"O que Morales está fazendo é o que muitos brasileiros gostariam que o Lula fizesse no Brasil". Entrevista especial com Antônio Thomaz Jr.

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

02 Mai 2007

Entre os dias 15 e 17 de maio, aconteceu, na Venezuela, a 1º Cúpula Energética Sul Americana, que discutiu a questão dos biocombustíveis e a integração energética dos países da América do Sul. Outro assunto discutido foi a criação do Banco do Sul, que servirá de competidor e, talvez, de substituto, do  Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) muito próximo ao governo dos Estados Unidos. A intenção de alguns países, como Venezuela e Bolívia, é distanciar a política econômica da América do Sul da política adotada pelos Estados Unidos. Já a intenção de outros países, como o Brasil, é aproximar-se desta potência econômica mundial.

Por isso, a IHU On-Line entrevistou, via skype, o professor e pesquisador Antônio Thomaz Jr. Na entrevista, ele fala dos benefícios e malefícios que a produção de biocombustíveis pode trazer para a sociedade brasileira. Falou ainda da política que Lula tem adotado em relação às alternativas energéticas e de seu apoio às medidas adotadas por Evo Morales. Para Antonio, Morales está fazendo o que o povo brasileiro esperava que Lula fizesse em seu primeiro mandato. “O que Lula não fez no primeiro mandato não vai fazer no segundo também”.

Antônio Thomaz Jr. é geógrafo formado pela UNESP, com mestrado e doutorado também realizados nesta área pela USP. Realizou três pós-doutorados: dois na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e o outro na Unicamp. Há 20 anos trabalha na FCT/UNESP/Presidente Prudente como pesquisador e docente nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia. É autor dos livros “Por trás dos canaviais os nós da cana” (São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002) e “Geografia passo-a-passo” (Santiago de Compostela: Editorial Centelha, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A produção de biocombustíveis na América do Sul pode ser um instrumento de desenvolvimento social?

Antonio Thomaz Jr. – Bom, para essa pergunta posso te responder de duas formas antagônicas. Sim, porque qualquer possibilidade de se transformar matérias-primas renováveis em combustível é interessante.  É muito mais do que ficar preso à matriz energética. Então, partindo desse ponto de vista, é possível, sim, a produção de biocombustíveis alavancar um projeto de desenvolvimento social. Agora, o que é complicado nisso tudo, e as pessoas precisam entender, é o que se fala de biocombustível, de que, com ele, estaríamos contribuindo para diminuir a quantidade de poluentes e diminuir a capacidade de recuperação da camada de ozônio. O que não se leva em consideração é o fato de que estaríamos apostando no mesmo modelo de produção ou no mesmo modelo produtivo fundamentado em grandes extensões de terras, em grandes propriedades, nas grandes corporações, nas grandes estruturas econômicas. Esses grupos e essas empresas não têm nenhuma preocupação em inserir os pequenos, de dar oportunidade, por exemplo, para a alternativa camponesa. Então, é uma bobeira muito grande ficar acreditando nesse marketing que está associado à defesa dos biocombustíveis, sem se conhecer as razões econômicas, políticas e estratégicas que existem no país.

IHU On-Line – Qual sua avaliação da 1º Cúpula Energética Sul Americana?

Antonio Thomaz Jr. – Essa reunião ocorreu agora de 15 a 17 de abril na Venezuela, e de lá saiu a Declaração de Margarita. Em relação a esta reunião eu penso o seguinte: ela foi um encontro para se tentar acertar algumas divergências entre esses países que participaram, através da presença de seus chefes de estado. De concreto, porém, não obtivemos nada. Porque ao mesmo tempo em que Hugo Chávez divulga algumas propostas muito interessantes, mais no sentido macroeconômico, no sentido mais estratégico, a Venezuela é o maior fornecedor de petróleo dos Estados Unidos. A Venezuela, por exemplo, tem a balança comercial absolutamente vinculada ao petróleo e, conseqüentemente, esse seu vínculo comercial com os Estados Unidos tem um peso muito forte internamente e externamente. Então, de bate-pronto a Venezuela não abriria mão de mexer na equação central da matriz energética em que aposta, incluindo a questão mercadológica, as divisas etc. Agora há um efeito político nisso tudo que é o da possibilidade de colocar um assunto em pauta, e eu acho que esse é o grande mérito do Hugo Chávez, ou seja, colocar em pauta a possibilidade de estar produzindo outros combustíveis, sobretudo energéticos renováveis.

