Uma visão do suicídio no Brasil em resposta à outra visão apresentada

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29 Novembro 2021

 

"Os padres estão infelizes. Os padres se matam. Os padres se refugiam em suas paróquias. Os padres não vão nas reuniões do clero. Os padres fofocam entre si. Os padres não estudam permanentemente. Tudo isso é uma infeliz e trágica verdade. Mas as causas e as soluções não podem advir apenas da pessoa do padre. E foi isso que você fez no seu artigo", escreve Padre Manuel Joaquim Santos, presbítero da Arquidiocese de Londrina – PR, em resposta ao texto O suicídio no clero do Brasil.

 

Segundo ele, "o nosso modelo formativo não é somente arcaico, mas está falido. Não se sustenta mais! Apesar de experiências pós conciliares (em alguns países ou até entre nós, no Recife) a Igreja com S. João Paulo II, reforçou o modelo tridentino de Seminários e é o que temos hoje. Jovens retirados de seus meios, vivendo uma vida artificial, repleta de 'mordomias' e perdendo completamente a capacidade de dialogar com o diferente ou até de experimentarem as derrotas, inerentes a qualquer debate. Eles são 'preparados' para dizer a última palavra! E isso é um desastre em termos atuais!"

 

"Seminaristas medrosos e formados para uma consciência de que a missão da Igreja que dizem servir, passa pela autoreferencialidade! - constata o presbítero. O cardeal João Braz de Avis chamou-a de 'doença grave', quando também disse que 'não há lugar para uma Igreja de classes e castas'!"

 

"Não tenho nenhuma esperança, - conclui - que os atuais seminários entreguem à Igreja pós-Francisco, pessoas que jamais digam 'esta é a minha paróquia, ame-a ou deixe-a'! O mencionado cardeal Blase Cupich, afirma enfaticamente, que a cultura do clericalismo está na base de toda a crise que a Igreja atravessa. Ora, formarmos padres nesta cultura, é insistirmos em prolongar o que nos dilacera. Uma Igreja 'hospital de campanha' exigirá líderes que caminhem 'adiante, no meio e atrás' do rebanho."

 

Eis o artigo. 

 

Li com muita atenção o teu texto sobre a situação do clero, diante de tantos suicídios no Brasil. Apreciei teu raciocínio, porém o vejo reducionista e parcial! Passo a explicar minha opinião.

 

Você faz uma análise histórica em torno da figura do padre. Olha-os como “desencantados”, que devem urgente “redescobrir a beleza do primeiro amor”! Pressupõe que esses “homens” ordenados, repletos das melhores intenções, se perderam ao longo dos anos, deixando esfriar a beleza da sua vocação e buscando desenfreadamente alternativas compensatórias, que, como meras quimeras, apenas os desviam do essencial e os levam a um vazio, já manifestado na origem dessas opções secundárias.

 

Fala que esses homens se tornaram incapazes de um poder forte de decisão a favor de Alguém, que é em última análise a razão da sua existência como presbíteros. Que esses padres se tornaram vulneráveis ao ponto de serem marionetes em mãos de terceiros.

 

Vi também que você sublinhou a superficialidade e a mediocridade dos padres que buscam “ficar bem na foto” e a isso reduzem a sua vida sacerdotal. Neste ponto concordo com você, embora o ache muito parcial, como te explicarei. Não faltou, inclusive, uma menção tua à questão do fetiche (palavra minha) dos padres, para com tudo que envolve a Sagrada Liturgia. Referiu-se você, inclusive, ao comércio florescente no Brasil, em torno dessa dimensão da vida do sacerdote!

 

Você vai mais longe. Arrisca dizer que padres estão infelizes desde o dia da ordenação! Que já revelaram à época, manias de grandeza e de superação de outros, incompatíveis com a essência do Ministério que estavam recebendo. Mas a sua crítica é mordaz, quando menciona o ingresso em outros cursos pouco tempo após a ordenação, com a alegação de aprofundar estudos ou de “futuros serviços” à Igreja! Acusa os padres de incoerência (neste ponto mais uma vez concordo), quando possuem em relação ao mundo atitudes incongruentes e cínicas.

