O que as pessoas pedem à Igreja?

Conselho Pastoral | Foto: www.upreginadellafamiglia.it

06 Outubro 2021


Padre Ivan Maffeis, após ter servido por mais de dez anos a Igreja italiana dentro da Conferência Episcopal do país, foi nomeado pároco de Rovereto e pediu ao padre Gabriele Ferrari uma reflexão para os conselhos pastorais da área. O encontro aconteceu no último dia 10 de setembro, no Centro Pastoral Beata Giovanna. Abaixo reproduzimos o texto da apresentação.

A reflexão é publicada por Settimana News, 02-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o texto. 

 

Não esperem de mim fórmulas pastorais para este tempo. Eu nem sei se há alguma ... e de qualquer forma eu certamente não as tenho. Vou propor algumas reflexões que estou fazendo neste tempo - depois de dois anos de pandemia - a partir de minha pequena experiência e do que vivi, ouvi e li nos últimos meses sobre o tema.

Pessoalmente, o Covid e os dois lockdown deixaram em mim - como acredito em outros - dois desejos ou necessidades: a necessidade de confiança e esperança contra o medo e a insegurança e, em segundo lugar, a necessidade de relações humanas significativas.

Vou falar sobre isso desenvolvendo com vocês três ideias: esta é a hora da mudança, da escuta e do discernimento e é a hora da missão e da "Igreja em saída" (Evangelii gaudium 20).

 

É a hora da mudança e da conversão

 

A pandemia marcou um antes e um depois na minha história, fixando quase uma fronteira a partir da qual entramos em uma nova fase de nossa história, que requer novas atenções, hábitos e exigências. Isso em um nível pessoal, mas também em um nível de Igreja.

Abriu-se um tempo novo que nos obriga a olhar para a frente e ao mesmo tempo nos proíbe de voltar ao passado, de refazer o que foi feito até agora. Infelizmente, essa é a tentação do momento presente. Mas é uma operação sem futuro e contra o Espírito. “Não vos lembreis das coisas passadas”, dizia o profeta aos israelitas que voltavam do exílio, “não pensem mais nas coisas antigas! Eis que faço uma coisa nova, agora sairá à luz; porventura não a percebeis" (Is 43,19).

Infelizmente, muitos cristãos e também muitos padres, em parte por medo das novidades e em parte por preguiça mental, tendem a restaurar o passado sem refletir que essa é uma operação impossível e sem futuro. De fato, o que esvaziou nossas assembleias litúrgicas não foi a pandemia e nem mesmo a perda da importância da fé e da religião aos olhos de muitas pessoas, são fatos que a pandemia apenas evidenciou ou, no máximo, acelerou: fatos irreversíveis que devemos levar em conta.

Por isso, o Papa Francisco - muito antes da pandemia - pediu a toda a Igreja "uma conversão pastoral e missionária que não pode deixar as coisas como estão" (Evangelii gaudium 2014, n. 25).

“É preciso mudar!”, repetiu peremptoriamente na Conferência sobre a pastoral das cidades (novembro de 2014) e depois, a 15 de novembro de 2015, à Igreja italiana reunida em Florença, afirmando que estamos perante uma “mudança de época” que requer uma mudança da pastoral, tão difícil para as nossas Igrejas, mas tão necessária.

As igrejas estão se esvaziando, matrimônios e batismos se tornam raros ... só os funerais resistem! 60% dos jovens de hoje não são mais praticantes, porque consideram a religião inútil e declaram que vivem bem mesmo sem Deus e, outro sintoma preocupante, as pessoas que estão com quarenta anos estão abandonando a prática cristã.

Não bastam esses sinais para crer que é hora de mudar de rumo e marcha e estabelecer um novo curso pastoral? "O tempo da cristandade acabou", disse o papa sem rodeios à Cúria romana em 21 de dezembro de 2019.

 

É hora do discernimento

 

Justamente porque é a hora de mudar, devemos buscar criativamente e ousadamente novos caminhos pastorais para tirar a Igreja da situação de exculturação em que acabou. Se quisermos continuar ou retomar a transmissão da fé, precisamos encontrar novos caminhos.

Mas, para mudar de maneira autêntica e inteligente, é preciso parar e colocar-se à escuta "do que o Espírito diz às Igrejas" (cf. Ap 2-3). O convite dirigido às sete Igrejas do Apocalipse para um tempo de crise é válido também para este momento histórico. Nenhum cristão - muito menos um conselho pastoral - pode dispensar a escuta do Espírito.