Todavia, a preocupação dele não é ajudar a viabilizar isso de forma concreta, como foi falado e como ele próprio acabou oferecendo para a grande imprensa, por meio de algumas informações, mas, sobretudo,  admitir o cultivo de algumas possíveis plantas de produção biocombustíveis, porque a Venezuela não é capaz de produzir etanol de uma hora para outra, pelo menos não através da cana. Quando se levam em consideração os efeitos dessa cúpula para os doze países que participaram, não poderíamos desconsiderar o que significa a magnitude esse assunto. Por exemplo, fazendo comparação com o Brasil, você põe o Uruguai, o Paraguai e o Peru na "parada", ou seja, as magnitudes das economias desses países, os interesses estratégicos, os interesses dos grandes grupos multinacionais, que não estariam necessariamente produzindo os biocombustíveis, mas atuando na circulação, na compra, em todo o sistema de circulação deles, da mesma forma que o fazem em relação à soja. Então, eu vejo que os efeitos concretos da 1º Cúpula Energética Sul Americana são ainda muito pouco palpáveis, pelo menos no meu entendimento. Uma parte do que foi discutido, segundo informações que recebi, será rediscutido na III Cúpula Sul Americana de Nações. Eu penso que Hugo Chávez fez o que queria, ou seja, colocou esse assunto em pauta para tirar um pouco do efeito da passagem do Bush aqui na América do Sul. Mas, concretamente, não temos absolutamente nada resolvido. Inclusive Marco Aurélio Garcia, que é o assessor internacional do Lula, declarou que esse evento possibilitou, efetivamente, ao governo brasileiro explicitar suas preocupações, mas de concreto não temos absolutamente nada.

IHU On-Line – Para o senhor, quais foram os benefícios que o encontro entre Lula e Bush para discutir o etanol podem trazer ao Brasil?

Antonio Thomaz Jr. – Eles só promoveram encontros. Não houve nenhum acordo ainda. Existe, por ora, uma declaração de intenções do governo estadunidense de oferecer tecnologias, conhecimento científico para que o programa do etanol brasileiro, e também para produção de biocombustíveis, possa caminhar ainda mais. E existe, por parte do governo brasileiro, interesse no mercado estadunidense expandido dentro de suas exportações. A conversa foi essa. Não temos ainda nada concreto em relação à venda ou ao futuro contrato bilateral de fornecimento de biocombustíveis renováveis do Brasil para os Estados Unidos.

IHU On-Line – Quem vai sair ganhando com essa equação?

Antonio Thomaz Jr. – Os grandes grupos que já estão consolidados, que são responsáveis por produzir biocombustíveis, mais especificamente do etanol. Também  são grandes grupos que têm grande poder para produção de matérias-primas. Nunca podemos descolar uma coisa da outra. Produzir etanol envolve possuir matéria-prima, no caso. Em especial, em São Paulo essa equação acontece há muitos anos, ou seja, os empresários produzem o etanol e o açúcar, sendo que controlam aproximadamente 80% ou mais, dependendo da região, da matéria-prima que os Estados Unidos consomem. E isso, conseqüentemente, lhes dá um poder impressionante no encaminhamento do negócio. O que mais tem preocupado nós pesquisadores, professores, políticos, sindicalistas e militantes, a respeito deste assunto, é o que se avizinha, o que se sinaliza em relação à expansão deste setor de atividade, sobretudo se falarmos de  São Paulo, onde você tem 60% das plantas e praticamente 70% de tudo que se mói de cana no Brasil, ou seja, o avanço da agroindústria canavieira para o oeste paulista está se dando já à base de grandes empresas.

Então, são bobagens que se estão falando sobre essas alternativas econômicas. É conversa mole que elas abrem possibilidades para os pequenos e médios empresários. O que existe é a consolidação desses grandes grupos. Inclusive, são os principais grupos que estão em plena expansão, desde empresários paulistas, propriamente ditos, até grandes empresários do setor de Alagoas e Pernambuco, por exemplo, o grupo Carlos Lyra, que está expandindo assustadoramente para o oeste de São Paulo e Mato Grosso do Sul. As pessoas precisam entender que a produção de etanol no Brasil não vai resolver todos os problemas da crise energética.