 

Depois, caro padre Rafael, você avança para a questão da sexualidade. Mais uma vez, coloca a tônica numa dimensão pessoal, em que no fundo tudo se resumiria a decisões e opções perante a busca de uma “normalidade”, casta e celibatária! Alcançável num patamar mágico afetivo de boas e sãs amizades! Deste ponto, você avança justificando o individualismo e a malvadeza nos relacionamentos, em que os padres seriam “lobos se devorando uns aos outros”. Sublinha que a amizade resolveria uma série de problemas, inclusive é claro, a questão celibatária, devolvendo o brilho que essa “disciplina eclesial” deve possuir!

 

Não posso afirmar com tanta certeza, que os padres antes de Trento, possuíam algo que os de hoje perderam. Sei que não existia presbitério (tal como o concebemos hoje), desde o século IV. Sei que os bispos na baixa idade média (até à revolução francesa) visitavam as paróquias uma vez na vida. Sei que até ao Vaticano II os padres eram praticamente inamovíveis e faziam a sua vida “da solo” às vezes com uma companheira “mais ou menos assumida”! É certo que Trento formou padres para o seu tempo. Aliás, a reforma de Lutero assim o provocou. E essa formação veio até ontem. Mas como direi na continuidade, Trento, ainda está bem vivo!

 

No seu artigo, sublinha mais do que uma vez, que a necessidade proeminente (já manifestada em público em várias reuniões) é a proximidade afetiva (sem medos) entre os padres. Que isso não se decreta com retiros ou reuniões festivas. Concordo com o teu desejo e com a tua advertência. Também não poderia discordar, que a amizade pessoal e intransferível com Cristo que nos chamou, é a fonte de qualquer amizade com os colegas de presbitério.

 

Porém meu caro padre Rafael, é necessário enquadrar esta questão sob outra ótica. Faz-se mister avançarmos para outras águas, na abordagem dos problemas que você mencionou em seu artigo. Os padres estão infelizes. Os padres se matam. Os padres se refugiam em suas paróquias. Os padres não vão nas reuniões do clero. Os padres fofocam entre si. Os padres não estudam permanentemente. Tudo isso é uma infeliz e trágica verdade. Mas as causas e as soluções não podem advir apenas da pessoa do padre. E foi isso que você fez no seu artigo. O processo sinodal (que eu espero que Londrina tenha coragem de aprofundar), ajudar-nos-á na busca de soluções. Contudo, é minha opinião de que a Igreja é a grande responsável pelas tragédias mencionadas (e anunciadas). Igreja nunca foi um ente anônimo e abstrato! Igreja como povo de Deus, mas essencialmente, neste quesito, como campo de decisões que envolvem a figura do sacerdote.

 

A palavra mágica infelizmente continua sendo o clericalismo. Como nos lembra o cardeal de Chicago, Blase Cupich, “quando o ministério ordenado se separa do fundamento batismal compartilhado com todos os católicos, então as ordens sagradas necessárias para a vida eclesial, são substituídas por algumas desordens profanas”. Conhecemos e estamos atentos, ao funcionamento dos mecanismos que conduzem e alimentam este clericalismo. São evidentes e nos envolvem como tentáculos de polvo gigante. Seduzem-nos e reduzem-nos a meros funcionários de uma Instituição, se não tivermos imunidade. Há de fato, uma indisfarçável tentação de sermos melhores que os fiéis leigos em geral. Este é apenas o começo; mas quando temos um laicatoclericalizado” que nos ajuda nesse empreendimento, as coisas se complicam demais! Se é disto que estamos falando na Igreja universal, devemos corajosamente abrir o jogo nas nossas Particulares!