Fiéis à tradição não são os que repetem o que sempre foi feito, mas apenas os que tendem o ouvido e o coração ao que o Espírito Santo que dizer para as comunidades.

É hora de discernir o que Deus quer que entendamos por meio dos acontecimentos da história e das expectativas das pessoas que estão desorientadas e com medo por causa dessa crise sanitária que chega depois de três outras crises que se sucederam neste início de século. Principalmente, não é hora de fazer, mas de escutar.

O que, em geral, as pessoas esperam da Igreja hoje? Mesmo quem já não frequenta mais a Igreja espera atenção para os seus problemas concretos, ou seja, proximidade feita de novas relações, uma palavra de esperança e de confiança que o ajude a resistir nesse momento crítico.

Nunca como agora é preciso que funcionem os conselhos pastorais das comunidades eclesiais, não só porque os sacerdotes são poucos e os leigos devem "se empenhar", mas porque esses conselhos são lugares de escuta e de busca onde todos os fiéis exercem o seu sacerdócio, a missão de participar na vida da Igreja que vem do batismo.

O conselho pastoral, antes de ser um lugar de organização da comunidade, é um lugar de identificação das verdadeiras urgências pastorais, que não são primeiramente aquelas ad intra (por exemplo, a celebração das missas, os programas da catequese, a celebração das festas e as atividades da terceira idade, as procissões e as peregrinações ou as festas da cidade etc., que são objetivos em vista e a favor dos "nossos", isto é, dos que frequentam a igreja).

Um conselho pastoral deve preocupar-se com os "nossos" mas também, e talvez mais, com os "outros", para identificar formas de se tornar próximos de "todos", para promover as boas relações com todos, para integrar e fazer interagir as pessoas, para desenvolver a solidariedade, não só daqueles que frequentam a Igreja, mas de todos, com particular atenção aos "outros" para alcançar a todos, o mais rapidamente possível, com o anúncio do Reino de Deus que é a fraternidade e a amizade social, a justiça, a paz e a esperança que Jesus nos trouxe com o Evangelho, como explica o Papa Francisco com a encíclica Fratelli tutti.

Um conselho pastoral faz o discernimento ouvindo a história e confrontando-a com a Palavra de Deus e, assim, já põe em prática aquela mentalidade sinodal tão cara ao Papa e para a qual está preparando um Sínodo da Igreja universal.

Para isso, vocês serão convidados a trabalhar em assembleias sinodais decanais e tudo isso trará o povo de Deus de volta ao protagonismo, até agora pouco conhecido e reconhecido, hoje ainda mais obscurecido pelas celebrações em streaming onde o centro e único protagonista da liturgia e da Igreja parece ser (pelo menos na percepção imediata) o padre celebrante diante de um povo que assiste às celebrações: não foi essa uma perigosa regressão pré-conciliar?

 

É a hora da missão, da “Igreja em saída”

 

Por esses motivos, a pastoral após a pandemia deverá caracterizar-se - já o deveria ter sido antes - por sua natureza missionária, não no sentido comum da ação dos missionários ad gentes, mas pela tensão de retomar o primeiro anúncio da Palavra dirigido a todos para oferecer novamente o ABC do Evangelho.

A Igreja ainda deve ouvir o "ides por todo o mundo" para oferecer a todos a Palavra e o Sacramento, mas nessa precisa sequência, isto é, primeiro a Palavra e depois os sacramentos, precedendo o anúncio por uma abordagem feita de simpatia e de empatia, caracterizado pela hospitalidade e pela gratuidade.

Todos nós sabemos o que é hospitalidade: quem nos hospeda faz de tudo para nos oferecer o melhor que têm e, no final, nem sonha ... em nos pedir a conta. Tudo é grátis! É assim que deve ser a nossa pastoral, se queremos que as pessoas se apaixonem por Jesus e pelo Evangelho e venham procurá-lo, como diz Marcos no relato da viagem de Jesus para Cafarnaum: “quando já estava se pondo o sol ... toda a cidade se ajuntou à porta" (Mc 1,33).

Aos que se aproximam de nós, talvez pela primeira vez, por favor, não vamos pedir imediatamente que se empenhem, que voltem à missa dominical, que se juntem às nossas associações. Em primeiro lugar, vamos acolhê-los, perguntar-lhes como estão, o que precisam, se têm trabalho, se os filhos encontram vaga na escola ... Mas também tratemos de ir procurá-los, se possível, em sua casa. Foi dito com uma simpática imagem que não vamos trazer as pessoas de volta à igreja tocando os sinos, mas as campainhas das casas. E isso não é tarefa só do pároco! É também nossa ...