IHU On-Line – O que o senhor acha da afirmação de Hugo Chávez quando ele diz que a produção de biocombustíveis pode aumentar o preço dos alimentos?

Antonio Thomaz Jr. – Sim, acho que ele tem razão sim, porque nós vivemos numa economia capitalista globalizada absolutamente contaminada pelos princípios e preceitos neoliberais e, do ponto de vista da produção de alimentos, nós temos uma equação reguladora que tem promovido, nos quatro cantos do planeta, o rebaixamento do preço dos produtos de origem agrícola. Isso significa que se pensarmos na agricultura familiar e nos camponeses, ambos estão sendo duramente atingidos em todos os quadrantes do planeta. Porque os preços, geralmente, são rebaixados artificialmente e quem se beneficia com isso não são os compradores. Os beneficiados são as grandes transnacionais que compram e atuam na circulação e distribuição do produto. São meia dúzia de empresas, como a Monsanto, que compram grande parte dos produtos e trabalham com a agroindustrialização ou então com o comércio a granel, ou seja, seja lá como for são eles que controlam os produtos. Os produtos industrializados não têm passado pelo mesmo crivo do rebaixamento dos preços, isto é, o consumidor não se beneficia disso.

Esse é o substrato do projeto que está se tentando assim forjar e criar a qualquer custo em países como o Brasil, África do Sul, Indonésia etc, para criar essas plantas produtoras de bioenergéticos à custa do que está fundada nas grandes empresas, nos grandes conglomerados, nas grandes extensões de terras e à base de monocultura. Na realidade, tudo isso já está indicando e poderá indicar agravos ainda maiores em relação à produção de alimentos e, conseqüentemente, nos preços dos alimentos.

IHU On-Line – As demandas e necessidades salientadas pelos movimentos sociais foram consideradas pelos países participantes da 1º Cúpula Energética Sul Americana?

Antonio Thomaz Jr. – O que existiu foi uma mise en scène, porque as propostas e as reivindicações de alguns movimentos sociais, como as centrais sindicais, não foram levantadas. Essa cúpula não tinha nenhum interesse de costurar os caminhos políticos aos movimentos sociais, porque não se produziu nada de concreto e tampouco os movimentos sociais foram chamados para participarem dessa reunião.

IHU On-Line – Como o senhor vê a relação entre a Venezuela, Bolívia e Brasil depois da Cúpula e das novas nacionalizações feitas?

Antonio Thomaz Jr. – Vamos por partes. Se pensarmos nas nacionalizações feitas na Venezuela e Bolívia, não podemos imaginar que o governo brasileiro, ou pelo menos a figura simbólica do Lula, representando esse governo, faria o mesmo. O fato é que o Lula “puxou a faca” para o Evo Morales há cerca de dez dias atrás em uma conversa que não foi muito bem acertada na Cúpula quando disse que os interesses da Petrobras deveriam ser garantidos sob pena do governo brasileiro recuar os investimentos e, inclusive, não participar mais dos projetos em conjunto com esses três países, em especial a condição do gasoduto, o que significa uma ameaça do Lula ao Evo Morales, que não está preocupado com esse tom usado pelo brasileiro, mas em algum momento terá que se preocupar, porque se a Petrobras sai da Bolívia e Lula retira o apoio político a Morales, conseqüentemente isso vai trazer problemas e repercussões grandes.

Então, eu penso que ainda teremos a oportunidade de compreendermos melhor essas ações, sobretudo olhando a nacionalização separada de tudo o que está acontecendo. Eu, particularmente, acho que Morales está no caminho certo. Mesmo com todos os problemas políticos que ele tem enfrentado, ainda assim eu acho que ele está no caminho certo, Embora não seja a salvação do país, é muito melhor nacionalizar do que ficar à mercê das ações que você precisa conceder para manter essa equação política. O que Morales está fazendo é o que muitos brasileiros gostariam que o Lula fizesse, pelo menos no início de seu primeiro mandato. Lula não fez no primeiro mandato e, afirmo, não vai fazer no segundo também.

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

"O que Morales está fazendo é o que muitos brasileiros gostariam que o Lula fizesse no Brasil". Entrevista especial com Antônio Thomaz Jr. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU