"Capitalismo de compadres". MP 443 e o balcão de negócios. Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves

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29 Outubro 2008

Segundo o economista Reinaldo Gonçalves, a situação do Brasil é grave em relação à crise financeira mundial “em decorrência das vulnerabilidades e fragilidades do país, bem como dos erros de estratégia e política do governo Lula”. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, o professor reflete sobre as conseqüências do problema econômico que abala o mundo para o Brasil, sobre o contexto latino-americano e, ainda, sobre as estratégias traçadas pelo governo Lula para conter a expansão da crise no país. Para ele, o governo brasileiro subestimou a crise e afirma que “o argumento central é que a crise atual brasileira tem repercussões e está envolvida em incertezas críticas muito mais sérias do que aquelas implícitas nas medidas tomadas pelo governo Lula no imediato pós-crise nos Estados Unidos”.

Reinaldo Gonçalves é economista, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Obteve o título de mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), e de doutor em Letters And Social Sciences, pela University of Reading, na Inglaterra. Em 1991, a UFRJ, onde é professor de Economia Internacional, lhe concedeu o título de Livre-docência. É, também, professor no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e do Instituto Coppead de Administração e diretor Associação Nacional dos Cursos de Graduação Em Economia. É co-autor de A economia política do governo Lula (Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O governo afirmou que o país está sofrendo forte especulação, assim como outros países emergentes. O que podemos esperar de conseqüências para o Brasil ainda dentro desta crise?

Reinaldo Gonçalves – O Brasil tem enorme vulnerabilidade externa nas esferas comercial, produtiva, tecnológica e monetário-financeira. A blindagem do Brasil é falsa. É uma blindagem de papel crepom. As reservas internacionais correspondem ao valor da dívida externa, porém o passivo externo total é cinco vezes maior do que estas reservas. Somente o passivo de curto prazo é três vezes maior do que estas reservas. Além disto, com a liberalização financeira e cambial, estas reservas desaparecem em poucas semanas, pois qualquer um (estrangeiros e brasileiros) podem converter ativos monetário (reais), ativos financeiros e ativos reais em divisas estrangeiras (dólares) e enviar para o exterior.

IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre as medidas que o governo tomou em relação ao BB e CEF para com as instituições mais afetadas pela crise? É possível distinguir quais instituições são essas ou quais têm tendência para sofrer com as conseqüências da crise?

Reinaldo Gonçalves – A Medida Provisória No. 443 (22 de outubro de 2008) permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal comprarem participação em empresas financeiras (bancos, seguradoras, empresas de previdência, capitalização etc.) e construtoras. As asset management companies (AMCs) podem ser instrumentos eficazes de reestruturação financeira.  O caso bem-sucedido é o da Suécia, em 1992. Entretanto, a eficácia das AMCs depende não somente do marco jurídico e institucional como também da qualidade do quadro de administradores e da natureza dos ativos. Em outros países, as experiências com AMCs não foram tão positivas.  Em países com má governança e “capitalismo de compadres”, o risco maior é o das AMCs se transformarem em balcão de negócios – bons negócios para grupos específicos e mal negócio – para o Tesouro Nacional. Portanto, cabe criar mecanismos públicos de supervisão das AMCs.

IHU On-Line – O Brasil subestimou a crise?

Reinaldo Gonçalves – A situação brasileira é particularmente grave em decorrência das vulnerabilidades e fragilidades do país, bem como dos erros de estratégia e política do governo Lula. Os países desenvolvidos defrontam-se com crises gêmeas (lado real e setor financeiro), enquanto no Brasil o espectro de crises e incertezas críticas é muito maior: crise no lado real, crise financeira, crise cambial, crise no setor de commodities, deterioração acelerada dos desequilíbrios de fluxos externos (balanço de pagamentos), elevado desequilíbrio de estoque (passivo externo de curto prazo), pressão inflacionária e risco de má governança.