 

O nosso modelo formativo não é somente arcaico, mas está falido. Não se sustenta mais! Apesar de experiências pós conciliares (em alguns países ou até entre nós, no Recife) a Igreja com S. João Paulo II, reforçou o modelo tridentino de Seminários e é o que temos hoje. Jovens retirados de seus meios, vivendo uma vida artificial, repleta de “mordomias” e perdendo completamente a capacidade de dialogar com o diferente ou até de experimentarem as derrotas, inerentes a qualquer debate. Eles são “preparados” para dizer a última palavra! E isso é um desastre em termos atuais!

 

Saem da formação considerando-se garantidores da ortodoxia eclesiástica, conhecedores da doutrina e experts em quase tudo! Para vincarem esta postura anacrônica - e, eu diria, fatal - apostam nas vestes e adornos litúrgicos que evidentemente os distanciam do sacerdócio comum. Se achamos que o modelo de Trento está esgotado, ficamos ainda mais intrigados e preocupados, ao perceber que o apego ferrenho a essa performance formativa, representa uma autêntica fobia na adesão ao novo modus vivendi e operandi que a Igreja procura apresentar, no diálogo profícuo e legítimo com o mundo. Seminaristas medrosos e formados para uma consciência de que a missão da Igreja que dizem servir, passa pela autoreferencialidade! O cardeal João Braz de Avis chamou-a de “doença grave”, quando também disse que “não há lugar para uma Igreja de classes e castas”!

 

Galgar o poder no usufruto de cargos com infelizes e enormes vantagens (inclusive financeiras), é um atrativo para quem adentrou no sacerdócio ferido por miopias insanáveis ou incuráveis. Não temos na formação atual como corrigir cirurgicamente estas distorções! Alguém poderia sublinhar o papel de formadores extraordinários. Concordo que no passado fizeram a diferença. Contudo, com trinta anos de padre, constatei a impotência de muitos deles, perante o atual sistema. O Seminário para ser fiel ao que se propõe, não pode mais ser apenas, um lugar “retirado”! Há de se conjugar uma formação específica com uma inserção em meios acadêmicos laicos, que proporcione aos jovens candidatos saborear a vida real, onde em última análise irão exercer o seu ministério. A última metade do século passado já não comportava na Igreja, figuras autoritárias e fiadoras dos fiéis leigos. Hoje, não existe nenhuma concessão a esse modelo pré-conciliar! Portanto, formar padres para apresentarem respostas antigas a questões atuais, é contraproducente e tolerância com processos incubadores de autoritarismo e clericalismo!

 

O Presbitério de uma Igreja particular, tem o direito e o dever de refletir sobre este assunto. Há espaço e agenda para tal. Entendo, que o mal denunciado em várias publicações e de modo enfático pelo Papa Francisco, tolda, perturba e condiciona negativamente a ação evangelizadora. Tenho percebido uma tensão negativa no clero, sob o auspício da omissão de um profícuo debate e até de autoridade, que conduzissem ao saneamento do clericalismo entre nós. Não tenho nenhuma esperança, que os atuais seminários entreguem à Igreja pós-Francisco, pessoas que jamais digam “esta é a minha paróquia, ame-a ou deixe-a”! O mencionado cardeal Blase Cupich, afirma enfaticamente, que a cultura do clericalismo está na base de toda a crise que a Igreja atravessa. Ora, formarmos padres nesta cultura, é insistirmos em prolongar o que nos dilacera. Uma Igreja “hospital de campanha” exigirá líderes que caminhem “adiante, no meio e atrás” do rebanho.

 

Você foi formador vários anos. Não entro no mérito. Mas os padres que criticou no seu artigo “lhe passaram pelas mãos”. E não te vejo como responsável de nada. Apenas te lembrando que o sistema nunca recebeu de você grandes críticas! E é exatamente um modelo de Igreja que desejamos mudar, que nos forneceu esse sofrimento constatado entre nós e que muito bem referiu no seu escrito.

 

Eu já denunciei em inúmeros artigos este modelo de formação anacrônico gerador de infelicidade.

 

Com respeito

Padre Manuel Joaquim Santos

 

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