se olha para o fascismo como uma estrutura política que vai em direção ao lúmpen, o desespero das massas, capta a revolta e faz dela um projeto político. Em uma sociedade fragmentada como a atual, a organização desse ideário fascista se dá de novas formas. Com a articulação do sexismo, da misoginia, do ódio ao diferente, aos homossexuais, há um imaginário onde o inimigo não são somente os comunistas. Essas diversidades ameaçam a visão idealizada da família burguesa. Por isso digo que Bolsonaro não é Mussolini, é pior. Porque condensa essa fragmentação sem intermediários e proporciona um espírito de controle sobre as classes médias tradicionais, que foram captadas para esse ideário, a violência nas ruas não é uma violência policial, é das classes privilegiadas e médias contra os diferentes.

Bolsonaro vai contra as mulheres, negros, indígenas, sem-terra, homossexuais e, claro, militantes do PT.

Ele deu um discurso que foi projetado na Avenida Paulista onde dizia: “Vou chegar ao governo e os vermelhos vão ser presos ou expulsos do país”. Nessa simbologia fala de todos os que cabem em “o Outro”, ou seja, as minorias.

Como se explica que tenham votado nele os que serão afetados por suas políticas?

A unidade que Bolsonaro conseguiu está ressoando nas classe de renda muito baixa com o uso da insegurança. Disse: “Eu vou matá-los. Não teremos policiais. Vamos matá-los”. Isso leva conforto a quem? Aos mais afetados pela violência criminal nas grandes cidades, que são os pobres. E que não têm quem os proteja, nem mediadores na sua relação com o Estado. Sem essa mediação estatal, entra o justiceiro, o líder, e esse líder quer resolver as questões concretas da vida, rapidamente.

Apesar das barbaridades que disse na campanha eleitoral?

Esse é o imaginário que constituiu. Se tivéssemos tido dez dias de campanha a mais, não ganhava. Há um grande sentimento da cultura cívica, nacional, popular, no Brasil, que se mobilizou muito forte contra Bolsonaro. Porém os oligopólios dos meios de comunicação naturalizaram como se Bolsonaro fosse um candidato legítimo, com as mesmas credenciais de Haddad para ser presidente. E isso é uma manipulação perversa, hipnótica, do fascismo social.

Qual acredita que seja o projeto político de Bolsonaro?

Não é o Estado que organiza integralmente a sociedade. Bolsonaro carece de um projeto de poder, e, em todo caso, o seu consiste no encontro desse fascismo social baseado numa fragmentação social.

Foi decisivo o papel do partido militar?

Não creio que tenha sido um projeto das Forças Armadas. São resíduos originários de um golpismo histórico, porém não creio que reconheçam Bolsonaro como seu representante.

Pode ser um instrumento?

Pode ser desses setores, mas não da instituição. Hoje a representação mais orgânica do espírito das Forças Armadas é o general Sérgio Etchegoyen, um intelectual da velha Sorbonne militar brasileira, que desenha a partir do Estado uma visão da sociedade com marcos autoritários, mas não fascistas.

A embaixada dos EUA teve um papel importante?

Eu creio que não, ainda que seja possível identificar sua influência nos movimentos de julho. O projeto petista foi superestimado pelos americanos. Porque o projeto do PT não é de esquerda, é democrático progressista, com uma integração de esquerda. Não creio que Bolsonaro seja o tipo ideal para eles. Teriam preferido Fernando Henrique Cardoso ou Geraldo Alckmin, que poderiam conversar de política, que teriam algo mais de legitimidade.

Quanto influenciou o pacto com as igrejas evangélicas?

Essas são igrejas do dinheiro, que transferem para si os recursos dos seus crentes. Elas têm um papel político relevante aqui porque são parte dos partidos tradicionais, um fator de governabilidade comprada. Esse é produto de um presidencialismo de coalizão. Fazem essa transferência de votos, como fizeram desde o PT a Bolsonaro, em função de seus interesses concretos.

De quem foi o êxito por ter vinculado exclusivamente o PT à corrupção e à Lava Jato?

Não foi responsabilidade do Bolsonaro. Tratou-se de uma oportunidade política extraordinária que tiveram a direita, o oligopólio dos meios de comunicação e a magistratura direitista no Brasil de jogar em cima do PT e dar-lhe praticamente a exclusividade da Lava Jato. Foi para desgastá-lo, porém o PT teve uma responsabilidade extraordinária para que isso ocorresse. Igual, está em quarto lugar no ranking de grandes políticos processados por corrupção no Brasil.

Bolsonaro reativa a dicotomia democracia ou ditadura de 1985?

Eu creio que são novas formas de dominação da parte estatal, da criação de um Estado autoritário de novo tipo e que não se sabe exatamente para onde irá.

Pode haver um efeito dominó na região?

Estive faz quinze dias no Uruguai e fizemos debates e conversas com os companheiros de direção do Frente Amplio. Disse-lhes que isso iria para lá. No Uruguai estão muito preocupados. E fazem bem, porque começaram as denúncias de corrupção contra o Frente Amplio, e em particular contra uma pessoa que tem história na esquerda, que pode ter cometido erros, que é o filho de Raúl Sendic, o vice-presidente que precisou renunciar.

A Argentina pode “se contagiar” de Brasil, como aconteceu com as ditaduras?

Sim, claro, pode. São formas novas de dominação integral colonial. Esse é um neofascismo emergente aliado com o neoliberalismo. É a experiência que está se fazendo agora no Brasil e será negativa para toda a América Latina, porque é uma visão atrasada e reacionária.

Quando foi a última vez que esteve com Lula?

Nesse período eu tive relação indireta com Lula, por meio de seus filhos, de companheiros que o visitam, mas não mantive contato direto com ele desde que está preso. As visitas que eu poderia ter feito não se realizaram, por vontades alheias a mim e ao ex-presidente. Lula conduziu todo esse processo desde o cárcere, com pessoas que o representavam em cada tópico. Assim, meu contato mais permanente tem sido com Fernando Haddad, com quem tenho uma relação mais pessoal. Lula tem uma visão muito clara do que está ocorrendo e o preocupa menos a sua liberdade que restaurar a via democrática.

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