Após a eclosão da crise no Brasil, o governo Lula tem se limitado a um conjunto de medidas que se enquadram na chamada “estratégia da linha de menor resistência”. Nesta estratégia, a maior parte das medidas tem viés pró-setores dominantes (bancos, agronegócio e construtoras). Não há dúvida que o governo Lula subestima os riscos de ocorrência de crise cambial e econômica ainda mais grave no país. O argumento central é que a crise atual brasileira tem repercussões e está envolvida em incertezas críticas muito mais sérias do que aquelas implícitas nas medidas tomadas pelo governo Lula no imediato pós-crise nos Estados Unidos. Não há dúvida que nos países desenvolvidos e, mais ainda no Brasil, a crise atual é multidimensional. Portanto, é necessário tomar medidas que efetivamente evitem a eclosão de uma mega crise cambial e econômica e que estejam à altura do potencial de destruição da crise

IHU On-Line – O senhor diz que a Bolívia e o Peru não sofrerão com a desaceleração da economia, que Paraguai, Colômbia e México terão forte desaceleração econômica e que Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai terão forte efeito de desaceleração. O que explica as conseqüências sobre estes países?

Reinaldo Gonçalves – A análise do impacto da crise internacional na região destaca o nível da taxa de crescimento da renda e a sua desaceleração no período 2008-09. Três grupos de países podem ser identificados. No primeiro, estão os “sobreviventes” – Bolívia e Peru –, que terão taxas de crescimento relativamente elevadas e não sofrerão o processo de desaceleração. No segundo grupo, estão os países “atropelados” – Paraguai, Colômbia e México – com baixas taxas de crescimento e forte desaceleração econômica. O terceiro grupo é o de “atingidos”, composto do restante dos países do painel: aqueles que terão taxas relativamente baixas de crescimento e sofrerão menor impacto de desaceleração (Equador, Chile e Brasil); e aqueles países (Argentina, Venezuela e Uruguai) que terão taxas elevadas de crescimento e sofrerão forte efeito de desaceleração.

O custo do enfrentamento da crise internacional nos países da região depende da situação das finanças públicas. Situações fiscais relativamente confortáveis são as da Bolívia, Chile, Peru e, em menor medida, Argentina e Venezuela. Entretanto, a fragilidade de muitos dos países da região está na forte dependência da receita fiscal em relação à exportação e aos preços das commodities internacionais (com destaque para Equador, Venezuela e Bolívia).

No que se refere às contas externas, de modo geral, o processo de deterioração deve se agravar. Este processo implica maior risco econômico. Na ausência de maiores turbulências no sistema financeiro internacional, a expectativa é de manutenção de significativos ingressos líquidos de capital externo privado. Portanto, a percepção otimista é que haja menor risco financeiro. Entretanto, vale destacar que crises financeiras internacionais restringem a oferta de crédito e encarecem a captação de recursos externos. Estes fatos provocam tensão nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Vale notar que o agravamento da crise financeira nos Estados Unidos provocou significativa contração de créditos internacionais, principalmente no início do segundo semestre de 2008.

No que se refere ao risco financeiro associado ao descompasso entre ativos e passivos correlatos, a existência de bolhas de preços de ativos ou de volume de crédito, volume excessivo de investimentos em ativos imobiliários, a evidência disponível não é robusta. Dados sobre investimentos no exterior de fundos de pensão mostram, por exemplo, a pequena exposição dos fundos na Argentina e a grande exposição de fundos no Chile. A integração da economia do México na economia dos Estados Unidos e a dolarização no Equador também sugerem elevado risco financeiro frente a problemas no sistema financeiro dos Estados Unidos.

O desalinhamento da taxa de câmbio também aumenta o risco financeiro. O trade-off evidente destas apreciações cambiais é o risco financeiro. Forte apreciação cambial aumenta a probabilidade de desvalorizações abruptas e, portanto, maior risco financeiro.  Atualmente, constata-se significativa apreciação cambial nos casos do Paraguai, Brasil, Venezuela e Colômbia, o que expõe estes países a maiores riscos financeiros frente aos problemas internacionais. Este problema reduz, também, o grau de liberdade dos países no sentido de usar a taxa de câmbio para combater as pressões inflacionárias no futuro próximo.

IHU On-Line – Será preciso repensar um projeto econômico para o Brasil?