Procuramos construir relações pessoais com as pessoas, conhecendo os recém-chegados e os que raramente são vistos na igreja, visitando as famílias de forma gratuita e cordial: "Que queres que te faça?", pergunta Jesus (Mc 10,51): esta deve ser a preocupação do pastor e da comunidade antes de qualquer oferta possível das nossas propostas pastorais.

Para pensar numa nova abordagem pastoral, será bom sair de uma concepção pastoral, litúrgica e mais em geral espiritual, baseada quase exclusivamente na Missa e no edifício sagrado. A celebração eucarística - que fique bem claro - não é apenas importante, é fundamental, porque é fons et culmen da vida cristã.

Porém, sobretudo neste nosso tempo muitas vezes indiferente à fé, a mera celebração da Missa, repetida de maneira quase mecânica, proposta com obstinação e por vezes pedida como única ação litúrgica mesmo nos dias de semana, não só evidencia um perigoso déficit de criatividade pastoral, mas deixa pouco espaço para o encontro, a escuta e, portanto, para a formação dos fiéis.

Será necessário inventar novas formas de oferecer a Palavra, como por exemplo, a preparação comunitária da homilia, a lectio divina feita com a comunidade, a Liturgia das Horas com o povo, e assim por diante, tudo em tempos e modos acessíveis às pessoas e aos seus compromissos de trabalho ...

E não vamos nos limitar a cuidar da formação dos garotos esquecendo os adultos que permaneceram por tempo demais à margem da proposta pastoral.

Por fim, como o pastor poderá encontrar tempo para conversar com as pessoas se tiver que correr de uma igreja à outra para celebrar a Eucaristia que todos desejam em sua casa e em horários que lhes convém? Aqui estão outras razões para mudar a pastoral atual.

A pastoral será missionária se abrir as portas da comunidade para deixar os fiéis saírem e enviá-los ao mundo para compartilhar o testemunho de sua fé com todos, por meio de relações de amizade e de fraternidade, sem pretender que os que encontramos peçam ... imediatamente os sacramentos.

Não vamos mais fundar, por favor, a nossa pastoral nos "grandes" números do passado, mas no "pequeno rebanho" (cf. Lc 12,32), o que não significa um grupo insignificante de fiéis, nem mesmo um "grupo eleito"(!), mas numa minoria criativa, de pessoas convencidas da sua vocação batismal, que será o fermento de comunhão, fraternidade e solidariedade no coração da massa.

Talvez surjam na região pequenas comunidades, em torno de famílias individuais ou grupos de amigos, dos quais o Evangelho se difunde não por propaganda, mas por contágio ou irradiação, isto é, graças à qualidade de vida cristã e das relações.

Hoje, todos, mesmo os chamados "nossos", já não escutam mais os sermões ("A nossa palavra está gasta", já foi dito com autoridade) e, menos ainda, as palavras normativas, ainda que procedam da autoridade suprema da Igreja, mas todos buscam relações autênticas.

Toda essa mudança não pode realizar-se "dentro" da forma, do modelo e do estilo atuais de Igreja, de paróquia e de pastoral que corre o risco, para além das intenções, de ser excludente.

Não é suficiente que as pessoas venham à igreja. Isso poderia ter sido o suficiente no passado, quando ir à igreja era a expressão dominical ou festiva de algo que já se vivia nas casas e nos bairros.

Hoje as pessoas das nossas assembleias dominicais, especialmente as urbanas (mas logo será assim em toda parte), muitas vezes não se conhecem entre si ou têm um vínculo fraco ou desgastado e se assemelham a turistas solitários e ocasionais.

Uma "Igreja em saída", segundo Francisco, são aqueles cristãos que saem da celebração eucarística para "fazer Igreja" nos lugares da vida.

Não basta organizar as formas do anúncio e da pastoral, simplesmente criando ocasiões de encontro a realizar-se no edifício eclesial para as quais convidar os "outros". Em vez disso, a comunidade se desloca da igreja, lugar tradicional das assembleias, para criar "redes de relações" entre as pessoas, para dar vida a experiências de amizade, de oração comum e de partilha, "descentralizando-se" para reativar de alguma forma aqueles ‘pequenos vilarejos’ de relações primárias que hoje estão desaparecendo, mas das quais hoje se sente novamente a necessidade.

São poucas ideias para recolocar em movimento a pastoral.

 

- Como texto bíblico de introdução para essas indicações, sugiro o encontro de Jesus com Bartimeu (Mc 10,46-52).

 

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