Reinaldo Gonçalves – No caso específico do Brasil, a análise aponta no sentido de que o país está no grupo de países latino-americanos mais afetados pela crise econômica internacional que se iniciou em meados de 2007 e que eclodiu em meados de 2008.  A vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira e os erros de estratégia e política econômica do Governo Lula são os fatores determinantes da “blindagem de papel crepom” do Brasil. Esta crise econômica deve forçar o país a repensar a sua trajetória “sem rumo e sem prumo” dos últimos anos (principalmente, depois de 1990). O Brasil está se tornando um verdadeiro “fracasso civilizatório”. Defendi este argumento no meu livro Vagão descarrilhado (Rio de Janeiro: editora Record, 2002).

IHU On-Line – De que forma o desaquecimento da economia chinesa muda o "jogo" para o Brasil? Podemos nos aproveitar, de certa forma, dessa crise?

Reinaldo Gonçalves – A economia brasileira ficou mais dependente da China nos últimos anos. Isto é particularmente ruim, pois o Brasil exporta produtos primários e importa manufaturados. Houve aumento das participações da China e do México como destino das exportações brasileiras. E estes países dependem significativamente do mercado dos Estados Unidos. Outrossim, no período em questão houve aumento do peso relativo das exportações de bens como fonte de expansão da demanda agregada. Em 2006, o coeficiente de abertura da economia foi de 14,6%. O resultado destes processos é que, no conjunto, os três mercados (Estados Unidos, China e México) tornaram-se importantes para a economia brasileira. Por um lado, houve queda na participação total destes três mercados nas exportações de bens do Brasil de 31,2% em 2001 para 27,3% em 2006. Por outro, com a elevação do grau de abertura da economia brasileira e a maior importância relativa da China e do México nas exportações do país, estes três países passaram a ter maior impacto direto sobre o PIB brasileiro. Assim, as exportações do Brasil para Estados Unidos, China e México tiveram impacto direto sobre o PIB do país de 0,38% em 2001 e 0,40% em 2006. Ou seja, o crescimento de 10% das exportações para estes três mercados tem como efeito direto o aumento do PIB brasileiro de 0,38% em 2001 e 0,40% em 2006. Assim, ao longo dos anos a queda do peso específico dos Estados Unidos foi mais do que compensada pelo aumento do grau de abertura da economia brasileira e pelo peso específico da China e do México, que dependem do dinamismo do mercado dos Estados Unidos.

IHU On-Line – Essa crise afeta de que forma o modelo econômico atual? Podemos prever um novo tipo de modelo para depois que a crise acabar?

Reinaldo Gonçalves – O “fracasso civilizatório” brasileiro atingiu um nível que talvez seja o da irreversibilidade. Isto significa, na prática, a manutenção de tendências quanto a putrefação dos grupos dirigentes, a força do bloco dominante (bancos, agronegócio, empreiteiras), a vulnerabilidade externa da economia, a ineficiência sistêmica da econômica, a deterioração das instituições, a degradação do tecido social, a fragilidade da sociedade civil e a inércia do povo. Todos estes processos já atingiram níveis críticos. Muito provavelmente o Brasil sairá ainda mais subdesenvolvido e frágil desta crise.  No livro A economia política do governo Lula, já alertava para o risco que o Brasil sofria com a reversão da fase ascendente do ciclo internacional.

Para evitar o aprofundamento da crise, o governo Lula teria de tomar as seguintes medidas:

1. Redução da taxa de juro básica e na ponta dos empréstimos
2. Aumento dos limites de garantias de depósitos
3. Punição da administração temerária
4. Controle pela sociedade das operações de resgate e capitalização via Caixa Econômica e Banco do Brasil
5. Imposto de exportação
6. Internalização da receita de exportação (obrigar os exportadores a trazerem os dólares que ficam no exterior)
7. Redução da carga tributária sobre os trabalhadores
8. Expansão dos gastos públicos
9. Controles de capitais (entrada e saída)
10. Controle do câmbio

Lula não tem interesse nem coragem para tomar estas decisões. O que é trágico para o país. Ele só implementará estas medidas se houver sério risco de perda de legitimidade do Estado; mais, especificamente, uma grave crise de governabilidade. De qualquer forma, até 2010 muita água (podre) correrá embaixo da ponte.

 

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